A pandemia de Covid-19 abriu um espaço para o jornalismo científico que antes não existia de forma tão significativa, tanto para o entendimento do público leigo, que desconhecia este tema, quanto para muitos jornalistas que não se dedicavam à cobertura da ciência.
Essa mudança também chamou a atenção de novas áreas de mercado, como as coberturas de congressos, onde a atuação mais frequente sempre foi de jornalistas especializados, que trabalham em revistas científicas.
Ao mesmo tempo, começaram a surgir oportunidades nesta área através da cobertura remota, o que antes só acontecia de forma presencial. As versões online, durante a pandemia, possibilitaram um acompanhamento da imprensa de um maior número de eventos, mas novos desafios apareceram.
Evite interpretações equivocadas
A cobertura de congressos médicos nunca recebeu a atenção necessária nem da imprensa nem das entidades médicas brasileiras, até a pandemia. Pelo desconhecimento do trabalho do jornalismo científico, os profissionais de saúde mostram preocupação por um lado, mas entendem a importância da divulgação destes debates fechados, que precisam de uma interpretação adequada para o público.
A médica Maria Edna de Melo, membro da diretoria da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), acredita que a cobertura jornalística dos congressos é importante porque vai levar até a população o que está sendo discutido em um grupo restrito. “Em tempos de obscurantismo, levar a difusão do conhecimento é fundamental. Mas o jornalista precisa entender certas questões", explica Melo. "A peculiaridade das discussões científicas podem não ser exatamente o que está sendo debatido internamente”. A endocrinologista destaca que os debates médicos são sempre feitos dentro de um contexto complexo de discussão científica e o recorte de apenas um ponto pode gerar interpretações equivocadas do público.
Em um assunto como a obesidade, por exemplo, que tem tantas polêmicas e informações inverídicas na internet, ela acredita que é preciso o esclarecimento dos temas com os pesquisadores. “Assuntos complexos, como a obesidade e outras doenças crônicas, já tem percepções pré-estabelecidas. Às vezes, existe dificuldade para incluir novos conhecimentos, correndo o risco de disseminar determinados achados de forma equivocada”.
A especialista reforça ainda o cuidado nas escolhas dos congressos a serem divulgados pela imprensa. “Quem são os palestrantes, a que universidades os congressos estão vinculados, onde a pesquisa divulgada foi feita e qual a sociedade médica envolvida são questões que os jornalistas devem ficar atentos”, explica Melo.
A forma de lidar com a cobertura de congressos médicos precisa de parâmetros de acordo com as particularidades de cada país. A Rede Comciência (Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência) está preparando um Manual específico para o Brasil, onde serão incluídas as orientações sobre os procedimentos para solicitação de credenciamento e coberturas de atividades médicas no país.
Como fazer a cobertura
- Alguns congressos liberam a entrada dos jornalistas às salas de conferências (área específica dos médicos) já em outros a imprensa fica restrita a espaços pré-definidos pelos organizadores e salas de imprensa.
- Nas palestras, em geral, os tópicos que precisam de mais atenção estão no final da apresentação, ou seja, nas ‘conclusões’. É o oposto à pirâmide invertida. O lead fica no final.
- O jornalista não pode fazer perguntas durante as palestras da programação científica dos eventos, a não ser em atividades organizadas para os jornalistas.
- Eventos internacionais divulgam press release para credenciados, onde estão resultados de pesquisas, com embargo de divulgação de dados. Em geral, os temas escolhidos misturam interesses das entidades e/ou de impacto na saúde da população. É preciso atenção para filtrar estas informações.
- Os abstracts e pôsteres geralmente apresentam dados e resultados relevantes, mas devem ser observados patrocinadores envolvidos, instituições responsáveis, números de pacientes participantes e período de realização da pesquisa.
Algumas dicas
- Fazer a solicitação de credenciamento com antecedência, principalmente eventos internacionais;
- Analisar as entidades envolvidas na organização;
- Entrar em contato com médicos para confirmar determinadas informações de pesquisas divulgadas que estão em andamento;
- Saber sobre autorização de divulgação de imagens apresentadas nas palestras nas redes sociais;
- Encontrar a melhor forma de traduzir a linguagem médica para que o público entenda o assunto em questão. Ou seja, jamais publicar algo em que as dúvidas não tenham sido esclarecidas.
Foto: arquivo Cristina Dissat