O Brasil passa por uma escalada de intimidações contra veículos de comunicação e jornalistas por meio de ações judiciais. As advogadas Taís Gasparian e Mônica Galvão, co-fundadoras do Instituto Tornavoz, dão orientações e ferramentas essenciais para boas práticas jornalísticas do ponto de vista jurídico.
Elas abordaram o tema no webinar “Como Blindar Suas Reportagens Contra Processos Judiciais”, mesmo nome do curso gratuito oferecido pelo Instituto Tornavoz e pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, com o apoio do Google.
Atentados processuais no Brasil
Gasparian diz que há casos de jornalistas brasileiros que recebem mais de 100 processos em um período de 2 ou 3 meses. “Eu nunca vi uma quantidade tão grande de atentados processuais, vamos dizer assim, contra os jornalistas e contra empresas jornalísticas”, diz ela.
Abrir ações em diferentes cidades do país é uma estratégia comum de assédio judicial, de acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI). Confira, a seguir, as principais dicas e orientações das especialistas sobre o tema.
Leve em consideração a composição do judiciário
Jornalistas precisam saber quem compõe o Poder Judiciário para produzir reportagens com menor risco de processo, principalmente com tópicos sensíveis e controversos. De acordo com as especialistas, não há imparcialidade ao julgar as ações, porque há juízes com diferentes opiniões e interpretações jurídicas, assim como acontece na própria sociedade.
As advogadas orientam ter atenção com a forma como o assunto é abordado e as palavras utilizadas nas matérias, mas se policiar para não praticar uma autocensura. Elas orientam que o Judiciário não deve ter o poder de dizer o que o veículo pode ou não abordar. Essa é uma atribuição própria dos jornalistas.
Sobre o direito de resposta
Galvão afirma que o direito de resposta tem sido utilizado de forma equivocada e desproporcional. “O que a gente vê, cada vez mais, é o direito de resposta sendo usado como uma forma de pautar a imprensa, de ganhar espaço nos veículos ou de você rediscutir opiniões e críticas”, constata a advogada.
Ela explica que o direito de resposta precisa ter uma finalidade bem definida: corrigir informações erradas e responder a ofensas. “Devemos ficar atentos para que o direito de resposta não possa ser usado como uma maneira de interferir na liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento”.
Checagem e equilíbrio
Galvão lembra que cada veículo tem sua política editorial sobre como e quando buscar o outro lado, de acordo com padrões éticos e jornalísticos. Mas quando o tema envolve um processo judicial, ela afirma que quanto mais equilibrada for a matéria, há menos risco para o jornalista ou veículo. A recomendação é ouvir os envolvidos e buscar um equilíbrio razoável.
“Eu sei que isso é uma questão extremamente delicada, ainda mais quando envolve pessoas numa posição de vulnerabilidade. Mas é interessante que o outro lado esteja equilibrado no decorrer da matéria. Não que ele precise ter o mesmo espaço, mas que ele esteja presente”, completa Gasparian.
Jornalistas também devem buscar fundamentação e embasamento para suas reportagens. Isso inclui sempre que for possível: consultar, guardar e acessar documentos, além de solicitar comprovações de dados e fatos oferecidos pelas fontes.
As responsabilidades legais entre você e o veículo
A responsabilidade pelo conteúdo pode ser do veículo, mas também de quem assina a matéria. Estabelecer quais são as obrigações legais no contrato de trabalho é fundamental, de acordo com as especialistas.A pessoa ofendida pode, inclusive, escolher quem processar: o veículo ou diretamente quem produziu e assinou aquele conteúdo.
E atenção: o veículo de comunicação não é obrigado a pagar a defesa dos profissionais. Algumas convenções coletivas até determinam essa cobertura, mas a responsabilidade não se estende para a condenação.
Quando o processo for pessoal contra jornalistas, a orientação é acompanhar a ação até o final para evitar surpresas desagradáveis.
Busque instituições de defesa jurídica a jornalistas
As especialistas enfatizam que muitos jornalistas trabalham em pequenos veículos de comunicação ou como freelancers e não possuem segurança jurídica para publicar as matérias.Nesse caso, a recomendação é procurar instituições que prestam esse serviço gratuitamente.
Um dos exemplos é o próprio Instituto Tornavoz. O projeto não tem fins lucrativos. Eles oferecem auxílio técnico e financiam a defesa de pessoas ou pequenos veículos de mídia que enfrentam processos judiciais por exercer sua liberdade de expressão. Preencha esse formulário e peça sua defesa pelo Tornavoz.
A organização afirma que os recursos são limitados. Por isso, a prioridade é para casos que envolvam temáticas ligadas a grupos historicamente marginalizados e a veículos que estejam afastados de grandes centros, se dediquem a essas temáticas ou tenham atuação local/regional.
A instituição também oferece o curso “Como Blindar Suas Reportagens Contra Processos Judiciais”, em parceria com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
A capacitação é gratuita e é dividida em 4 módulos. Os conteúdos abordados são os seguintes:
- Módulo 1: Responsabilidade Civil e Direito à Privacidade;
- Módulo 2: Direito de Resposta e Sigilo de Fonte;
- Módulo 3: Direito à Imagem e Cuidados com matérias que envolvam crianças e adolescentes;
- Módulo 4: Lei de Acesso à Informação e Boas práticas jornalísticas do ponto de vista jurídico.
A Abraji também oferece o “Programa de Proteção Legal para Jornalistas”. Ele inclui assistência jurídica a jornalistas e comunicadores que são silenciados ou constrangidos por meio de processos judiciais. Profissionais que estejam sendo assediados, ameaçados e perseguidos e que tenham interesse em processar civilmente os agressores podem ser acolhidos pelo programa.
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