As iniciativas brasileiras que oferecem dados gratuitos para jornalistas

Автор Estelita Hass Carazzai
Nov 15, 2021 в Jornalismo de dados
Homem fazendo um gráfico

Para todo jornalista de dados, existe um desafio ainda maior do que lidar com milhares de linhas de informação e trabalhar com códigos complexos: achar bons (e consistentes) dados públicos. Num país como o Brasil, em que o acesso à informação ainda tem muitas barreiras, algumas iniciativas procuram ajudar jornalistas e pesquisadores a encontrar bases de dados limpas, tratadas e acessíveis, de forma gratuita. 

Uma das mais recentes é a Base dos Dados, fundada em outubro de 2020 e que já disponibiliza mais de 70 bases nacionais e internacionais tratadas e compiladas em seu website, num trabalho feito por programadores, pesquisadores e voluntários. 

Fácil acesso

A plataforma oferece, por exemplo, todo o histórico de bases como a RAIS, a PNAD Covid, o CAGED e os dados de eleições brasileiras do TSE. Mas o grande "pulo do gato" foi criar um datalake público, via Google BigQuery – um repositório de bases de dados acessíveis pela nuvem, que pode ser facilmente consultado. "É possível fazer consultas a milhões de linhas em poucos segundos e cruzar bases diferentes, sem exigir do usuário um super processador. Há um poder de democratização enorme", afirma Fernanda Scovino, co-fundadora e gestora de comunicação da Base dos Dados. 

Várias reportagens já foram publicadas com base no trabalho da Base dos Dados, como a do Estadão, sobre a falta de segunda dose em São Paulo e e a da piauí, sobre a desigualdade de gênero nas escolas.

O trabalho, que inclui também a compilação de bases de dados externas, é oferecido gratuitamente. Mais recentemente, a equipe lançou uma newsletter, além de tutoriais escritos e em vídeo, para ajudar quem está começando ou não tem domínio de programação. "O nosso objetivo é que a distância entre qualquer pessoa e o conhecimento seja uma pergunta", diz Scovino. 

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Pioneirismo

Outra iniciativa bastante conhecida é o Brasil.io, lançado em 2018 e que se notabilizou por oferecer a base de sócios de empresas brasileiras e, mais recentemente, os casos de COVID-19 por município no Brasil. Uma força-tarefa de 40 voluntários que compilam diariamente os boletins das secretarias estaduais de saúde, virou referência na imprensa nacional e internacional, sendo utilizada por veículos como O Globo, Folha de S.Paulo, The Economist e The New York Times, além de pesquisas científicas.

"A demanda foi impressionante", diz Álvaro Justen, o Turicas, fundador do Brasil.io. A iniciativa começou ainda no início da pandemia, em março de 2020. "Fomos os primeiros no país a disponibilizar, de maneira sistematizada e diária, dados sobre os casos e mortes de COVID por município. Nem mesmo o Ministério da Saúde fazia isso à época", diz Justen.

Também gratuito, o Brasil.io oferece ao público dez datasets, como gastos diretos do governo federal, salários de magistrados e filiação partidária (uma base que, inclusive, teve sua divulgação limitada recentemente). Todo o código para a captação e limpeza dos dados é aberto e pode ser replicado. 

Trabalho de advocacy

Uma terceira iniciativa que vale acompanhar é a Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso à informação e que realiza diversos pedidos de LAI (Lei de Acesso à Informação) a órgãos públicos, disponibilizando gratuitamente os dados obtidos.

Estão lá, por exemplo, registros de visitantes do Ministério da Saúde e outras pastas federais entre 2020 e 2021, número de operações contra garimpo ilegal no Brasil, o volume de operações via Pix por UF e município, entre outras bases, muitas com detalhamento estadual e municipal – todas obtidas pela LAI, com informações inéditas, que não haviam sido divulgadas de forma ativa pelos órgãos.

Fundada inicialmente por jornalistas, a Fiquem Sabendo já permitiu a publicação de reportagens com grande repercussão – como sobre a abertura inédita de gastos federais com pensionistas, ou a importação de cloroquina pelo governo federal.

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"O trabalho dos jornalistas acaba tendo um efeito dominó. Quando eles publicam reportagens obtidas por meio da LAI, começam a colocar a lei no vocabulário das pessoas", afirma Maria Vitória Ramos, co-fundadora e diretora da Fiquem Sabendo. "Queremos tornar a LAI um direito fundamental conhecido por todos, como é a liberdade de expressão."

Agora, a Fiquem Sabendo pretende expandir seu alcance para além dos jornalistas, passando pela área acadêmica, advogados e órgãos legislativos, com o objetivo final de chegar até o cidadão comum – ajudando, por exemplo, uma usuária do SUS a fazer um pedido de LAI para saber o tamanho da fila de procedimentos na sua cidade.

A organização também já apresentou ao Congresso projetos de lei com sugestões para melhorar a LAI e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). "O Brasil tem uma excelente legislação de acesso à informação e, no caso do Executivo Federal, uma ótima estrutura de atendimento", explica Ramos. "Mas, desde a LGPD, o governo criou um entendimento absolutamente equivocado e está usando a lei para negar muitos pedidos de acesso à informação".

Todas as três iniciativas estão nas redes sociais, por onde você pode acompanhar as novidades: Base dos Dados, Brasil.io e Fiquem Sabendo.


Foto: Campaign Creators no Unsplash