Assédio nas redações: o peso do silêncio e a urgência por mudanças

بواسطة Verônica Vale
Jan 19, 2025 في Segurança Digital e Física
Assédio

O ambiente das redações jornalísticas, historicamente associado ao dinamismo e à busca incessante pela verdade, ainda carrega uma realidade sombria para muitas mulheres. O assédio sexual e moral é uma experiência, infelizmente, comum relatada por profissionais e revela uma cultura de silêncio que perpetua desigualdades e violações.

Quase 60% das mulheres jornalistas sofrem violência de gênero por parte de colegas e chefes do sexo masculino, segundo uma pesquisa da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ)  com 300 profissionais da imprensa de 15 países da América Latina e Caribe. No Brasil, o cenário é ainda mais alarmante: 75% das comunicadoras já enfrentaram assédio no local de trabalho, conforme o estudo da Aberje, "A Mulher na Comunicação". Patrícia, Marta e Vanessa - nomes fictícios - concordaram em compartilhar suas experiências para esta reportagem.

Sofrimento "naturalizado"

Patrícia é jornalista e relata que passou por assédio em redações de jornais desde o período de estágio. “Eu saía chorando da redação. Exausta, parecia que tudo que eu fazia não era suficiente. A editora reclamava dos meus textos, editava e voltava da revisão com erros que eu não tinha cometido", conta. “Recém-formada, já trabalhei 30 horas seguidas. Os editores não tinham noção de escala de trabalho e justificavam: ‘Na minha época era pior.’”

Em uma agência governamental de notícias, Patrícia presenciou diversas vezes um editor gritar com a equipe. “Ela expunha os erros dos colegas publicamente aos berros”, complementa. “E ainda fazia ameaças de demissão ao exigir tarefas fora do escopo combinado.”

Patrícia nunca tentou relatar o caso à empresa porque temia represálias. “Além disso, sinto que os colegas eram complacentes com a situação. As pessoas acham que é normal ou simplesmente não querem se envolver. É um assédio naturalizado", desabafa.

Indiferença e punição velada

Marta, também jornalista, trabalha em um departamento de comunicação governamental. Mulher negra, ela narra que sofreu racismo, configurado como assédio moral, por parte de uma colaboradora no ambiente de trabalho. “Eu reportei o caso aos meus superiores imediatos de forma assertiva e profissional. Todos eles invalidaram meu relato”, diz. “Ignoraram o caso, sem tomar nenhuma medida imediata.” Marta relata que a falta de suporte institucional e a retaliação indireta foram devastadoras para sua saúde mental.

“A situação afetou minha carreira porque passei a ter dificuldade em emplacar projetos dentro da empresa. Eu não conseguia implementar ideias e projetos porque eles dependiam da colaboração da pessoa agressora”, explica.

Ela não chegou a procurar o sindicato, mas comunicou a situação a um grupo de equidade étnico-racial da própria empresa. Os participantes manifestaram apoio inicialmente, mas durou pouco tempo. Marta ainda considera acionar judicialmente a agressora, mas com cautela. “Preciso ter uma boa base de documentos para me resguardar”, receia.

Marta exalta a importância do letramento racial: “Quando se acrescenta o racismo, a questão fica mais complexa, e é preciso estudar para compreender e mudar um problema estrutural."

Culpa e abuso

Além do constrangimento público e do racismo velado, há o assédio sexual. A jornalista Vanessa trabalhou em redação de jornal impresso. Ela conta que “anualmente os homens faziam uma votação para eleger a ‘gostosa da redação’, com categorias atribuídas às características físicas das repórteres.” Os resultados eram enviados para o e-mail de todos os funcionários.

A própria Vanessa foi assediada pelo editor enquanto era repórter. “Ele me chamava para jantar após o expediente. E eu ia porque, na minha cabeça, eu estava construindo um relacionamento de confiança profissional", conta. "Com o tempo, ele passou a fazer perguntas indiscretas sobre minha vida pessoal, a me oferecer caronas para casa e fazer propostas íntimas.”

Vanessa nunca denunciou o chefe porque sentia culpa e medo de perder credibilidade na carreira profissional. “Hoje entendo que fui manipulada e que minha inexperiência foi usada contra mim", comenta. Ela acredita que a divulgação do assunto de assédio no ambiente de trabalho contribui para que a vítima identifique o abuso com mais clareza e consiga denunciá-lo ou se afastar da situação. "É fundamental conscientizar mulheres sobre como identificar contextos de assédio".

Caminhos para a mudança

Ana Paula Tavares, advogada especialista em assédio no ambiente corporativo, destaca que o Brasil possui legislação para combater essas práticas, mas a implementação é um desafio. “Temos a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que prevê sanções para empregadores que permitem ou negligenciam situações de assédio. Além disso, a Lei 9.029/95 proíbe discriminação em relação à cor, gênero ou idade. O problema é que a maioria das vítimas tem medo de denunciar por conta de retaliação ou perda de emprego”, explica Tavares.

A especialista chama atenção para a importância de campanhas de conscientização e treinamentos obrigatórios para gestores. “Empresas precisam estabelecer canais de denúncia anônimos e atuar de forma transparente para investigar e punir os casos”.

Patrícia também recomenda que as colegas se fortaleçam internamente. “Recomendo que façam terapia para que passem a dizer não com mais segurança às situações abusivas nos ambientes de trabalho.” 


Foto: Canva


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