Um relatório, lançado por um órgão do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU), recomenda uma maior colaboração entre países do hemisfério sul e aponta estruturas de governança inadequadas como impedimentos em comum para o bom desempenho do jornalismo investigativo na região.
Intitulado Jornalismo Investigativo: Questões para um Debate Sul-Sul, o documento foi publicado recentemente pelo site Mercado Ético e o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do PNUD em parceria com o governo brasileiro. O relatório foi baseado no Seminário Internacional sobre Jornalismo Investigativo: Um Diálogo Sul-Sul, que reuniu jornalistas, especialistas, acadêmicos, formadores de opinião e representantes das Nações Unidas e sociedade civil da África do Sul, Brasil, Índia, México, Suíça e Qatar.
Segundo o documento, quando não há coordenação adequada entre os poderes judiciário, executivo e legislativo, o jornalismo é ameaçado. Mais ainda, o governo de muitos países é incapaz de garantir a base jurídica necessária para proteger jornalistas.
Neste vácuo governamental, predominam as diferentes censuras --política, financeira, econômica e geográfica-- que somadas a corrupção e pressão do mercado limitam o jornalismo de qualidade na região.
Um exemplo de censura indireta é o caso da jornalista Sanjuana Martinez, que escreveu três livros sobre pedofilia na Igreja Católica mexicana. Martinez sofreu ameaças, perdeu o emprego e ficou anos sem conseguir publicar sua história por causa das pressões locais da Igreja. “Quando fiz a primeira série de entrevistas, não tive problemas, mas depois, quando tentei dar continuidade à história, não consegui mais nada”, ela relatou no documento.
Frequentemente, a questão financeira é o entrave principal: “Jornalismo investigativo é caro, demorado e muitas vezes não gera algo para ser publicado”, disse Maurício Hashizume, da organização Repórter Brasil, que cobre o trabalho escravo no país.
Quando a pressão de fazer dinheiro prevalece, a democracia sofre, declarou Abderrahim Foukara, chefe do canal árabe Al Jazeera nos Estados Unidos. “Estamos sob tanta pressão para ‘alimentar as feras’ 24 horas por dia que perdemos as ferramentas necessárias para refletir sobre o que reportamos e as consequências disso”. Um caso lembrado por Foukara foi a invasão do Iraque por causa de armas de destruição em massa que na verdade não existiam. Segundo ele, a mídia não questionou essa ideia e legitimou a invasão. “Vemos mais geração de dinheiro do que produção de informação para o cidadão”.
De volta a reportagem sobre pedofilia na Igreja Católica, Martinez contou que um cardeal que violentou mais de 100 crianças no México e nos Estados Unidos mudou de país quando foi acusado. Para ela, seria fundamental que a investigação jornalística tivesse continuidade no outro país.
De acordo com o relatório, a cooperação internacional para o jornalismo investigativo precisa estar na agenda de trabalho dos jornalistas e diferentes profissionais da área.
“O intercâmbio Sul-Sul tem que ir além dos mercados. Temos um fluxo intenso dos negócios e pouco fluxo das experiências da sociedade civil e da imprensa. É preciso acompanhar o ritmo dessas relações”, acrescentou Hashizume, argumentando que os obstáculos poderiam ser mais facilmente superados com parcerias internacionais estratégicas e também com o apoio financeiro e logístico dos organismos multilaterais.
Os obstáculos ao jornalismo investigativo também atrapalham o crescimento econômico, tão importante para o hemisfério sul. “Há uma clara ligação entre jornalismo e democracia, e também entre jornalismo e desenvolvimento”, afirmou Patrice Schneider do Media Development Loan Fund, com base em um estudo do Banco Mundial.
Para ler o documento em PDF (em inglês ou português), clique aqui.