Ao longo dos últimos anos, o debate sobre a desigualdade de riqueza ganhou impulso. O economista francês Thomas Piketty colocou a questão na mesa com um estudo sem precedentes sobre a riqueza e concentração de renda com o livro "O Capital no Século XXI". Nele, ele descreveu um cenário terrível: a acumulação de riqueza não está diminuindo e os governos precisam agir para tentar evitar que desigualdade cresça ainda mais. Apesar das críticas de diversos setores, Piketty conseguiu provocar um debate sobre um fenômeno global com consequências graves.
Sendo a região mais desigual do mundo, a América Latina precisa fazer parte desta discussão, que é muitas vezes difícil de entrar na agenda pública e no radar da mídia. Dois projetos jornalísticos recentes estão encontrando novas maneiras de falar sobre este problema, explicar um fenômeno complexo e dar sentido para os seus leitores de maneiras inovadoras e criativas.
No México, um grupo de 35 jornalistas se reuniu para contar as histórias das 12 pessoas mais pobres do país, que vivem nos estados mais pobres. "Los 12 mexicanos más pobres" (Os 12 mexicanos mais pobres)" coloca os holofotes no outro lado da desigualdade -- aquele onde revistas de negócios como Forbes não olham.
"O objetivo principal é fazer a desigualdade visível em um país com 55 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza", mas onde a desigualdade raramente vira manchete, Salvador Frausto , editor de mídia, disse à IJNet por e-mail.
As histórias, contadas por renomados jornalistas ibero-americanos, foram publicadas em um livro (que também está disponível em ebook), uma coprodução da coletiva de jornalistas Cuadernos Doble Raya, Ojos de Perro Contra la Impunidad e Oxfam.
Algumas histórias também foram publicadas online, juntamente com uma série de vídeos que permitem ver como os entrevistados vivem, longe do luxo de milionários: a maioria deles em áreas rurais onde trabalham a terra para se sustentar, com pouca assistência do Estado.
"Queríamos contar as histórias, sem viés, sem tratar os pobres como 'pobres', mas retratando os entrevistados do livro de forma abrangente", disse Frausto. "Descrevemos o barraco de uma pessoa desafortunada com a mesma serenidade como descreveríamos o escritório de um empresário."
Usando dados e estatísticas, narradas com uma prosa vívida e elegante, as histórias conseguem pintar um retrato convincente e humano da pobreza.
"Os pobres não são números: são pessoas que sorriem, sonham e desejam", disse ele. "Nós não devemos apenas focar nas dificuldades que vivem."
O projeto conseguiu provocar debate em torno da questão, disse Frausto. No dia do lançamento, a desigualdade tomou o centro do palco em mídias sociais, com #12MasPobresMx como tendência nacional.
Com o mesmo objetivo, mas uma abordagem diferente, o site peruano de notícias OjoPúblico criou uma "calculadora da desigualdade", um aplicativo interativo que ajuda a compreender a dimensão da desigualdade com mais facilidade, relacionando sua própria situação econômica ao das pessoas mais ricas do seu país.
A ideia é simples mas poderosa: digite o seu salário, e a calculadora virtual calcula quanto tempo você teria que trabalhar para alcançar a renda mensal de um multimilionário da América Latina (supondo que você não é rico, o que é altamente improvável se está trabalhando em jornalismo). Os resultados são chocantes e desanimadores: dependendo do salário, pode levar até 190 anos ou, em alguns dos melhores casos, apenas quatro. Estatísticas sobre a pobreza regional e desigualdade também estão incluídas para fornecer um panorama mais vasto, mas a parte mais impressionante é medir a sua própria riqueza em comparação ao muito rico. Este é o objetivo.
A questão da desigualdade é um tema que OjoPúblico visa abordar com sua cobertura regular, "colocando o foco sobre o poder corporativo e a evasão fiscal e os lobbies que estão por trás da obstrução às reformas que procuram mudar essa situação", explicou a editora do OjoPúblico, Nelly Luna Amancio. Com esta calculadora, "buscamos colocar a questão da desigualdade na agenda pública e, mais importante, mover o leitor", ela acrescentou.
Mais de um milhão de pessoas usaram a calculadora e milhares compartilharam o site na mídia social, segundo Luna.
"Nós começamos um debate sobre as enormes diferenças de renda. Muitas pessoas perceberam (pela primeira vez) como são baixo os rendimentos de alguns grupos em seus países", disse Luna, contando que o site foi criado com o apoio da Oxfam, que está promovendo uma campanha sobre a desigualdade na região.
O projeto é baseado nos dados da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Nações Unidas. Algoritmos foram utilizados para converter esses dados em informação relativa que alimenta o aplicativo, encontrando uma maneira de contar a história da desigualdade latino-americana de uma maneira nova e divertida. E os usuários responderam.
Imagem principal sob licença CC no Flickr via Matt Borden. Imagem secundária cortesia do OjoPúblico