Um experimento que desarmou desinformação em grupos de Whatsapp

Jun 26, 2023 в Combate à desinformação
nome projeto

O Brasil é o segundo maior mercado para o WhatsApp no mundo, atrás apenas da África do Sul. Pesquisas apontam que o aplicativo está presente na tela inicial de 54% dos smartphones brasileiros. Infelizmente, ele se tornou o disseminador de desinformação no Brasil e o jornalismo está correndo atrás deste prejuízo.

Como desarmar as notícias falsas que correm soltas nos grupos do Whatsapp durante o processo eleitoral? Foi pensando nisso que a Agência Mural, em parceria com a Lupa, desenvolveu o projeto “Papo Reto No Zap”, entre setembro e dezembro de 2022, no fervor da campanha e pós-eleição para presidente do Brasil. A agência Mural, que busca chegar aonde a grande mídia não chega, escolheu quatro cidades da periferia de São Paulo para criar quatro grupos de Whatsapp.

Engajamento das comunidades periféricas

Nove profissionais da Mural foram treinados pela Lupa. Marcela Duarte, gerente de produtos da agência de fact-checking, diz que a parceria rendeu frutos. “Tanto é verdade que uma das repórteres treinadas dentro do projeto hoje trabalha na redação da Lupa”, diz Duarte. “Foi uma consultoria técnica muito importante porque tem coisas que a gente não consegue identificar como verdade. São opiniões. E a Lupa tem alguns princípios para verificação de informação”, explica Laiza Lopes, coordenadora da Mural.

“Além disso, somamos a nossa expertise em checagem e enfrentamento à desinformação à expertise da Mural, de produzir conteúdo e se engajar com comunidades periféricas de São Paulo. Desta forma, a informação verificada sobre eleições atingiu um público que seria muito difícil para a Lupa sozinha atingir", destaca Duarte.

Desmontar a fake news a partir da demanda

Montar os grupos não foi uma tarefa fácil apesar dos jornalistas envolvidos fazerem parte das cidades onde os grupos foram criados. Era preciso cadastrar as pessoas, muitas já estavam cansadas de grupos, outras não queriam falar de “política”. “Os jornalistas já tinham contato com estes moradores. Ainda assim, fizemos materiais de comunicação para atrair as pessoas. Explicávamos que o projeto era bancado pelo Whatsapp, para trazer mais gente”, explica Lopes.

Segundo a responsável da Agência Mural, o experimento foi financiado pelo Whatsapp mas não houve qualquer interferência editorial do aplicativo no processo. O projeto conseguiu manter entre 80 e 100 pessoas em cada um dos grupos. Mas não era apenas entrar no grupo, era preciso participar. “A pessoa tinha que trazer a notícia, mostrar o que ela tinha dúvida. E tínhamos todo um trabalho educacional do jornalista pedir para que eles trouxessem conteúdos para serem analisados e por meio dos exemplos, as explicações sobre fake news eram dadas”, diz Lopes. Ela cita um exemplo: “A história de que o Lula ia taxar o Pix era algo que elas queriam entender. E a gente trazia as informações corretas e tentava disseminar o conteúdo verificado”.

Desinformação focada na questão presidencial

Algumas conclusões puderam ser tiradas a partir do experimento. “Fizemos algo bem local, porque a gente queria saber se estavam rolando desinformações locais, mas a nossa conclusão é de que as fake news estavam em volta da questão da presidência”, avalia Lopes. Além disso, ela diz que a produção de desinformação durante as eleições presidenciais não era feita nas periferias. “O que estava rolando nas periferias vinham dos grandes centros, do que estava no debate nacional. As periferias não estão neste centro de produção de fake news, mas são mais vulneráveis a elas”.

A possibilidade de se antecipar ao futuro do aplicativo também foi importante. “O projeto nos deu a possibilidade de testar a ferramenta Comunidade, do WhatsApp, antes de ser implementada no Brasil. Nós entendemos seu funcionamento para nos anteciparmos ao impacto que poderia causar no ambiente desinformacional no Brasil”, explica a representante da Lupa. “Também tivemos a oportunidade de entregar ao próprio WhatsApp nossa avaliação sobre os impactos da ferramenta, além de termos feito sugestões para mitigar eventuais efeitos indesejados”.

O saldo positivo, segundo os responsáveis, foi o de que as pessoas saíram dos grupos mais conscientes do que era fake news e algumas queriam até que o grupo continuasse depois do projeto terminado. “Foi um projeto muito importante para trazer luz e dar uma educação midiática sobre como funciona a circulação da desinformação, de como funciona esta cadeia”, diz Lopes. 

O aprendizado com o “Papo Reto no Zap” foi transformado em 2 ferramentas úteis de consulta para os jornalistas. Os dois materiais você acessa aqui: “O Manual de Boas Práticas para Gestão de Grupos no Whatsapp” e o “Papo Reto no Zap - Fact Check Book”.


Foto: Magno Borges / Agência Mural