O impacto da desinformação na democracia brasileira

Oct 14, 2022 em Combate à desinformação
Mãos para cima

A democracia está em risco no Brasil? E qual o papel da desinformação neste processo? A IJNet estreou, dia 12 de outubro, uma série de lives no Instagram com a intenção de discutir os desafios dos jornalistas brasileiros neste ano eleitoral. A primeira convidada foi a jornalista Cristina Tardáguila, diretora do ICFJ e fundadora da primeira agência de fact-checking do Brasil, a Lupa. A mediação foi da editora do IJNET em Português, Fabiana Santos

O vídeo da Live você pode ver aqui:

 

Tardáguila começou deixando claro que a democracia brasileira está em cheque e que há um enfrentamento enorme contra as instituições responsáveis pelo processo eleitoral. Com isso, o papel do jornalismo ganha ainda mais importância e os profissionais: mais ataques.

Como noticiar sobre desinformação

Para a jornalista é preciso ter cuidado na hora de noticiar sobre desinformação. “Nem toda mentira e nem toda desinformação é notícia. Antes de pautar uma fake news, precisamos saber o tamanho daquele problema, se não estamos só amplificando”, diz. Ao contrário do jornalismo tradicional, que procura dar a informação rapidamente, na checagem de fatos, segundo Tardáguila, acerta quem tem certeza que está abordando uma desinformação em crescimento. 

O formato do jornalismo também merece atenção. “É preciso ter muito cuidado com os títulos e com aspas declaratórias”, aponta. No sentido de que os detalhes podem acabar endossando a mentira ao invés de esclarecer a falsidade. Ela lembrou ainda um caso emblemático envolvendo uma imagem dentro de uma reportagem sobre o criador do Facebook, Mark Zuckerberg. “Devido àquela foto, o mundo inteiro acreditou que a assistente era a esposa dele, então, esse erro factual gerou novas notícias falsas a partir de uma informação errada”, comenta. 

Falsidades absurdas e desinformadores eleitos

Tardáguila aponta diferenças quanto a desinformação do primeiro para o segundo turno. “No primeiro turno, a teoria da conspiração da fraude da urna eleitoral permeou a campanha, mas não opunha os dois candidatos. Agora, entramos na disputa direta, com uma avalanche de falsidades absurdas dos dois lados”, diz. Ela lembra que a desinformação não é exclusividade de um partido. 

Outro fato que incomoda a jornalista foi a quantidade de desinformadores e negacionistas que acabaram sendo eleitos para cargos públicos. O que a fez repensar o papel do checador. “Checamos várias vezes, por exemplo, um político que disseminava informação falsa durante a pandemia e ele acabou sendo eleito, será que não acabamos dando palco para ele?”, questiona. Ela ainda não vê uma resposta exata do que fazer de diferente, mas afirma que é importante tornar o debate sobre desinformação cada vez mais público. 

Um dos fatores que ajudou a impulsionar a desinformação ao longo dos anos foi o crescimento de diferentes redes sociais. A jornalista conta que, quando começou a fazer as checagens em 2014, o campo era limitado ao horário eleitoral, debates, sites oficiais dos candidatos e às suas redes. “Era possível fazer um acompanhamento mais de perto. Com o tempo, foram entrando mais redes. Em 2018, tem o boom do WhatsApp, 2020 teve o Youtube e agora em 2022 tem mais Tik Tok, o Kwai…Então cresceu o espaço ‘geográfico’ dessa briga”, diz. 

Para ela, nos últimos anos, o tratamento dos políticos em relação ao checador e à imprensa mudou para pior. Ela diz que em eleições anteriores as de 2018 até acontecia de candidatos agradecerem quando eram corrigidos por uma checagem. “Atualmente eu conto nos dedos quando alguém nos responde. De modo geral, há um mau trato", afirma. 

Negacionismo nas plataformas digitais

O período da pandemia da Covid-19 foi impregnado de catástrofes e a desinformação também teve o seu papel. “De toda a história do Brasil, o período de pandemia foi o que mais produziu desinformação e a mais perigosa”, diz. Para Tardáguila, trata-se de um movimento mundial, principalmente o de antivacina, e que também ganhou fôlego no país.  

O negacionismo se prolifera nas grandes plataformas digitais e muito deste conteúdo não é derrubado pelas políticas das empresas. Segundo a jornalista, o debate é delicado e precisa ir além da discussão do conteúdo. “O algoritmo privilegia o ódio, o atrito, a disputa, a contradição e faz com que o usuário fique mais tempo na rede, porque desse modo, a página é mais monetizada, então, acho que é uma conversa econômica, e não uma conversa jornalística”, acredita. Recentemente, o radialista Alex Jones foi sentenciado a pagar uma grande indenização pela proliferação de fake news nos Estados Unidos.

Tardáguila lembra que o Youtube, por exemplo, alega que apenas 1% do seu conteúdo é falso. O que parece pouco mas não é. De acordo com a análise da jornalista neste artigo, este percentual representa duas milhões e 600 mil horas de conteúdo.

Para lidar com alguém compartilhando notícia falsa, a jornalista dá um conselho simples. “Qualquer tentativa de abordar com superioridade a pessoa enganada é mal recebida. Acho que a melhor forma é perguntar de onde ela tirou aquela informação, fazer de tal modo que a própria pessoa conclua que a possibilidade daquilo ser falso é grande". 


Foto: Canva

Anote as datas das próximas lives no Instagram da IJNet Português, sempre às cinco da tarde pelo horário de Brasília:

19/outubro - "Democracia em Risco: Discriminação"com Fernando Grostein e Fernando Siqueira, diretores do documentário "Quebrando Mitos".

26/outubro - "Democracia em Risco: Religião na Política", com Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação e pesquisadora do Instituto para o Estudo da Religião.