Como fazer uma investigação jornalística em cartórios e Juntas Comerciais no Brasil

Автор Jade Drummond
Dec 10, 2021 в Jornalismo investigativo
Documentos empilhados

A coleta de dados públicos sobre pessoas e empresas pode ser o ponto-chave de uma investigação jornalística, mas navegar nas plataformas e encontrar informações nos cartórios e Juntas Comerciais nem sempre é fácil. Entre os principais desafios hoje estão a questão monetária e a falta de padronização entre os estados.

Para entender melhor como navegar no mundo da burocracia e encontrar boas pautas, o Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde convidou o jornalista Alexandre Aragão, jornalista freelancer com passagens pelo Jota, BuzzFeed, Folha e Veja, para compartilhar dicas de como encontrar e usar documentos nas reportagens. Aragão complementou o papo com uma apresentação disponibilizada neste link.

Assista ao webinar completo e leia aqui os principais destaques da conversa:

 

  • Prepare o bolso: apesar dos dados serem públicos, o acesso aos documentos costuma ser pago. No caso dos cartórios, onde ficam as matrículas de imóveis, sempre é necessário pagar (mesmo que pouco) para obter os documentos. Já nas Juntas Comerciais é possível encontrar um grande número de informações gratuitas, mas depende de cada estado.

 

  • O freelancer não vai gastar à toa: então a dica é pesquisar primeiro nas Juntas Comerciais e reunir o máximo de informações possível sem custo. Depois disso, a busca nos cartórios pode ser feita com mais foco, investindo apenas o necessário para a pauta. 

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  • O acesso é desigual e varia conforme a unidade federativa: as Juntas Comerciais são órgãos estaduais, então cada uma tem regras específicas sobre a disponibilização dos documentos online/presencial e o que tem acesso gratuito. É importante dominar como funciona na sua região de interesse. Os cartórios também têm regras diferentes, mas existe um site que centraliza as informações sobre os imóveis de quase todos os estados e facilita muito o trabalho do repórter. 

 

  • Comece pelo CPF ou CNPJ: algumas pesquisas de documentos exigem como informação mínima o número de identificação da pessoa física ou jurídica que você está investigando. Esse dado é fácil de encontrar, pois fica disponível em vários lugares, como documentos públicos assinados, diários oficiais, declarações de bens, por aí vai.  

 

  • SP disponibiliza de graça a base de cadastro do IPTU: uma dica de ouro para quem investiga pessoas ou empresas com imóveis na cidade de São Paulo é baixar as bases de dados do cadastro do IPTU no GeoSampa. Ali você consegue ver todos os imóveis registrados no município e quem está pagando o IPTU da propriedade. Os dados disponíveis são desde a década de 90 até agora. 

 

  • Como encontrar matrículas de imóveis na SAEC: primeiramente, você precisa do CPF ou CNPJ do foco de investigação. Se os documentos de interesse estiverem em São Paulo ou no Espírito Santo, a dica é usar a “pesquisa prévia”, que é mais barata e retorna informações de todos os cartórios do estado. Nas demais regiões essa opção ainda não está disponível, então é preciso usar a “pesquisa de bens”, que é mais cara e cobra por cada cartório analisado. Para diminuir o custo é possível pesquisar o local do imóvel investigado e filtrar os cartórios onde ele provavelmente está registrado.  

 

  • Se não tem online, vale ir presencialmente: às vezes as matrículas dos imóveis encontradas online são incompletas, como nos casos de venda de imóvel com contrato assinado, os chamados contratos de gaveta. Então, vale procurar qual é o cartório onde o documento está registrado e, solicitando presencialmente, acessar mais detalhes, como o valor pago na compra e quando ele realmente passou de uma pessoa para a outra. 

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  • LAI não se aplica para obter gratuitamente: por mais que os documentos sejam públicos, os cartórios não são -- e são eles que produzem e armazenam esses documentos. Então, a Lei de Acesso à Informação (LAI) não é uma opção. Quando a pesquisa é sobre algum documento específico, uma saída para evitar gastos seria procurar processos administrativos em que ele possa estar anexado, e, por isso, disponibilizado gratuitamente.

 

  • Jucesp é um manancial de pautas: a Junta Comercial de São Paulo fornece documentos gratuitamente, desde contratos sociais a atas de assembleias. A principal barreira é saber navegar pelo site. Na investigação de empresas, a ficha cadastral completa é um documento básico que mostra as principais informações e o histórico dessa empresa. Mas o mais interessante é a cópia dos documentos digitalizados, que mostra a explicação das alterações de contratos. 

 

  • Encontrar vínculos dos sócios de empresas: a pesquisa avançada da Jucesp dá mais possibilidade de pescaria, ir navegando pelos documentos para tentar encontrar algo interessante. Ali, é possível pesquisar pelo nome e ver todas as empresas que a pessoa tem vínculo, por exemplo. Detalhe importante: existem pessoas homônimas, então confira sempre o CPF citado. A maioria das Juntas Comerciais oferecem serviços como o de São Paulo, o que pode variar é o nível de acesso e o custo. 

 

  • O mais importante é se organizar: a primeira coisa a ser feita em uma investigação é estruturar o seu pensamento e os dados disponíveis, para saber qual pauta você está procurando. Se você vai investigar documentos ou não, se vai achar as informações que procura ou se vai ter custo é algo secundário. O fundamental é estruturar os dados, colocar em uma planilha/documento, montar uma linha do tempo e organizar as ideias para enxergar mais fácil a história a ser contada.

Foto de Wesley Tingey no Unsplash