Superando os desafios de usar um intérprete em entrevistas

por Clothilde Goujard
Oct 30, 2018 em Jornalismo básico

Mesmo os correspondentes estrangeiros mais qualificados não conhecem todas as línguas e dialetos dos países e regiões onde reportam. Às vezes, eles precisam da ajuda de um intérprete para fazer uma entrevista.

No entanto, essas entrevistas podem ser complicadas, especialmente para jornalistas novos.

A IJNet perguntou a correspondentes estrangeiros experientes sobre conselhos e experiências pessoais no uso de intérpretes: 

Esteja ciente da relação entre a fonte e o intérprete

"A questão mais preocupante que eu tive com intérpretes", diz Didem Tali, uma correspondente estrangeira especializada em desenvolvimento internacional e questões de gênero, "é que a esmagadora maioria dos tradutores no 'sul global' tendem a ser homens. Quando você está cobrindo violência sexual, casamento infantil e questões de mulheres sírias, fica um pouco desconfortável ter a presença de um tradutor do sexo masculino.

Tali, que trabalha para meios de comunicação como Al Jazeera, Vice e a Fundação Thomson Reuters, geralmente tenta encontrar um tradutor da comunidade de sua fonte ou confia no boca-a-boca. Ao lidar com histórias complicadas e traumáticas, ela sempre informa ao seu intérprete para que ele esteja ciente da natureza sensível dos temas que serão abordados.

Ao longo da entrevista, ela presta muita atenção à linguagem corporal entre a fonte e o intérprete para ter uma ideia se a fonte se sente desconfortável ou se a tensão está subindo.

Use o seu intérprete para estabelecer uma conexão com sua fonte

Com um intermediário presente, pode ser mais difícil formar relações de confiança com as fontes.

Guillaume Lavallée, ex-correspondente da Agence France-Presse na África e no Oriente Médio e agora professor de jornalismo na Universidade de Quebec em Montreal, acredita que os intérpretes podem realmente ser uma ponte cultural entre fontes e jornalistas.

"Há países onde o intérprete também vai estabelecer um clima de confiança porque a fonte vai saber que essa pessoa fala a sua língua e vem do mesmo país", diz ele.

Matthew Shaer, um correspondente estrangeiro freelance para organizações como o New York Times Magazine, Smithsonian Magazine e The Atlantic, recomenda permitir tempo suficiente para ter uma conversa amigável, um cigarro ou café para deixar a pessoa relaxada.

Tali acredita em bondade, fazer pequenos elogios e ter boas maneiras.

Se você tiver tempo, verifique novamente a tradução

Tradutores às vezes omitem nuances em sua tradução por muitas razões. Pode ser porque eles tentam resumir a resposta da fonte, porque a fonte falou por um longo período de tempo ou simplesmente porque acreditam que estão ajudando a tornar seu trabalho mais fácil.

Lavallée também viu intérpretes que disseram o seu ponto de vista e não o da fonte.

"[O intérprete] lhe dirá o que ele pensa e dirá 'sim, sim, todo mundo pensa assim aqui', e então você perguntará a ele se a [fonte disse isso] e ele responderá 'na verdade não, mas todo mundo aqui pensa assim."

Shaer às vezes tem a sensação de que está recebendo a voz do intérprete, não a da fonte.

Para se certificar de ter as traduções mais exatas ao trabalhar no exterior, Lavallée verificava as transcrições quando tinha o tempo. Ele também gravava a entrevista e enviava a uma segunda pessoa para traduzi-la palavra por palavra ou sentava com seu intérprete após a entrevista, repassando a gravação para obter suas nuances e detalhes.

Mas quando não têm tempo, os jornalistas muitas vezes têm que confiar que seu intérprete está fazendo um bom trabalho. Conhecer os conceitos básicos da língua em que a entrevista é feita pode ajudar a detectar trechos que foram deixados de fora da tradução.

Para Tali, não há solução milagrosa. Ela gosta de pressionar repetidamente o seu intérprete para dizer mais quando sente que algo está faltando, mas principalmente "você precisa confiar nos seus instintos sobre se o tradutor está sendo preciso na tradução."

Esteja preparado para um processo de entrevista mais árduo do que o normal

"O maior problema é a desaceleração", diz Shaer. "Com a tradução, você introduz esse atraso que torna a conexão com o entrevistado mais difícil [...] porque você não está se comunicando tão rapidamente, não está se comunicando tão de perto."

A falta de espontaneidade durante uma entrevista com um intérprete pode ser um obstáculo para capturar a voz da fonte. Shaer muitas vezes acha que fontes acabam falando em "blocos estranhos de texto que não são consistentes com o discurso médio."

Lavallée também teve intérpretes que interrompiam a fonte para começar a traduzir, às vezes cortando sua linha de pensamento.

O oposto também pode acontecer onde as fontes começam a perder o fio da conversa. Lavallée recomenda reformular a pergunta e voltar ao assunto, permanecendo aberto a deixar a conversa se desenrolar tão naturalmente quanto possível.

O aumento do acesso à internet permite uma comunicação melhor

Manter contato com as fontes ficou mais fácil graças ao aumento do acesso à internet, especialmente em comparação com o tempo em que as pessoas só podiam trocar números de telefone, que às vezes são internacionais e custam caro, de acordo com Lavallée. Alguns jornalistas agora adicionam suas fontes no Facebook e "trocam" curtidas de fotos.

Tali usa sua ferramenta favorita: Google Translate.

"Talvez seja um clichê e na verdade algumas frases podem parecer desajeitadas, mas geralmente transmitem o ponto principal", diz ela.

Shaer descobriu que muitas pessoas no mundo podem escrever um pouco de inglês, mesmo que seja apenas algumas palavras.

Apps como Signal, WhatsApp e Facebook também facilitaram as coisas.

"Eu quase nunca encontrei uma fonte que pelo menos não tivesse acesso ao Facebook", diz Shaer.

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Imagem principal sob licença CC no Flickr via Robert Thivierge