Perspectivas sobre os ataques contra a liberdade de imprensa no México

por Monica Bentivegna
Oct 30, 2018 em Segurança Digital e Física

Por quererem relatar a verdade sobre os fatos, os jornalistas mexicanos enfrentam ameaças, autocensura, autoexílio e em alguns casos até mesmo a morte.

É o que afirma a organização francesa Repórteres sem Fronteiras que apresentou um informe sobre a impunidade, a segurança pública e burocracia mexicana no dia 28 de setembro em Washington, D.C., com a presença de Emilio Gutiérrez Soto, jornalista exiliado nos Estados Unidos e Jorge Luis Sierra, jornalista investigativo. Ambos compartilham a experiência de realizar seu trabalho em zonas fronteiriças.

A IJNet conversou com os dois jornalistas, que ofereceram suas próprias perspectivas da realidade que envolve a imprensa mexicana, sobre o informe dos Repórteres sem Fronteiras que revelou que autoridades mexicanas também são cúmplices dos ataques a jornalistas no México.

Antes de exiliar-se, Gutiérrez Soto trabalhava na região noroeste de Chihuahua nos municípios de Janos e Ascensión que, junto com Puerto Palomas, são considerados violentos, porque dividem centenas de kilômetros de fronteira com os Estados Unidos.

São zonas suscetíveis de grupos criminosos, disse Gutiérrez, e por essa razão, os assuntos devem ser tratados com “pinças cirúrgicas”. “Trabalhava em uma área geográfica onde a autoridade fecha os olhos para não ver, onde um crime acontece e ninguém sabe nada ou sabe tudo, mas não fala”, contou Gutiérrez.

Seus trabalhos de investigação publicados no jornal El Diario provocaram ameaças por parte de militares por denunciar casos que envolviam as autoridades federais. Seus artigos de denúncia sobre a exploração do lençol freático ou a construção de um resíduo tóxico de despejo, onde o lixo é altamente poluente , gerou  ameaças e violações de sua propriedade a tal ponto que teve de emigrar para os Estados Unidos.

Segundo o Repórteres sem Fronteiras, o estado de Chihuahua simboliza uma violência incontrolável nascida a partir da guerra entre os cartéis e a resposta militar em todos os níveis das autoridades federais. Os jornalistas que não cedem à autocensura muitas vezes pagam com suas vidas, como ocorreu em setembro com Norberto Miranda Madrid e Jaime Omar Gándara, também do estado de Chihuahua. Com suas mortes o número de jornalistas assassinados chegou a 55 desde o ano 2000.

Gutiérrez Soto explicou que esta situação de medo que existe entre os repórteres e o compromisso de seus dirigentes com o atual governo estão afetando a profissão e os jornalistas no México. “Se não há publicidade, não há tiragem ou não há transmissões...Estamos ficando desprotegidos e as alternativas não são muitas, além de se exiliar”, disse.

Ele “parou de viver” quando começou a receber ameaças em 2005. “Tinha que vigiar a casa de noite, dormir aos poucos de dia, ir ao trabalho sob uma forte pressão social e estatal; tinha que cuidar da retaguarda ao dirigir. Por isso quando detectei a vigilância ‘discreta’ de soldados vestidos de civil na frente da minha casa e do meu escritório, e aí fiquei sabendo que haviam combinado minha morte, dois minutos foi demais para determinar que eu devia  abandonar o México”, Gutiérrez Soto relatou.

Jorge Luis Sierra, jornalista investigativo que trabalha na fronteira do México e Estados Unidos, não acredita que todos os veículos de comunicação no México respondam aos interesses de setores do governo federal ou de quem compra a publicidade, porém admite que a imprensa está em perigo por causa da guerra contra o tráfico de drogas e os cartéis e duvida que o México sozinho possa resolver este problema.

“A nós jornalistas mexicanos o que nos resta é trabalhar e ser profissional nas reportagens. Eu vejo que há esperança para a profissão, apesar dos tempos difíceis em que se encontra. Há jornalistas mexicanos que continuam a trabalhar nos ‘lugares de ação", onde o tráfico de drogas é latente e alguns desses jornalistas são os melhores do mundo”, Sierra disse.

O Repórteres sem Fronteiras insiste que o problema mexicano concerne aos dois países, México e Estados Unidos, e reclama pela passividade, a negligência ou a neutralização mútua das instituições mexicanas dedicadas à defesa da liberdade de imprensa em todos os níveis do poder (executivo, parlamentar e judicial). “As autoridades também se converteram em cúmplices, e até responsáveis de graves violações dos direitos humanos. A amplitude do drama vem não somente da infiltração do crime organizado em algumas instituições do poder, mas também na escalada da segurança pública alimentada pela ofensiva militar contra os cartéis da droga, que foi lançada em dezembro de 2006”, afirmou a organização.

Lamentavelmente os casos de ameaças e ataques a jornalistas em sua maioria não aparecem na mesma imprensa e só se sabe sobre eles através das estatísticas. Gutiérrez Soto reclamou que a mídia mexicana não seguiu seu caso, com exceção do jornal El Diario onde trabalhava.

“Tentei disseminar minhas opiniões em outros veículos de nível nacional, e a princípio nos levaram em conta mas depois foram vetados. Apenas uns dias atrás a Televisa veio a conhecer o meu caso, mas depois disso nenhuma outra mídia”, reclamou.

Gutiérrez Soto agora vive no exílio nos Estados Unidos e espera que o país lhe conceda asilo e papéis. Sierra continua suas reportagens investigativas da fronteira dos dois países.

Por sua parte, o Repórteres sem Fronteiras pede uma restructuração do sistema judicial mexicano e importantes modificações legislativas em relação à imprensa. Contudo, a organização continua convencida de que nenhuma solução para a tragédia mexicana é viável sem a contrapartida dos Estados Unidos.

Para saber mais sobre o trabalho dos Repórteres sem Fronteiras, acesse aqui (em espanhol). Para ler o informe clique em RSF (em espanhol).