Publicações sugerem como avançar na cobertura de pautas LGBTQIA+

Apr 10, 2022 в Diversidade e Inclusão
Capa do manual

Abordar pautas LGBTQIA+ sem reproduzir estereótipos ou reforçar preconceitos pode ser um grande desafio para jornalistas, redatores e formadores de opinião. Pensando nesta dificuldade, a Aliança Nacional LGBTI+, em parceria com o GayLatino, criou o Manual de Comunicação LGBTI+. Outra iniciativa que colabora para uma comunicação mais acertiva sobre a cobertura de pautas trans e travesti, é a cartilha lançada pelo Coletivo de Mulheres Jornalistas do Distrito Federal.

Manual de Comunicação LGBTI+

O material propõe uma terminologia atualizada para se referir à população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e intersexo, tornando-se uma importante fonte de consulta para profissionais da área de comunicação.Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e organizador do manual, afirma que o material foi inspirado em manuais de outras organizações, como o SOMOSGAY (Paraguai), a Colômbia diversa (Colômbia), a GLAAD (Estados Unidos) e a ABGLT no Brasil.

O conteúdo esclarece as diferenças sobre sexo biológico, orientação sexual e identidade e expressão de gênero, que causam confusão entre jornalistas e o público em geral. “As pessoas têm a maior dificuldade de diferenciar o que é o sexo biológico da orientação sexual, da identidade de gênero e da expressão de gênero", diz Toni. "A orientação sexual é para onde vai o seu desejo, para quem você tem atração sexual. Expressão de gênero é como eu me visto, quais são os acessórios que eu coloco, como eu me expresso para o mundo. Identidade é como me sinto na intimidade. Você pode se sentir mulher, homem, andrógeno, não-binário."

O que evitar na cobertura

O Manual traz ainda algumas considerações sobre termos a serem evitados pelos jornalistas, bem como orienta sobre a melhor maneira de conduzir uma pauta, evitando constrangimentos e prezando pelo respeito. Abaixo, algumas das dúvidas mais frequentes em relação à abordagem do assunto.

-Desvio sexual: A homossexualidade não é reconhecida como desvio sexual pelo Conselho Regional de Medicina desde 1985. Segundo o manual, o uso desse termo é ofensivo por indicar a homossexualidade como uma anomalia.

-Normalidade sexual: É preciso ter cuidado ao utilizar o termo “normal” para se referir ao comportamento heterossexual. Tratar a heterossexualidade como norma pressupõe que outras identidades ou orientações sexuais são automaticamente desviantes ou anormais.

-Parada Gay: O temo correto é “Parada LGBTQIA+”, pois o evento contempla a diversidade de orientações sexuais, identidades e expressões de gênero.

-Outing: Essa expressão é o ato de revelar a orientação sexual ou a identidade de gênero de uma pessoa sem sua anuência. Segundo o manual, “a orientação sexual de um/a entrevistado/a só merece ser divulgada caso seja pertinente à pauta e com a concordância da pessoa.” O manual informa, ainda, que “deve-se garantir o sigilo da orientação sexual e identidade de gênero de pessoas mortas. A publicação sem autorização de pais, mães ou irmãos pode render uma ação de vilipêndio ou danos morais à imagem da pessoa e família.” 

-Termos depreciativos: O manual propõe que alguns termos depreciativos sejam substituídos, como por exemplo, “hermafrodita” por “intersexo”; “homossexualismo” por “homossexualidade”; “opção sexual” por “orientação sexual”; “casal homossexual” por “casal homoafetivo”; “família homossexual” por “família homotransparental” e “mudança de sexo” por “readequação de sexo e gênero”.

A expressão “mudança de sexo” não abrange a complexidade do procedimento que designa cirurgia e acompanhamento multiprofissional para avaliar o sentimento de desacordo do paciente entre seu sexo biológico e seu gênero. Além disso, o termo “readequação” sugere uma transição mais natural e em conformidade com o sentimento do paciente do que o termo “mudança de sexo”.

-Uso da linguagem neutra: No caso de dúvida sobre a identidade de gênero do entrevistado utilize a linguagem neutra. Observar como a pessoa refere a si mesma é uma boa dica. Se a dúvida permanecer, é interessante perguntar ao entrevistado por qual pronome de tratamento ele gostaria de ser chamado.

A cartilha e as pautas trans e travestis

cartilha foi desenvolvida com base em orientações passadas pela militante transfeminista, Lucci Laporta. O material informa que, segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, e que diante disso, "jornalistas têm a reponsabilidade de abordar pautas trans de maneira adequada para não alimentar a violência e o preconceito.”

A cartilha elaborada pelo Coletivo de Mulheres Jornalistas do DF enumera algumas dicas:

- “Não citar o nome de batismo com o qual a pessoa não se identifica mais!

- Não há necessidade de expor a pessoa trans, como falar se passou ou não por cirurgia. Matar a curiosidade alheia não pode ser maior do que a dignidade das pessoas trans.

- Não há necessidade em mencionar que a pessoa "nasceu menino e se transformou em menina", ou vice-versa. Chamar a pessoa pelo gênero com o qual ela se identifica é obrigação.

- É importante ressaltar a profissão das pessoas trans. Isso ajuda a humanizá-las.

- "Travesti" é sempre feminino. Trate-as assim.

Além das dicas, Laporta aponta qual a melhor forma de abordar pessoas trans não-binárias. “No geral, pessoas trans não-binárias não apresentam uma ‘estética’ binária, mas isso não deve ser motivo para que o/a jornalista deduza ou imponha uma forma de tratamento", explica a militante. "Caso a pessoa não-binária indique que quer ser tratada apenas com a linguagem neutra, também deve ser respeitada.”

Avanços que precisam continuar

Laporta percebe um avanço na cobertura sobre pessoas trans e travestis. “As reportagens têm sido mais respeitosas do que há poucos anos. É mais comum que jornalistas procurem pessoas trans e travestis como fontes para suas matérias. Vez ou outra, também solicitam revisão por parte dessas fontes, para que a matéria não possua nenhuma terminologia errada ou confusão quanto aos pronomes.”

Renata Maffezoli, jornalista e integrante do coletivo, também concorda que há uma maior abertura nas redações e nas faculdades de jornalismo para essas pautas. Mas, para Renata, ainda estamos muito aquém do necessário. “Em caso de reportagens sobre crimes, muitas vezes se reforça a condição de pessoa trans como se de certa forma ‘justificasse’ o crime, do mesmo modo como ainda comentam a roupa ou o estado alcoólico das mulheres que sofrem violência sexual, colocando a vítima no lugar de provocadora da situação de violência.”

Maffezoli também avalia como deve ser feita a cobertura de pautas LGBTQIA+. “É importante, antes de qualquer coisa, que o jornalista questione seus próprios preconceitos, pois são transportados para a cobertura.” E acrescenta: “É preciso atentar também para a forma como construímos a notícia e como retratamos aquela pessoa. Vale sempre se perguntar: Se essa pessoa fosse branca, cis, hétero e classe média-alta, como seria dada a notícia? E verificar se os mesmos critérios, espaços e caracterizações foram utilizados.”


Foto: Extraída do Manual de Comunicação LGBTI+