Notícias potencialmente positivas têm sido sombreadas pela necessária e intensa cobertura da pandemia de Covid-19. Uma das boas novas é a entrada em vigor do Acordo de Escazú. O tratado pode reduzir os alarmantes índices de violência e morte de defensores socioambientais na América Latina e Caribe. E mais: é capaz de ajudar o trabalho de jornalistas.
O Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e o Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e Caribe, ou apenas Acordo de Escazú, vigora desde abril deste ano. Foi ratificado por 12 países da região. É inspirado também em princípios da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio de Janeiro,1992).
Um acordo inédito
Escazú é o primeiro tratado desse tipo a ser construído e adotado em uma grande região do globo. Os países que ratificaram Escazú devem fortalecer concretamente os meios para garantir maiores participação, transparência e segurança de lideranças e de populações em questões que afetem suas vidas e a proteção da natureza. Ou seja, cada nação precisa adaptar suas legislações e reforçar as capacidades do Poder Público para cumprir o Acordo.
As medidas são extremamente necessárias para mudar o cenário da região mais violenta do planeta para quem protege direitos sociais e ambientais. Seis em cada dez assassinatos de ambientalistas registrados no mundo ocorrem na América Latina e no Caribe, apontam a ONG Global Witness e o esforço investigativo Terra de Resistentes.
Jornalistas também são vítimas regionais. Em 2020, quase metade (22) das mortes desses profissionais no mundo todo (59) ocorreu na América Latina e Caribe. Sobre os crimes, a diretora-geral da Unesco, Audrey Auzolay, disse que “nunca o jornalismo foi tão relevante para a democracia e à proteção dos direitos humanos”, sobretudo diante das crises sanitária, ecológica e da difusão de notícias falsas.
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Investigação sem riscos e acesso à informações
Com “informação” e “transparência” até na alcunha oficial, o Acordo de Escazú igualmente pode trazer mais segurança para jornalistas e outros trabalhadores das mídias que atuam em situações ou regiões de risco. Bem como azeitar o acesso a informações que governos e setor privado preferem manter debaixo do tapete.
O Acordo tem trechos que cabem como uma luva para melhorar o exercício do Jornalismo. Países que o internalizaram devem reforçar os meios para “coletar, manter e avaliar informação ambiental” e promover “novas tecnologias da informação e comunicação, tais como os dados abertos, nos diversos idiomas usados no país”.
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Já um dos principais articuladores de Escazú no Brasil, Rubens Born, pesquisador e colaborador para questões ambientais da Fundação Grupo Esquel, disse que “além da liberdade de expressão e de informação, os jornalistas contribuem para a transparência e a governança de políticas públicas e da gestão ambiental”.
Ou seja, podemos concluir que, quanto maior e melhor for a cobertura sobre Escazú pelos mais variados veículos de Comunicação, mais países serão incentivados a ratificá-lo e outros poderão melhorar sua execução. Um raro jogo de ganha-ganha que pode render notícias estratégicas em tempos tão cinzentos.
Nessa cobertura, vale questionar por que determinado país não ratificou o acordo e quais as forças e setores estão emperrando sua adoção. E no caso dos países que assinaram a participação efetiva, como está ocorrendo sua implantação. O Brasil, infelizmente, não incorporou o acordo. Ainda assim, Escazú já influencia até votos de ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento de questões ambientais.
Assim como outros acordos internacionais, Escazú é um novo instrumento de pressão pública e política para que a América Latina e o Caribe tenham um ambiente cada vez mais seguro para defensores de direitos ambientais e humanos. E o bom Jornalismo pode ter um papel estratégico na sua necessária disseminação.
Recorte do voto da ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber.
Foto: Pexels/Jacob Colvin.