Ciência e saúde: ferramentas para encontrar fontes e pautas

by Natalie Vanz Bettoni
Mar 13, 2023 in Temas especializados
Laboratório

O jornalismo de ciência e saúde anda junto da área acadêmica e, assim como ela, cria e reproduz desigualdades. Há uma tendência de que certas vozes sejam favorecidas —normalmente, aquelas que já são ouvidas e ocupam posições de poder na sociedade.

“A ciência é um espaço profundamente desigual. Ela é propriedade, em grande medida, de homens brancos, de meia-idade, com origem nas classes média e alta. Isso tem diferença em áreas e é um processo que passa por mudanças, mas ainda é hegemonicamente assim, e o jornalismo é a mesma coisa”, diz Luiz Augusto Campos, professor de sociologia e ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O professor explica que, apesar da ciência ser uma atividade eminentemente coletiva, a visibilidade científica costuma ser individual, o que se reflete no jornalismo: “Além de ter desigualdades internas, o jornalismo também tende a dar renome àqueles cientistas que já têm mais visibilidade.”

As desigualdades se aprofundam em meio à pressão do jornalismo diário, ao passo que jornalistas preferem contatar cientistas que respondem rapidamente a seus contatos - o que tende a ser mais comum entre aqueles que já estão acostumados a serem entrevistados.

Ferramentas acadêmicas úteis ao jornalismo

Algumas ferramentas podem auxiliar jornalistas na busca por fontes e pautas mais diversas e representativas, fugindo do ciclo de acúmulo de desigualdades retroalimentado entre jornalismo e ciência. Muitas destas ferramentas já são utilizadas majoritariamente por membros da academia. Campos destaca a SciELO (Scientific Electronic Library Online, portal de revistas científicas brasileiras) como espaço plural de pesquisas.

Também recomenda a Plataforma Lattes: “Ela implica basicamente que todo cientista brasileiro que receba recurso brasileiro, que tenha vaga em universidade, tenha currículo registrado lá, então é forma plural de achar referências que sirvam ao debate que a imprensa está fazendo.”

Para hierarquizar tais informações, o pesquisador recomenda programas como o Publish or Perish. “Ele permite rankear determinadas referências acadêmicas de acordo com palavras-chave, mas também de acordo com quem é mais citado, quem é de determinado país e afins.”

A busca por estudos em plataformas também é recomendada pela repórter de ciência e saúde da Folha de S.Paulo, Ana Bottallo. “A partir do estudo, procuro no Google Acadêmico, no Research Gate ou no PubMed. São as três ferramentas que mais uso, pois vão ter contatos, pessoas envolvidas que posso diretamente acessar.”

Conexões com outros estudos  também podem ser exploradas visualmente, através do site Connected Papers. Com informações básicas do artigo, é possível verificar trabalhos relevantes que antecedem ou derivam do estudo, permitindo aprofundar a apuração.

Para sugerir pautas, uma das ferramentas utilizadas por Bottallo é o EurekAlert!, plataforma que divulga estudos inéditos e permite que jornalistas os acessem antes do grande público. Neste período, repórteres podem preparar suas matérias e contatar os autores do estudo, cujo contato é disponibilizado na plataforma.

Especialistas mulheres como fontes

Bottallo busca equilibrar as fontes e para isso conta com pontos de vista de especialistas brasileiros acerca de estudos internacionais. Além disso, se dedica a incluir mulheres cientistas e as encontra em bancos de fontes como o da Agência Bori, organização que realiza trabalho similar ao EurekAlert no Brasil.

O banco de fontes da Bori também é utilizado por André Biernath, repórter de ciência e saúde da BBC News Brasil. Ele relata que a cobertura diária da Covid-19 contribuiu para ela expandir os contatos. 

“Às vezes, a gente fica muito na nossa zona de conforto, sabe que aquela fonte vai atender e então vai nela e ponto final", diz Biernath. "Acho que essa exigência da pandemia e a disponibilidade do banco de dados fez com que a gente abrisse um pouco a cabeça.” Ele também utiliza o SciencePulse, ferramenta de código aberto que permite acompanhar os assuntos em alta entre cientistas e especialistas em redes sociais.

Sites como Women Also Know Stuff são voltados especialmente à busca por especialistas mulheres e o Diverse Sources, para achar fontes cujas perspectivas são menos representadas. Ainda, no Brasil, associações de pesquisadores facilitam o contato, como é o caso da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.

“Acho que isso é algo que pode ser mais fomentado, tanto a criação desses bancos quanto a nossa preocupação como repórteres de buscar essas pessoas". diz Biernath. "Acho que é algo que ainda pode ser melhor trabalhado e utilizado por nós, e faço aqui uma autocrítica”.


Foto: Canva