Nasa Stéreo, uma rádio que mobiliza indígenas a proteger a vida

por Edilma Prada
May 24, 2019 em Notícias locais
Nasa Stéreo

As ondas de uma pequena estação indígena colombiana trazem uma mensagem de defesa da vida e do território. Na Nasa Stéreo, uma emissora de rádio localizada no município de Toribío, Cauca, informa e alerta sobre as ameaças que líderes e processos comunitários sofrem.

Esta rádio, na qual trabalham quatro comunicadores indígenas do povo Nasa, opera na frequência 99,4 FM. Os Nasa são reconhecidos por suas lutas pela terra e por exigir a saída de grupos armados de suas comunidades.

A Nasa Stéreo funciona há 22 anos, mas agora sua equipe passa por um momento crítico. "Estamos em alerta máximo. Nossos líderes estão sendo ameaçados", conta Manuel Julicue, coordenador da Nasa Stéreo.

Nesta aldeia localizada em uma área montanhosa do sudoeste do país, há 4.000 habitantes em pequenas casas que resistiram à violência. Segundo a memória da guerra na Colômbia, esta comunidade é conhecida por ter enfrentado mais de 800 ataques. Após a saída das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a região ao norte do Cauca tornou-se um território em disputa por grupos ilegais emergentes e traficantes de drogas.

Nos últimos meses, a emissora recebeu todos os tipos de panfletos com ameaças diretas aos líderes indígenas. Outras mensagens chegaram via WhatsApp para os celulares dos comunicadores. As mensagens vêm de supostos grupos paramilitares, como os Águias Negras ou dissidentes das FARC.

Em novembro de 2016, o governo colombiano e as FARC assinaram um acordo de paz e, desde então, houve progresso no abandono de armas. "Com esta situação pós-conflito, a comunidade é alertada, é informada das ameaças que vêm. Todos nós temos que ficar sabendo", diz Julicue.

A responsável pelo noticiário de segunda a sábado ao meio-dia, Claribel Pavi, afirma que uma das notícias mais recorrentes do ano passado foi a denúncia de ameaças e a chegada de grupos armados ilegais e desconhecidos.

"Não queremos falar apenas de violência, mas a realidade do território é assim. Não queremos que a história do medo se repita", diz Pavi, que passou nove anos relatando o que está acontecendo em Toribío e seus arredores.

Em 2018, 110 líderes foram assassinados na Colômbia e 27% das vítimas eram pessoas defensoras dos direitos humanos pertencentes a povos indígenas (18 casos) e afro-colombianos (12 casos), segundo o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Em março de 2019, um relatório registrou 30 líderes mortos.

Radio Toribio
Manuel Julicue trabalha na estação há 15 anos e há cinco anos foi nomeado pela comunidade para coordenar o trabalho da Nasa Stéreo. Crédito Luis Ángel - Agenda Própria.

 

As notícias nesta estação de rádio também são transmitidas na língua nativa Nasa Yuwe e, em muitos casos, a própria língua se tornou uma estratégia de proteção. "Dessa forma, cuidamos de nós mesmos como uma comunidade. Como os estrangeiros não conhecem a língua, enviamos mensagens sobre o que acontece e o que vamos fazer ", diz Pavi.

Da estação eles mobilizam toda a comunidade. "Se algo acontece, avisamos a todos; homens, crianças, mulheres e idosos saem e acompanham [os acontecimentos]", comenta Julicue, lembrando que em 2014, quando as guerrilhas das FARC mataram dois guardas, as mensagens da rádio reuniram as pessoas para capturar os autores do crime.

Em Toribío, como em outras reservas no norte de Cauca, indígenas promovem ações de controle territorial para garantir o "bom viver" ou a paz, em uma região onde as histórias e lembranças da guerra ainda seguem intactas.

Processos comunitários têm voz

A Nasa Stéreo foi incorporada no âmbito do Projeto Nasa, liderado pelos conselhos indígenas de Toribío, Tacueyó e San Francisco, para informar sobre os seus processos comunitários e dar força à sua palavra.

Entre o trabalho dos repórteres está transmitir as assembleias comunais, acompanhar as atividades sociais e resgatar seus conhecimentos através de programas musicais e culturais.

Das 5h às 22h há programação para todos os gostos dos ouvintes. música andina, vozes dos anciões com orientação sobre o conhecimento ancestral do povo Nasa, mensagens para o cuidado da Mãe Terra, notícias, discussões familiares e canções na língua materna.

Lá eles aprenderam tudo de uma maneira empírica, embora tenham treinado com especialistas de rádio e colegas indígenas que vêm para guiá-los. Quem trabalha na estação sabe fazer roteiros, crônicas, locuções, mixagens musicais e jornalismo.

Os desafios do comunicador indígena na Colômbia

O comunicador indígena não tem apenas a missão de informar. Também deve participar ativamente dos eventos promovidos pelos conselhos ou estruturas políticas da organização indígena, e seu trabalho, em muitos casos, é voluntário. Julicue, por exemplo, divide seu tempo entre rádio, atividades comunitárias e trabalho agrícola.

O professor de jornalismo alemão Peter Schumacher, que através de um projeto de cooperação internacional aconselha o Conselho Regional Indígena do Programa de Comunicação do Cauca (CRIC), diz que as emissoras indígenas do Cauca se mantém através de contribuições voluntárias das comunidades, mas a autossustentabilidade das rádios continua a ser um desafio.

"Existem casos que recebem apoio, em outros eles vendem publicidade, mensagens ou segmentos, mas isso não dá para sustentar pessoas. Por exemplo, quando um dispositivo ou transmissor quebra, a existência das estações é posta em risco", diz Peter.

Os comunicadores também enfrentam riscos, e sua relação direta com os processos dos conselhos muitas vezes os torna vulneráveis.

"Estas ferramentas nasceram da necessidade que temos do direito de falar, de promulgar nossas maneiras de nos expressar e defender a vida e o território", diz Liz Rubiel Velasco, coordenadora do Programa de Comunicações do CRIC.

A Nasa Stéreo e as outras sete estações de povos indígenas do Cauca sabem o risco envolvido em reportar a presença de grupos armados ilegais, mas também têm claro que não permitirão que a violência silencie suas vozes e o seu direito à livre expressão.


Edilma Prada é uma jornalista colombiana, com foco em questões de conflito armado, paz, direitos humanos, meio ambiente, grupos étnicos e áreas de fronteira há 15 anos. Ela é fundadora e diretora da Agenda Propia, uma iniciativa de co-criação jornalística em questões indígenas. Ela participou de projetos colaborativos de jornalismo com povos indígenas e colegas da América Latina. Ela é instrutora da DW Akademie.

Imagem principal: Na Nasa Stéreo, a estação de rádio comunitária de Toribío, Cauca, a equipe relata os atos de violência sofridos pelo território. Crédito Luis Ángel - Agenda Propia.