Dicas para veículos que trabalham com delatores

Apr 22, 2024 em Segurança Digital e Física
A whistle over a blue shirt

No dia 9 de março, John Barnett foi encontrado morto em seu carro na cidade de Charleston, na Carolina do Sul, em razão do que o médico-legista do município chamou de uma lesão de arma de fogo autoinfligida. Dias antes de sua morte, Barnett estava fornecendo evidências em um julgamento de delatores contra a Boeing.

Embora seja impossível saber com certeza o que levou ao aparente suicídio, a mãe de Barnett disse em uma entrevista para a CBS News que ela culpava a Boeing em partes pela morte de seu filho. Ela disse que Barnett estava desanimado com a perseguição implacável da empresa por causa das acusações feitas por ele segundo as quais a empresa ignorava deliberadamente problemas de segurança na fábrica onde ele trabalhava.

A tragédia destaca outro problema também: as responsabilidades éticas do jornalismo que faz reportagens a partir de declarações de delatores. A morte de Barnett pode ser um caso extremo, mas outros informantes já expressaram publicamente ao longo do último ano como falar com a mídia os deixaram desempregados, falidos, perseguidos, excluídos e deprimidos. 

O trauma de ser um delator

Em painéis da conferência da Online News Association, em agosto de 2023, e no Knight Media Forum, em fevereiro de 2024, quatro delatores de destaque falaram sobre suas experiências ao lidar com a mídia – algumas positivas e outras negativas. Eles disseram que jornalistas precisam entender como o papel de delator pode ser traumático.

"Os jornalistas apertam o botão de publicar a matéria e partem para a próxima. Quando você é um delator, quando essa matéria é publicada, é aí que a sua história começa para valer", disse Anika Collier Navaroli, ex-especialista em segurança do Twitter que expôs informações secretas sobre o papel da plataforma na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. "Uma das consequências mais pesadas disso é ter que juntar os cacos depois. Parar e dizer 'eu acabei de estragar a minha vida inteira. Estraguei a minha carreira. O que faço agora?'"

Signals Network, organização sem fins lucrativos com sede nos EUA, foi criada em 2017 para ajudar delatores a lidar com as consequências legais, financeiras e psicológicas de suas ações. A Signals também pode ser útil a veículos de mídia que publicam informações de denunciantes, disse a diretora-executiva Delphine Halgand-Mishra.

"Nós damos apoio aos denunciantes e os jornalistas podem focar no seu trabalho. Podemos desempenhar o papel de um apoio legal para que os jornalistas não tenham que fazer isso – o que eles não podem por motivos éticos."

A Signals Network deu apoio direto a 45 delatores em 2023 e no momento recebe cerca de dois pedidos de ajuda por semana, disse Halgand-Mishra. A organização também defende a criação de uma legislação melhor para a proteção de denunciantes, o que em último caso ajuda jornalistas que dependem dessas fontes para revelar más condutas. A União Europeia aprovou uma diretiva para uma melhor proteção de delatores em 2019; nos EUA, uma lei federal para proteger jornalistas e suas fontes foi aprovada na Câmara e está tramitando no Senado. 

Como proteger delatores

A seguir estão algumas orientações para que jornalistas trabalhem nas pautas fundamentais que só um delator pode oferecer e ao mesmo tempo minimizem os danos àqueles que estão assumindo um grande risco pessoal para expor crimes.

  • Trate os delatores com sensibilidade, entendendo que embora uma matéria possa te ajudar a avançar na carreira, ela pode ser o fim da carreira do informante. Mark McGann, a principal fonte por trás das revelações do Uber Files, disse que ele lidou com alguns jornalistas antiéticos, mas o seu contato inicial com um jornalista do Guardian estabeleceu um padrão excelente: "ele falou sobre mim, sobre meu bem-estar, perguntou se eu tinha família, como estava minha saúde. Perguntou se, caso eu seguisse adiante, haveria mecanismos de segurança que poderiam ser usados para me proteger."
  • Não tire vantagem da vulnerabilidade dos delatores. Ali Diercks, advogada que revelou a intenção da CBS de omitir matérias sobre assédio sexual praticado pelo CEO Les Moonves, disse que se sentia tão confortável conversando com um jornalista do New York Times, que o considerava como um amigo e a única pessoa com quem ela podia se abrir além do seu marido. Ela gostou do fato de que o repórter deixou claro que seus objetivos eram diferentes e que ela precisava buscar apoio legal e emocional de outra forma.
  • Certifique-se de que a fonte entenda as regras. Halgand-Mishra disse que repórteres devem explicar ao informante o que significam termos como "em off" e outros. A fonte precisa entender que o jornalista deve investigar todas as declarações minuciosamente, buscar informações sobre os antecedentes da fonte e falar com a empresa para ouvir o lado dela.
  • Estabeleça protocolos para a forma como a redação vai lidar com delatores. Veículos jornalísticos estão cada vez mais criando canais de denúncia seguros, mas nem sempre pensam com cuidado sobre como vão proteger as pessoas que os utilizarem.
  • Segurança é fundamental. Use canais de comunicação seguros, limite o número de pessoas na redação que conhecem a identidade da fonte e não force o delator a ser entrevistado em sua própria casa.
  • Se a fonte quiser permanecer anônima, tenha cuidado com as informações que a sua matéria vai revelar. Halgand-Mishra diz que algumas matérias dão tantos detalhes que a empresa investigada consegue identificar imediatamente a fonte.
  • Entenda o contexto do país onde você trabalha. Embora a maioria dos delatores assistidos pela Signals Network estejam nos Estados Unidos e Europa, alguns também estão envolvidos com jornalistas e pautas no Sul Global, onde as consequências podem ser mais severas, incluindo ameaças à segurança física.

Nenhum dos delatores que participaram dos painéis disseram que se arrependem de terem vindo a público, mas em favor daqueles que venham a fazer o mesmo, eles querem que os jornalistas entendam os riscos.

"Se você vai fazer algo na condição de delator e não tem experiência com a mídia, pode ser paralisante", disse Wendell Potter, que delatou o seu então empregador, CIGNA, e outras empresas de seguro saúde. "Então apenas tenha em mente tudo que está acontecendo com uma pessoa que está tentando fazer o que é certo e disposta a fazê-lo por um custo enorme.'


Foto por cottonbro studio via Pexels.