A origem da notícia segundo a arqueologia

Dec 22, 2022 in Temas especializados
Pintura pré-histórica

A notícia parece ser tão antiga quanto a própria humanidade. Embora o ato de dar uma notícia não deixe vestígios diretos ou fósseis que possam comprovar a sua origem, podemos conjecturar sobre que tipo de acontecimento teria motivado nossos ancestrais mais antigos a transmitir determinadas mensagens como notícia.

Imaginemos a cena em que um homem ou uma mulher, em tempos pré-históricos, entra apressadamente em seu abrigo comunicando aos outros membros do grupo, seja através de gestos ou de fonemas, que uma tormenta está a caminho ou que um bebê acaba de nascer, ou ainda, que um indivíduo foi atacado por um animal feroz. Podemos considerar como notícia o conteúdo destas mensagens?

Etimologicamente, o termo “notícia” encontra sua origem no latim e diz respeito a uma informação ou um conhecimento acerca de algum acontecimento recente ou sobre algo ou alguém. Luiz Oosterbeek, professor e arqueólogo português, considera que o conceito de notícia entre os povos pré-históricos somente poderia existir caso houvesse uma capacidade cognitiva do receptor. “É preciso haver uma digestão intelectual da informação. Isto não é uma característica de todas as sociedades e penso que a maioria das sociedades passadas não tinha esta característica”.

Notícia nos registros pré-históricos

O que dizer sobre os registros materializados por pinturas ou gravuras pré-históricas? “É lógico que eles [povos pré-históricos] não se preocupavam com a questão da notícia, mas, o que registravam? Um fato, uma informação como, por exemplo, aquelas que encontramos nas paredes dos sítios arqueológicos com pintura. Aquelas pinturas têm um significado. No Brasil, estão relacionadas a um fato como um ritual de passagem”, explica a arqueóloga brasileira Margareth de Lourdes Souza. “Ou poderiam estar ensinando alguma coisa ligada à alimentação e à sobrevivência”.

Souza, que também é autora do livro Arqueologia e os primeiros habitantes no Distrito Federal, recorda-se de uma figura com quase três mil anos de idade que viu pintada na parede de um abrigo rochoso, hoje submerso pelas águas de um reservatório, na região de Goiás. “Aquele símbolo, que parecia para mim um peixe, poderia indicar que aquela região era um bom local para se pescar. Isso quer dizer que se está passando uma informação, se está passando uma notícia. Mas não como o conceito que nós temos hoje”, diz. Ela acrescenta: “A partir do momento que o homem está em grupo, ele tenta se comunicar, noticiar onde estaria uma fonte de alimentação ou como iriam fazer uma caça. Ele tem que se comunicar e criar uma estratégia por mais rústica e básica que seja”.

Já em Portugal, a presença de pinturas pré-históricas parece estar, muitas vezes, relacionadas à marcação de um determinado território. Segundo o professor Oosterbeek, esta noção de espaço permite dizer que “já estamos próximos das condições cognitivas para que se possa dizer que havia notícias, mas não podemos ter a certeza de que havia notícias”.

A morte enquanto notícia

Em Portugal, assim como em outros países europeus, existem numerosos monumentos pré-históricos construídos com a utilização de enormes blocos de pedra (alguns deles gigantescos), denominados “antas” ou dólmens. Estes monumentos megalíticos têm sido interpretados como estruturas funerárias onde se depositavam corpos de determinadas pessoas mortas – possivelmente líderes ou pessoas muito prestigiadas dentro de uma comunidade.

“Olhando para estas comunidades, ainda que com o nosso cérebro do século XXI e imaginando a complexidade que deve ter sido construir uma estrutura daquelas, o fato de colocarem lá certas pessoas, teria tido um grande impacto na comunidade. E isso teria sido notificado. Teria sido uma notícia muito grande”, diz a arqueóloga portuguesa Sara Garcês.

Garcês também considera que a notícia da morte ou a notícia de fenômenos associados à morte, como terremotos ou acidentes, deve ser das poucas notícias que causam grande repercussão social, mesmo nas pessoas mais distraídas. “Se nós até hoje não entendemos bem [a morte] e temos um conjunto de rituais e processos que temos que passar para entender esse fenômeno, imagino que na pré-história seria uma coisa de grande impacto”. Por isso mesmo, um fenômeno digno de ser noticiado.

 

Pedra rupestre
Numerosos monumentos gigantescos como a Anta do Zambujeiro, em Portugal, anunciam a morte de alguém. Foto: Kenia de Aguiar Ribeiro.

Notícia como magia

Em uma necrópole localizada próxima ao Cairo, no Egito, a pirâmide do faraó Unas tem gravadas, em algumas de suas paredes, os mais antigos textos funerários que se tem conhecimento. Poderia haver nestes textos algum conteúdo que sugerisse uma notícia? O professor e egiptólogo brasileiro Thomas Henrique de Toledo Stella é categórico: “Não. Este texto nunca foi feito para ser lido. Ele foi feito para ter um efeito mágico sobre a ressurreição do faraó e ser fechado por toda eternidade”.

Os textos da pirâmide, gravados em escrita hieroglífica há mais de quatro mil anos, tinham como propósito serem recitados durante o ritual de sepultamento do faraó falecido. Terminado o ritual e a pirâmide fechada, o texto nunca mais voltaria a ser visto. “Ele não foi feito para os vivos, ele foi feito para os mortos”, explica Stella.

Stella considera que o elemento mágico estava presente em tudo o que era noticiado no antigo Egito. A notícia não necessariamente dizia respeito a algo que acontecia no tempo presente ou a algo que havia acontecido no tempo passado. “Os egípcios faziam muita magia a partir da notícia. A notícia era usada não para dizer o que aconteceu, mas para dizer o que se quer que aconteça”.

Além de ser jornalista, também tenho formação em arqueologia. Então pergunto ao professor Stella se nós (arqueólogos) que entramos num recinto como a pirâmide egípcia, ao lermos o texto e entendermos seu caráter mágico, podemos dizer que o conteúdo deste texto traz hoje uma notícia para nós no século XXI. “Ironicamente sim, ele está noticiando que ali é a tumba de um faraó, se a gente quer achar uma notícia, sim. Achamos a notícia de que realmente ali é uma coisa que pertence ao universo egípcio, não é uma civilização anterior, não é uma civilização de outro planeta e nem uma projeção da ficção científica projetada no passado”, diz.

Cada momento histórico e cada sociedade do passado são dotados de numerosas particularidades. Conjecturar que tipos de acontecimentos poderiam ter sido considerados notícia ou não parece depender mais do ângulo de quem os vê. Assim, mesmo aquilo que os antigos deixaram registrado em segredo, chegou ao nosso tempo como um novo perfil: a notícia do que foi descoberto.

Pinturas nas pirâmides
Textos gravados nas paredes da câmara funerária do faraó Unas. Notícias recentes de quatro mil anos atrás. Foto: Wikipedia

Foto capa: Margareth de Lourdes Souza, Sítio Pedra Talhada, Goiás, Brasil.