Jornalistas nos EUA estão sindicalizando suas redações

Aug 31, 2021 em Temas especializados
pessoas trabalhando juntas em uma mesa com computadores

Um número recorde de jornalistas e profissionais de mídia nos Estados Unidos se filiaram a sindicatos na primeira metade de 2021.

Em meados de julho, trabalhadores de 29 empresas solicitaram representação sindical. Houve 37 campanhas de filiação sindical bem-sucedidas ao longo de 2020 — uma marca alta nos últimos cinco anos.

Quais os benefícios de fazer parte de um sindicato? Como um profissional de mídia pode sindicalizar sua redação? Freelancers também podem se beneficiar de sindicalização?

O poder de um sindicato

Ser sindicalizado permite que profissionais de mídia lutem por seus empregos, salários, condições de trabalho, qualidade da cobertura e mais. Quando trabalhadores se unem, eles podem identificar os problemas enfrentados, formar uma frente coletiva e exercer mais pressão sobre aqueles que estão no poder a agirem em seu favor.

"Estamos fazendo isso porque nos importamos com nosso trabalho. Nós nos importamos com o trabalho dos nossos colegas e a proteção deles, nos importamos com o papel que desempenhamos na comunidade, na nossa democracia", diz Jon Schleuss, presidente do NewsGuild, a maior associação de classe de profissionais de imprensa. 

Para Scott Dance, repórter de meio ambiente no Baltimore Sun e líder da associação de trabalhadores do jornal, sindicalizar significa fazer parte da tomada de decisões. É poder opinar sobre o seu salário e condições de trabalho. "Não significa que você sempre consegue o que quer, mas é um meio oficial através do qual você pode ser ouvido", afirma.

Os benefícios

Sindicatos permitem que jornalistas lutem por questões que os afetam. Isso pode significar pressionar por melhores salários, benefícios mais abrangentes ou melhoria nas condições de trabalho. 

Jornalistas podem aproveitar o poder coletivo de um sindicato para defender a si mesmos e alcançar resultados tangíveis. Em 2019, trabalhadores membros da Associação do Los Angeles Times obtiveram um acordo de três anos com a empresa através do qual foi posto em vigor aumento salarial de pelos menos 5% para a maioria dos empregados, seguido por um aumento de 2,5% em cada um dos dois anos subsequentes.

Quando trabalhadores formam um sindicato, eles têm direito de requisitar informações de seu empregador, como relatórios financeiros e dados salariais. Isso pode ajudar a lançar luz sobre injustiças e permitir que os empregados tomem medidas contra elas. "Como bons jornalistas, temos a obrigação de minimizar danos, sermos transparentes e responsáveis. Isso é o que queremos fazer quando formamos uma união sindical", diz Schleuss.

Depois de formarem seu próprio sindicato, os trabalhadores do Los Angeles Times pediram a divulgação de dados salariais, que mostraram que jornalistas mulheres e jornalistas não brancos recebiam menos que os homens. Os trabalhadores abriram um processo contra o jornal, e em 2020 um juiz aprovou uma compensação retroativa para 240 funcionários e ex-funcionários.   

À medida que empresas de comunicação são compradas por fundos de hedge, bilionários e conglomerados que priorizam receita no lugar de reportagem de qualidade — cortando salários e demitindo funcionários —, sindicatos possibilitam que os profissionais de imprensa lutem por seu sustento e pelo dos veículos onde trabalham.

Em 2020, quando o The Baltimore Sun estava prestes a ser comprado pelo fundo de hedge Alden Global Capital, a associação de trabalhadores do jornal lançou a campanha Save The Sun, em um esforço para encontrar um novo comprador. Embora a campanha não tenha dado certo, a proteção sindical permitiu que os trabalhadores pudessem falar na imprensa sobre suas preocupações em relação ao futuro da redação sem medo de consequências.

Os sindicatos protegem os trabalhadores de demissões injustas. Um jornalista empregado com um contrato que prevê demissão sem justa causa (que é frequentemente o caso daqueles não sindicalizados) pode ser demitido por quaisquer razões (legais), como cobrir uma pauta que não agrada a chefia. Por outro lado, um trabalhador sindicalizado é protegido pelos direitos de justa causa. "Queremos poder fazer nosso trabalho livremente e com independência para entregar as melhores matérias e coberturas possíveis sem medo de retaliação por parte das forças envolvidas", explica Schleuss.  

A importância de sindicatos durante a pandemia

Sindicatos de profissionais de mídia têm oferecido proteções necessárias durante a pandemia. Importante dizer, os sindicatos protegem empregos quando empresas de comunicação estavam anunciando demissões, fusões e dispensas temporárias. Embora 16 mil jornalistas nos Estados Unidos tenham perdido o emprego em 2020, a maioria dessas perdas não afetou trabalhadores sindicalizados, segundo Schleuss.

Em maio de 2020, o Los Angeles Times dispensou temporariamente funcionários por uma semana até um mês, o que resultou em 25% de perda salarial. No entanto, os trabalhadores sindicalizados conseguiram fazer um acordo com a chefia que evitou a demissão de membros da associação de trabalhadores do jornal e reduziu as dispensas temporárias para apenas um dia na semana. Além disso, o Times se comprometeu a aderir a um programa do governo da Califórnia, possibilitando que trabalhadores sindicalizados do jornal recebessem benefícios trabalhistas que cobriam suas perdas salariais. 

Você tem interesse em sindicalizar sua redação? Saiba como começar.

(1) Inicie o diálogo com seus colegas

Ao conversar com os colegas, jornalistas podem identificar problemas em comum e avaliar se eles estão dispostos ou não a trabalharem juntos para resolvê-los. Quando o grupo for grande o bastante, é possível dar início aos esforços oficiais para sindicalização.

(2) Decida sobre filiar-se ou não a uma organização sindical maior

Enquanto há alguns sindicatos independentes, muitos decidem fazer parte de uma organização mais abrangente, como o NewsGuild, que representa mais de 25 mil profissionais de imprensa em toda América do Norte. Esses sindicatos maiores têm equipe e profissionais que podem orientar os trabalhadores no processo de sindicalização.

(3) Registre formalmente uma votação no Conselho Nacional de Relações Trabalhistas

Para começar a votação no Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, jornalistas precisam demonstrar ter apoio de pelo menos 30% dos funcionários. Assim eles podem solicitar uma votação com o Conselho na qual funcionários votam para decidir — anonimamente — se gostariam ou não de formar um sindicato. Se a maioria dos trabalhadores votarem sim, o sindicato é certificado.

(4) Ou tente um reconhecimento voluntário

Um caminho mais fácil para a certificação de sindicatos é o reconhecimento voluntário. Se uma maioria absoluta — superior a 50% — dos funcionários quiserem constituir um sindicato, eles podem apresentar o pedido à empresa. A empresa pode decidir se reconhece o ato sem a necessidade de realizar uma votação. O sindicato e a empresa podem então ir direto para a mesa de negociação.

Freelancers podem se sindicalizar também

Freelancers são trabalhadores independentes. Diferentemente de empregados, eles não podem negociar coletivamente dentro das diretrizes do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas. "Como jornalistas freelance, somos uma força de trabalho altamente atomizada da qual o setor depende cada vez mais. Mesmo assim, temos poucos direitos e pouca capacidade de comunicação entre nós. Isso faz de nós uma força de trabalho muito fácil de ser explorada", afirma Abigail Higgins, jornalista freelance em Washington, D.C e membro ativa do IWW Freelance Journalists Union (IWW FJU) e do Freelancers Solidarity Project.

Pequenos sindicatos de freelancers com poder limitado, como o IWW FJU e algumas divisões do NewsGuild, de fato existem. Estas unidades permitem que freelancers trabalhem juntos em questões como assistência para negociação de tarifas, compartilhamento de ideias, informações e formação profissional e ajuda individual a seus membros. "Fazer parte de um sindicato significa que temos essa forma realmente fantástica de nos comunicarmos uns com os outros, de nos organizarmos juntos e lutar por nossos direitos coletivamente", explica.

Higgins diz que o sindicato de freelancers possibilitou que ela obtivesse credenciais de imprensa que não conseguiria em outras condições. Um sindicato também pode ajudar freelancers a compartilhar quanto cobram por seu trabalho e saber se eles estão sendo explorados. 

Em 2020, quando a Vox Media tentou proibir freelancers de compartilhar quanto eram pagos, o IWW FJU lançou uma campanha no Twitter. O sindicato divulgou as tarifas pagas pela Vox aos freelancers, tornando público o contrato abusivo. Como resultado, a Vox retirou a proibição dos contratos com os freelancers. 

"Há um poder extraordinário quando as pessoas se conectam", afirma Higgins.


Foto por fauxels no Pexels.