O desejo do pai era que o filho, depois dos estudos superiores em Paris e em Pádua, exercesse a advocacia e desse continuidade à nobreza da família. Mas o moço, nascido no Castelo de Sales, situado numa região que hoje corresponde a uma confluência entre a França, a Itália e a Suíça, tinha outros planos. Para desgosto do Senhor de Boisy, seu filho primogênito Francisco queria ser padre.
Determinado a ouvir seu coração, Francisco de Sales abandonou um título político, adquirido aos 24 anos, para ser ordenado padre e assumir um importante cargo, hierarquicamente abaixo somente do bispo da região. O pai acabou por aceitar a escolha do rapaz considerando a posição de destaque que o filho conquistou dentro da Igreja. Francisco tornou-se notável sacerdote e incansável escritor. Morreu aos 55 anos, diz-se de tanto trabalhar. Foi proclamado santo e, posteriormente, padroeiro dos jornalistas e dos escritores, cuja data celebra-se no dia 24 de janeiro.
Folhetos distribuídos por debaixo das portas
A história de Francisco e de seu trabalho consagrado à comunicação situa-se no final do século 16. Tudo se passa na região fria e montanhosa dos Alpes do antigo ducado de Savoia, naquela época um estado independente. Partes da Europa viviam revoluções religiosas e sociais, entre elas, conflitos entre cristãos católicos e cristãos protestantes. “Uma parte deste ducado [de Savoia] não era católico; era protestante. Havia mais ou menos umas vinte e cinco mil pessoas e o duque exigiu do bispo que aquela parte fosse católica” diz o padre Tarcizio Paulo Odelli, que estuda a vida e a obra de São Francisco de Sales desde 2004. “Então Francisco vai como um missionário e, durante três anos, faz um trabalho muito difícil. Ele vai tentar converter estas pessoas para o catolicismo”.
Francisco começou seu trabalho de comunicação pelo discurso oral. Sem êxito, pois as pessoas recusavam-se terminantemente a ouvi-lo. A dificuldade, Francisco transformou em oportunidade. “Vocês não querem me ouvir? Vocês vão me ler. Aí vem a ideia de fazer folhas onde ele escrevia um texto [...] e de noite ele colocava debaixo das portas das casas”, conta Odelli. “Mandava imprimir as folhas e colocava debaixo das portas porque dentro de casa as pessoas podiam ler; na rua, elas não podiam ler um texto que fosse católico, pois eram protestantes. Poderiam inclusive ter problemas com a polícia da época”, diz.
Um achado arqueológico sob o assoalho
Após a morte de Sales, foram descobertos por baixo do assoalho do castelo da família, os folhetos periódicos escritos pelo padre missionário com os quais comunicava sua mensagem. “Este é um dos motivos pelo qual ele foi proclamado padroeiro dos jornalistas. As folhas volantes, um tipo de jornalzinho, que ele distribuía de tempos em tempos para as pessoas”, diz Odelli. O conjunto dos folhetos encontrados foi editado e transformando no livro “A controvérsia católica" (no original em francês "Les controverses", publicado postumamente, em 1672). Os religiosos ligados a São Francisco de Sales - os salesianos - consideram estes folhetos os primeiros jornais católicos do mundo.
Um santo como inspiração jornalística
Proveniente do latim, o termo padroeiro está associado à proteção e à defesa de uma causa. Cledson Martas Rodrigues trabalhou durante uma década na direção das tevês educativas católicas no Brasil e explica que a nomeação de um padroeiro “passa por um processo de curadoria no Vaticano de avaliação histórica e de manifestação popular por aquilo que a pessoa significou em vida”.
O escritor e jornalista independente Patrick Santos diz ser “fundamental a gente ter um norte para onde olhar [...] mirar um pouco mais em valores que nos conectam com a verdade”. No exercício da profissão há trinta anos, Santos considera que o jornalismo atual tem sofrido um pouco com a carência de verdades mais profundas. “Precisamos sair um pouco da rigidez e tentar entender os fatos de uma maneira mais humana. O jornalismo tem que ir um pouco descalço, tem que ser um pouco franciscano”, diz.
Francisco de Sales nasceu em 21 de agosto de 1567, em Thorens (Savoia), e morreu em 28 de dezembro de 1622, em Lion. Para Odelli, a figura do santo como patrono dos jornalistas inspira valores na forma e no conteúdo da escrita. No que se refere à forma, Sales inspira o cuidado em transmitir a informação com simplicidade na linguagem. Em relação ao conteúdo, Sales inspira “a busca pela verdade, sem pender para um lado ou outro”, diz.
Foto: Vitral da Igreja Saint-Nicolas de Combloux, região de Auvergne-Rhône-Alpes, França.