Até pouco tempo, o profissional de comunicação que atendia aos clubes de futebol era apenas o assessor de imprensa. Mas nos últimos tempos, houve uma mudança nesse mercado de forma significativa, abrindo espaço para novas áreas de atuação do jornalista.
Este novo cenário veio à medida que a profissionalização dos clubes de futebol no Brasil começou. Foi quando surgiram as primeiras propostas de SAF (Sociedade Anônima de Futebol, modelo de clube-empresa); os projetos de sócios torcedores alavancaram; e o aparecimento dos blogs e das mídias sociais também movimentou este nicho do jornalismo.
Se por um lado, o número de veículos tradicionais da cobertura esportiva diminuiu, por outro, alguns clubes possuem, atualmente, uma cobertura e equipes de jornalistas maiores que muitas redações de sites voltados para o tema.
Torcedores como patrocinadores
Fernando Mello, vice-presidente de Comunicação e Marketing da Federação Paulista de Futebol e fundador da Press FC, afirma que não há mais dúvida de que a área de comunicação no segmento passou a ser realizada de forma muito mais profissional em clubes de maior investimento. Na sua trajetória, o jornalista já passou pela gerência de comunicação de alguns dos maiores clubes de futebol do país, como Corinthians, Palmeiras, Santos, Atlético Mineiro e Grêmio, e na comunicação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
“Uma mudança significativa neste cenário dentro dos clubes brasileiros aconteceu no início da década de 2010. Foi o momento em que o torcedor passou a ser o grande patrocinador e, em algumas vezes, maior do que a verba vinda do marketing", explica Mello, "Quando esse ‘cliente’ paga ele fica mais exigente. A comunicação precisa melhorar, a transparência tem que aumentar, é preciso prestar contas e entender como responder as cobranças”.
Clubes com mídias próprias
De acordo com o jornalista, o segundo ponto em relação ao crescimento dos departamentos de comunicação dos clubes foi a criação de veículos próprios, que vão desde os sites oficiais, passando por canais de rádio e TV e as mídias sociais.
Um dos maiores departamentos de Comunicação de clubes de futebol é o do Flamengo, com mais de 30 profissionais. Bernardo Monteiro, diretor de comunicação do clube, explica que as equipes estão distribuídas em dois locais: sede do clube na Gávea (Zona sul do Rio de Janeiro) e no Centro de Treinamento Presidente George Helal (na Zona Oeste do estado).
O departamento cuida de três frentes: do futebol, dos esportes olímpicos e da parte institucional do clube. “São três assessores, quatro fotógrafos, seis profissionais de conteúdo, cinegrafistas e repórteres, focados só no futebol, além de uma turma atuando no futebol de base. Nos esportes olímpicos são nove categorias atendidas. Temos três produtoras, que trabalham conosco na FlaTV e FlaTV+”, detalhou Monteiro.
A rotina de trabalho é a mesma de uma redação de um veículo de comunicação, com reuniões de pauta semanais. “Praticamente a semana inteira tem algo acontecendo, sem contar com a divulgação institucional e dos projetos na área social”. Recentemente em uma pesquisa, divulgada pelo MKT Esportivo a partir de uma parceria com a Samba Digital (que fornece os dados diariamente das redes sociais), o Flamengo foi o clube com mais interações nas quatro redes – Twitter, Instagram, Facebook e Tik Tok.
A jornalista Helena Petry integra a equipe dos Esportes Olímpicos e que está, principalmente, no atendimento ao basquete (o segundo esporte na linha de importância do Flamengo). “Temos uma rotina intensa, já que são quatro competições por temporada. Em 2022, esse número foi ainda maior já que, além do Campeonato Estadual, o Flamengo participou do Mundial de Clubes”.
Os jornalistas envolvidos acompanham as competições para produção de conteúdo, realizam atendimento e credenciamento da imprensa e publicam notícias sobre venda de ingressos. Petry explica que para encontrar boas pautas é fundamental, por exemplo, estar próximo ao dia a dia dos jogadores.
Mais competitividade, mais comunicação
A competitividade entre os clubes vai empurrando para novas saídas na comunicação, como foi o caso do Santa Cruz Futebol Clube, sediado em Recife, no estado de Pernanbuco. A jornalista Renata Graciano, que trabalhou no Santa Cruz, conta que o clube passou a investir na comunicação em função da necessidade de melhorar a relação com os torcedores, que se sentiam prejudicados por verem os rivais ganhando cada vez mais espaço em mídias próprias. “Em 2016, começou a mudança no Santa Cruz e, na época, tínhamos nove pessoas na equipe. O material humano era incrível e fazíamos de tudo para trazer um outro olhar para o clube. Foi uma quebra de padrão para todos nós”.
Ela lembra que o jornalista que atua na área precisa ficar muito ligado, inclusive, nas limitações impostas pelas rivalidades entre os times de futebol. É uma carga de trabalho muito longa, ainda mais quando as equipes são enxutas. Os horários dos jogos, em que o jornalista precisa estar presente, somados ao trabalho normal durante o dia, são pontos que precisam ser avaliados para quem vai entrar nesse mercado.
Assessoria em estádios
Atualmente, existem vários modelos de negócios para a administração de estádios de futebol no país, que podem ser feitos por empresas, concessões e órgãos governamentais. No maior estádio do país, o Maracanã, por exemplo, enquanto o processo de licitação do Governo do Estado do Rio de Janeiro para a gestão do estádio não é finalizado, a administração é feita pelos clubes Fluminense e Flamengo, que dividem as atividades internas.
Alexandre Bittencourt, que trabalhou na assessoria de imprensa do Fluminense, é o atual gerente de comunicação do Maracanã. Ele explica que, dentro do processo atual de gestão do estádio, coube ao Fluminense a indicação da equipe responsável pela área de comunicação e marketing, que são ligados ao CEO do Maracanã. Bittencourt explica que as reuniões de pauta acontecem às segundas-feiras, na parte da tarde, e podem ser online ou presencial, para definição dos conteúdos a serem publicados no Twitter, Instagram, TikTok, website e no MaracaTV.
“O funcionamento é igual ao de qualquer redação de jornal. No futuro, a intenção é aumentar a equipe, incluindo mais jornalistas para produção de materiais para que possam ser úteis como referência para a imprensa", diz Bittencourt. "É um trabalho cuidadoso porque não podemos concorrer com os veículos oficiais dos clubes, que administram o estádio. O olhar é mais do torcedor que quer saber sobre o Maracanã”.
Não é só saber de futebol
Mello lembra que as dificuldades da editoria ‘esporte’ sempre fizeram com que o jornalista precisasse correr muito atrás da informação. “As coisas nunca foram simples para o jornalista esportivo. Ele está acostumado à dificuldade e a encontrar soluções rápidas”.
Mas para atuar dentro dos clubes, ele reforça alguns pontos importantes para a capacitação do profissional de comunicação, que vão além de entender de futebol, por exemplo. Entre eles, alguns que são básicos da profissão, mas que nem sempre entram nas prioridades de quem cobre esporte. “Conhecimentos gerais, com leitura diária de jornais e de bons colunistas, ouvir notícia, acompanhar a política e economia, porque tudo tem influência no futebol. Não é uma categoria que tem comportamento apartado da sociedade. Tudo tem ligação”, reforça Mello.
Fotos da equipe FlaTV: Cristina Dissat