Não existe um caminho predefinido para um jornalista ser correspondente num outro país. Mas seguem 12 dicas de três jornalistas que escolheram o Brasil para morar e trabalhar. Esses conselhos valem para outros países e mostram o que faz do correspondente um profissional à parte.
Verónica Goyzueta, correspondente peruana no Brasil há 30 anos, coordenadora do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF), professora de jornalismo internacional (ESPM), correspondente jornal ABC (Espanha) e membro da diretoria da Associação dos Correspondentes de São Paulo (ACE).
Leve amizades a sério
“Fazer rede de amigos brasileiros é chave para chegar e entender o que está acontecendo. Gosto também de ter amigos de vários universos e não só do eixo Rio-São Paulo. Os estrangeiros acabam indo embora, então valorizar as amizades com brasileiros é importante.”
Estude
“Fazer um mestrado, um curso livre, uma pós-graduação em qualquer matéria que ajude a entender o Brasil é sempre uma boa ideia. As faculdades públicas são excelentes aqui. Isso ajuda a ter fontes para matérias futuras, melhora o seu português e te capacita para poder dar aulas se tiver um mestrado.”
Organize as suas redes sociais de forma profissional
“No Twitter, dá para conseguir muitas fontes e informações, seguindo quem cobre pautas que te interessam, trocar ideias com jornalistas em grupos, seguir os veículos independentes tais como Amazônia Real, Nexo, A Pública, Ponte Jornalismo, Mídia Ninja.”
Não recuse trabalhos
“Até fiz trabalhos de graça no início, mesmo se obviamente não é recomendado, mas é sempre melhor do que ficar parado, e pode ajudar a fazer rede e depois conseguir salários melhores."
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Paula Ramón, venezuelana, correspondente para a AFP (França) desde 2017, e autora do livro “Mãe Pátria” (Companhia das Letras, 2020)
Estude sobre o lugar que pretende cobrir
“Às vezes, os correspondentes acham que o país começou quando eles chegaram. É fundamental conhecer a história do país lendo bastante, conhecendo a literatura e ouvindo a música. Foquei muito nisso antes de chegar no Brasil.”
Aprenda sobre o humor
“Cada vez que ouvia uma piada que não fazia sentido para mim, eu procurava perguntar por que os brasileiros achavam engraçado. Entender o humor ajuda a criar uma intimidade com as pessoas entrevistadas e não ser vista como gringa no Brasil. Mas às vezes, me chamam de gringa e vejo como elogio. Tem que ter respeito pelo país onde vai morar e se você se esforça, as pessoas respeitam mais você.”
Ouça e tenha empatia
“Eu gosto de ouvir quem não tem espaço, as pessoas que se sentem esquecidas e tem algo para falar. Mulheres vítimas de violências, trabalhadores, todos têm uma história para contar e são receptivos. Mesmo quando não têm nada, oferecem um café, se abrem mesmo em temas difíceis."
Anne-Laure Desarnauts, franco-brasileira, correspondente no Brasil há dez anos, jornalista, cinegrafista e sócia da La Vista Produções.
Escolha um país pensando ao longo prazo
“Tinha pensado em outros países, na Ásia por exemplo, mas o que me fez escolher o Brasil é que tenho família aqui. Sabia que tinha a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016, e apostei que a França seria interessada pelo Brasil.”
Saia do seu país, podendo voltar se precisar
“Antes de sair da França em novembro de 2011, vim de férias em julho para averiguar. Assim, assinei um contrato com uma produtora francesa de TV aqui no Brasil por três meses. Era o que eu precisava para me mudar para o Brasil. Não sei se teria vindo sem contrato nenhum. Eu subaluguei o meu quarto na França para uma brasileira, e o risco que tomei de vir para cá era limitado. Não era definitivo logo de cara. Eu fui me sentindo segura porque poderia voltar para a França. Foi uma primeira etapa, en douceur [gradualmente].”
Não tenha vergonha de falar, mesmo com erros
“Nunca vou esquecer da minha primeira entrevista por telefone: a conexão era ruim; suava para entender o que a pessoa em Manaus estava falando! No início, é melhor se jogar, mesmo falando mal! Não dá para pagar alguém para fazer por você! Não precisa ter vergonha. Nunca imaginei poder trabalhar sem falar perfeitamente a língua e sim foi possível. Fiz aulas antes de vir com o método Assimil, e depois com professores particulares. É um bom investimento. Os brasileiros foram muito gentis. Como cinegrafista, pode ter as suas perguntas prontas e depois você se vira, ouvindo dez vezes se precisar.”
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Tenha contatos no país antes de se estabelecer como correspondente
“É importante conhecer pessoas do país: fazer contatos na França para se apresentar e depois ir para o Brasil e falar novamente com eles para propor pautas. Uma vez no Brasil não é fácil fazer idas e voltas, custa caro. Recomendo muito ter essa rede antes de ir.”
Aceite trabalhos diversos e veja-os como oportunidades
“Sendo brasileira, tive a oportunidade de trabalhar para a TV GNT como produtora executiva do programa “Diário do Olivier”. Organizei viagens de dois meses na América Latina e também na França. Foi um grande desafio cuidar do conteúdo, das parcerias e da logística... Já aceitei trabalhos que não pagavam muito bem, mas me davam ideias para outras pautas, me proporcionaram um encontro novo com alguém. Eu tento ver oportunidades mesmo nas pequenas coisas ou nos trabalhos menos gratificantes. Tem que achar o equilíbrio.”
Tenha uma produtora para fazer vídeos institucionais
“Com a nossa produtora, a La Vista Produções, tivemos como produzir vídeos institucionais para empresas (Leroy Merlin, Carrefour, Ipsos...) e ONGs como a Conectas. É muito difícil conseguir trabalhos institucionais, e sempre foi com contatos da nossa rede de franceses. E sempre acabou dando certo.”
Marie Naudascher, jornalista, correspondente para o diário francês "La Croix" e a rádio "Europe 1", produtora de podcast, sediada em São Paulo.
Imagem principal sob licença CC no Unsplash por Marcos Paulo Prado. Fotos pessoais cortesia das jornalistas.