A cobertura de lobby no Brasil

Dec 9, 2024 en Reportagem de crise
Negociação

Apesar do lobby no Brasil não configurar crime, ele não é regulamentado. Essa prática, que envolve grandes corporações e representantes de setores da sociedade com poderes econômicos capazes de influenciar decisões políticas, nem sempre atende aos interesses da maioria dos brasileiros.

O fórum do IJNet, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), convidou a jornalista investigativa Nayara Felizardo, do Intercept Brasil, co-fundadora da newsletter Cajueira e finalista do Prêmio Gabo em 2024, para discutir o assunto. “A cobertura pretende revelar o que está por trás da tramitação dos projetos de lei e da relação entre políticos e os representantes de um pequeno grupo econômico”, destaca. Leia o resumo da conversa a seguir ou acompanhe o vídeo do webinar com Daniel Dieb abaixo: 

 

O que é lobby

A jornalista afirma que, apesar de ser relacionado a uma prática controversa, qualquer setor que se organize e tente pautar um debate, pode realizar o lobby, que consiste na representação de interesses junto ao setor público, por meio de estratégias de relacionamento e convencimento.

 “Nós confundimos o lobby com corrupção e advocacia administrativa; com oferecimento de dinheiro ou outras vantagens a quem tem poder de decisão. Mas é saudável e democrático que as entidades pontuem seus lados, sejam os representantes da sociedade civil, sindicatos, ONGs ou empresários. Favorecer vantagens que é ilegal”.

Felizardo destaca a existência do “lobby do bem”, praticado por organizações e entidades que defendem os interesses da sociedade civil, como a ACT, que atua na promoção de políticas de saúde pública, e o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores).“A questão é que quem tem maior poder econômico tem mais capacidade de sucesso e esse é o problema de não ser regulamentado”, pontua.

A necessidade da regulamentação

A jornalista explica que existe o PL 1202/2007, que regulamenta o lobby. O projeto esteve em tramitação na Câmara dos Deputados por 15 anos e, atualmente, aguarda no Senado. No entanto, faltam marcos que garantam a transparência. “O PL não trata do essencial: a paridade de armas entre os setores que têm o poder econômico e a sociedade civil”, afirma.

Sem a regulamentação, segundo a jornalista, não é possível saber com quem os políticos se encontram para discutir questões de interesse coletivo, porque não existe obrigatoriedade de ata para os agentes públicos receberem ambos os lados interessados em um projeto de lei. “No legislativo não tem disponível a agenda dos parlamentares. Também não existe regulamentação de lobby relacionado ao financiamento de campanha eleitoral”, ressalta. Felizardo afirma que para a nova lei ser proativa, é necessário informar a divulgação de conflitos de interesse e dos laços econômicos por agentes públicos.

O lobby pode ser realizado no Executivo, Legislativo e Judiciário. Muitas vezes, há casos graves de conflitos de interesses e “porta giratória”. “A porta giratória é uma das formas mais danosas de praticar o lobby. É quando uma pessoa ocupa um cargo público e tem acesso a dados estratégicos e sigilosos e, ao deixar essa função, passa a trabalhar em uma instituição privada, diretamente interessada nessas informações”. A regulamentação da questão é inconsistente. “Quando alguém deixa um cargo público, precisa passar por um período de quarentena em que não poderá ser contratado pelo setor privado. O não cumprimento desse prazo é ilegal e serve apenas para a redução dos danos. Contudo, não fará o ex-agente perder suas informações privilegiadas”, pondera.

Por que a cobertura importa?

A cobertura garante o conhecimento dessas práticas que influenciam a vida dos brasileiros e aumenta as chances de a pressão popular impactar nas agendas desfavoráveis à sociedade civil. Ela exemplifica o caso do Instituto Pensar Agropecuária, que foi criado por entidades do setor agropecuário para dar suporte técnico à Frente Parlamentar da Agropecuária. “Esse instituto embasa leis a favor do agro e em detrimento da preservação do meio ambiente e da redução de crise climática”. A jornalista apresentou alguns pontos sobre o assunto:

- Com seu poder econômico, grandes corporações conseguem influenciar decisões políticas.

- É necessário conhecer os movimentos políticos para revelar a quem interessa a tramitação de determinados projetos de lei.

- Por meio do lobby, as leis e políticas públicas atendem aos negócios de poucos, mas provavelmente em detrimento da maioria dos brasileiros. “Temos um pequeno grupo interferindo na decisão que afeta todos nós”.

Dicas valiosas

- Descubra quais propostas estão tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado e interessam ao setor que você está investigando. Se você cobre saúde, conheça os projetos de lei da área.

- Mapeie e acompanhe discussões de Frentes Parlamentares. “Se você está investigando o lobby das armas, por exemplo, é preciso observar como a frente parlamentar da segurança pública/ a bancada da bala tem atuado”. Muitos projetos não saem do papel pela influência de lobistas nas bancadas que os representam. “É o caso dos deputados financiados pelo agro que seguram projetos que regulam os ultraprocessados”.

- Mapeie e investigue os autores e relatores dessas propostas.

- Mantenha contato com entidades que fazem o “lobby do bem” e descubra quem está pesquisando a pauta do seu interesse.

- Escolha um foco e comece a fazer fontes. É inviável cobrir todas as áreas. Ter acesso às pessoas que fazem o lobby contra e a favor dos projetos de lei é fundamental, assim como, se possível, no caso da cobertura local, comparecer às sessões na Câmara Municipal e analisar os discursos e a agenda que está sendo defendida pelos vereadores.

- Outra dica tanto para encontrar fontes quanto para enriquecer o texto jornalístico é buscar os pesquisadores do tema. Por meio do CNPq, selecionando o campo “assunto” em “busca”, é possível pesquisar, por exemplo, sobre o “lobby da saúde ou dos ultraprocessados” e ter acesso ao Currículo Lattes dessas pessoas. 

Ainda sobre o tema, a jornalista citou outras duas reportagens que produziu:

Como a Coca-Cola ajudou a enterrar PL que proíbe refrigerante em escolas.

Cinco pontos da reforma tributária que devem piorar sua alimentação.


Foto: Canva