Para ter sucesso como empreendedor, não tenha medo de usar estas palavras feias

por James Breiner
Oct 30, 2018 em Sustentabilidade da mídia
Não tenha medo de usar estas palavras feias

Jornalistas hoje têm a oportunidade de criar o futuro da indústria. Mas, para isso, temos que mudar algumas das nossas crenças e atitudes antigas. Temos que criar novos modelos de negócios e aprender a dizer algumas palavras sem nos envergonhar.

Devido à natureza da nossa profissão, temos problemas no novo mundo do jornalismo empreendedor, onde podemos começar e comandar nossas próprias operações de notícias. Se quisermos trabalhar por conta própria, temos que reconhecer pela primeira vez que o jornalismo é um negócio e que alguém tem que pagar as contas. Tudo isso implica dizer a primeira palavra feia: dinheiro.

1. Dinheiro. A própria palavra nos faz estremecer porque a associamos a coisas feias como tráfico de influências, lobistas, suborno, corrupção e outros tópicos de nosso jornalismo investigativo.

Mas dinheiro é o combustível que impulsiona qualquer organização de jornalismo. Sem dinheiro, jornalistas não podem receber um salário decente. Não podem comprar uma casa, roupas, comida, remédios. Sem salários para pessoas talentosas e experientes, não há jornalismo de alta qualidade.

Eu gosto da opinião do excelente jornalista empreendedor Ignacio Escolar, fundador do site de notícias investigativas espanhol eldiario.es. Em apenas seis anos, esse site independente alcançou grande impacto com suas revelações de corrupção nos níveis mais altos do governo, do setor financeiro e até o ensino superior.

Escolar diz que o jornalismo não é um negócio, mas sim um serviço público; ainda assim, é um serviço público que precisa ser lucrativo. Sua publicação cresceu gerando US$5 milhões em receitas anuais e conta com uma equipe de redação de 66 jornalistas, resultado de uma boa gestão (os resultados, com gráficos, em espanhol).

Isso nos leva à nossa próxima palavra feia...

2. Negócio. Jornalismo é um negócio. Sim, é um serviço público e também é um negócio. Se não fosse um negócio, jornalistas não poderiam cobrar um  pagamento. Agora que os jornalistas estão lançando startups, estão despertando para o fato de que precisam adquirir algumas habilidades básicas de negócios se quiserem sobreviver e prosperar. Faculdades de jornalismo estão oferecendo mais cursos sobre como iniciar e gerenciar uma startup. Existem também muitos cursos online.

Mas nenhuma startup sobreviverá sem ter pessoas qualificadas em tecnologia e negócios, além de jornalismo.

Recomendação: Comece seu próprio negócio de notícias, faça online a baixo custo e crie algo que sirva à sua comunidade.

3. Marketing. Essa é a disciplina de identificar necessidades e problemas de uma comunidade, criar um produto para servir a comunidade e comunicar mensagens convincentes sobre o produto para essa comunidade. O marketing nos ajuda a alcançar e servir mais pessoas e a atendê-las melhor.

Cuidado: não estamos falando de uma "audiência", que é apenas uma coleção de pares de olhos, mas uma comunidade que compartilha valores, interesses, aspirações, instituições, paixões e muitas vezes sua localização.

Nos últimos 50 anos, nós, jornalistas, vivemos em uma bolha, isolados dos leitores por uma muralha da China entre a redação e o lado comercial. Nós realmente não sabíamos ao certo quem estava lendo nossos artigos ou por quê. Nós não precisávamos saber. Jornais, rádio e TV tinham um monopólio e eram extremamente lucrativos.

Alguns de nós assumiram que o público tinha uma responsabilidade cívica de ler nossas matérias, e demos muito pouca atenção para tornar nosso trabalho legível e relevante para a vida cotidiana da comunidade. Muitas vezes escrevemos para impressionar uns aos outros, nossos concorrentes ou o pequeno mundo de nossas fontes.

Mas hoje, com tanta concorrência, ninguém está prestando atenção às nossas colunas chatas sobre política partidária. O público abandonou a mídia que não oferece notícias relevantes para o dia a dia.

Hoje em dia, os jornalistas e a equipe de marketing de uma publicação têm que compartilhar ideias sobre como tornar o conteúdo relevante para a comunidade a quem servem e como usar os canais preferidos da comunidade para interagir com eles.

Ferramentas como o Google Analytics oferecem uma base estatística para conhecer melhor a comunidade. Você precisa identificar os usuários fiéis, os mais propensos a pagar por produtos e serviços, e medir a fidelidade pela frequência com que os usuários visitam seu site, quanto tempo eles gastam, quais conteúdos preferem, onde moram, que canais usam para acessar o site e mais. Essas métricas de lealdade e engajamento são mais importantes do que o total de usuários e visualizações de página.

Essa palavra feia "marketing" significa ouvir a comunidade, entender suas necessidades e aspirações, tratá-las com respeito e encontrar maneiras de atendê-las. O que nos leva à próxima palavra feia...

4. Cliente (leitor, usuário, visualizador, ouvinte). Não gostamos de pensar em nossos leitores e usuários como "clientes", mas é isso que eles são. Eles são as pessoas que supostamente se beneficiam de consumir nosso produto. Eles são os clientes mais importantes da organização, mais importantes que qualquer anunciante ou patrocinador. Algumas organizações de notícias preferem chamá-las de "parceiros", "membros", "amigos" ou algum outro termo que sugira um relacionamento mais profundo do que uma transação econômica.

Nossos clientes usam as informações da publicação para tomar decisões informadas sobre as questões mais importantes em seu cotidiano em saúde, educação, entretenimento, moradia, meio ambiente, pequenas empresas, tecnologia, jogos de computador e um número infinito de possibilidades em publicações de nicho.

Nós tendemos a pensar em nossos usuários de forma abstrata, mas agora, com a ascensão das redes sociais, temos ferramentas para interagir com o público e descobrir o que é realmente importante para eles. Podemos aproveitar seu conhecimento para melhorar nossos artigos e nos conectar com eles. Essa conexão é a base de um bom relacionamento com o cliente.

Recomendação: interaja com sua comunidade e converse com ela nos lugares de sua preferência, que pode ser nas redes sociais.

5. Anunciante, patrocinador. Estas são as pessoas que compram publicidade ou patrocínios da empresa de notícias. Os melhores clientes são aqueles que entendem as regras do jogo, ou seja, que comprar um patrocínio ou um anúncio não lhes dá voz no produto editorial.

Para evitar conflitos, meu conselho é expor os princípios éticos da publicação no contrato do cliente. Talvez algo assim: "Como o valor de nossos produtos para leitores e patrocinadores depende de nossa credibilidade, não permitiremos que nenhum cliente comprometa essa credibilidade ao exercer uma influência indevida sobre o produto editorial."

Ao mesmo tempo, uma organização de notícias terá que ser mais transparente do que no passado e ser mais aberta com o público sobre os processos editoriais e como as decisões editoriais são tomadas. Isso aumenta a credibilidade, que é o bem econômico mais importante da publicação.

Passando para a próxima palavra feia...

6. Lucros. Para os jornalistas, se há uma palavra considerada "obscena", essa palavra é "lucro", como "lucros obscenos". Mas mesmo as organizações de notícias sem fins lucrativos precisam absorver mais do que gastar. Se você não está gerando receita suficiente, não pode pagar salários, hospedagem na web, serviços, transporte ou aluguel, e não pode comprar bons computadores, software e telefones para sua equipe.

Os jornalistas empreendedores precisam aprender a disciplina de controlar os custos para produzir lucros, porque esses lucros podem ser usados ​​para melhorar o produto. Os lucros não são obscenos quando são justos e obtidos de maneira honesta.

Recomendação: Aprenda um pouco de contabilidade básica e fundamentos do fluxo de caixa. 

O que nos leva  talvez à palavra mais feia para os jornalistas...

7. Monetizar. Nós temos calafrios quando ouvimos essa palavra. Soa tão mal quando associada aos nossos produtos criados eticamente... Mas o que isso realmente significa é captar o valor de nossa credibilidade, da confiança que nossa comunidade tem em nosso trabalho, da relevância de nosso trabalho, do serviço público que prestamos.

Não há nada feio nisso.

Bom jornalismo é bom negócio

Se você começar seu próprio negócio de notícias, terá que dizer "não" a um patrocinador/anunciante.

Quando eu era editor do Business First de Columbus, nosso jornal fez uma reportagem investigativa sobre as manipulações de um banco nos bastidores para fazer com que o estado assumisse um projeto fracassado. As matérias acabaram com o negócio e fizeram com que o banco, nosso maior anunciante, cancelasse seu contrato.

A reação da minha chefe, a editora Carole Williams, ao contrato cancelado me deu ânimo para viver. A receita perdida nos prejudicaria a curto prazo, disse ela, mas não resultaria em cortes no jornal. Nós tínhamos outros anunciantes. Reportagens investigativas fortaleceram nossa credibilidade e fizeram com que os anunciantes quisessem se associar a nós, disse ela. Em outras palavras, o bom jornalismo era um bom negócio. Por sua vez, a lucratividade salvaguardou nossa independência editorial.

Neste momento, o bom jornalismo nem sempre é um bom negócio porque a profissão e a indústria (elas parecem menos relacionadas nos dias de hoje) estão lutando para se redefinirem. No entanto, estou confiante de que jornalistas podem adicionar algumas novas palavras ao seu vocabulário e não se sentirem apreensivos ao usá-las. Os jornalistas empreendedores que aprendem a fazer negócios com notícias e informações serão os que redefinirão a profissão e o setor. E não será uma vergonha conseguir um lucro.

Versão em espanhol

Este artigo foi publicado originalmente no News Entrepreneurs de James Breiner e é reproduzido na IJNet com permisssão. James Breiner é ex-bolsista Knight do ICFJ, tendo lançado e dirigido o Centro para o Jornalismo Digital na Universidade de Guadalajara. Visite seus sites News Entrepreneurs e Periodismo Emprendedor en Iberoamérica.

Imagem sob licença CC no Pixabay via Adobe Stock