Jornalistas do mundo todo veem notícias falsas como monstro em mutação constante

por H R Venkatesh
Oct 30, 2018 em Combate à desinformação

A notícia falsa, para mim, é um pouco como um câncer em rápido movimento. Você deve se esforçar muito para detectá-lo, mas uma vez que consegue, percebe que se espalhou por toda parte. Como algumas variantes agressivas da doença, pode desaparecer sem diagnóstico, mas, assim que a detectou, ela entrou em metástase e se tornou algo realmente desagradável.

Eu comecei minhas pesquisas pensando que toda ansiedade sobre o "problema das notícias falsas" na mídia global foi porque, bem, a mídia global é dominada e influenciada pela mídia americana, assim como pelas empresas de tecnologia dos EUA atrás das plataformas usadas para espalhar notícias falsas. Mas, quando falei com jornalistas em todo o mundo, ficou claro que a desinformação há muito atormenta muitos países, alimentando uma ampla gama de tensões políticas ou étnicas e causando divisões que, na maioria das vezes, beneficiam certos interesses especiais sobre outros.

No Brasil, por exemplo, o processo de impeachment de 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff foi acompanhado por vários relatos de notícias falsas. De acordo com um estudo da Universidade de São Paulo, três das cinco matérias de notícias mais compartilhadas no Facebook durante a semana anterior à votação do impeachment foram falsas, informou a BBC Brasil.

Nosso reportagem de jornal é comprometida e descuidada; nosso jornalismo de televisão é terrível... Como resultado, existem outras formas de interesse criadas para comandar o fluxo de notícias e inserir sua desinformação no fluxo.

"A notícia falsa tem sido um problema na política brasileira desde as eleições gerais de 2014", disse Sérgio Spagnuolo, jornalista de dados que administra o Volt Data Lab no Brasil. "Um dos principais candidatos morreu em um acidente de avião no meio da campanha daquele ano. Imagine as mentiras e os rumores não provados publicados pelas pessoas."

Na Índia, a facilidade com que a desinformação se espalha é exacerbada pelo fato de que a nação abriga 22 idiomas, o que torna mais difícil para os consumidores de notícias verificarem corretamente o que um vídeo ou texto está supostamente demonstrando. Em abril, um vídeo horrível que mostra um assassinato em Bangladesh foi falsamente divulgado como o assassinato de um homem hindu por muçulmanos. Quando o tecnólogo/ativista Pratik Sinha acompanhou o vídeo em seu autodenominado site de notícias "anti-propaganda" Alt News, o mesmo foi viral mais uma vez em maio, com algumas afirmações falsas de que mostrou o assassinato de um policial junior na região problemática da Caxemira na Índia.

"Agora, a comunicação tornou-se tão complexa que se você vê um vídeo com um roteiro elaborado por trás disso, tende a acreditar que tal coisa aconteceu", disse Sinha.

A video from Bangladesh is being circulated as Kashmiri students killing a CRPF Jawanhttps://t.co/Ilrj1JpXD1

Samanth Subramanian, jornalista indiano que informou sobre a indústria de notícias falsas na Macedônia para a revista Wired, identificou várias razões pelas quais o ecossistema de mídia da Índia é vulnerável à circulação não disputada de notícias falsas (suas observações podem ser facilmente aplicadas a muitos outros países).

"Nossos filtros institucionais já são anêmicos", disse Subramanian. "Nossa reportagem de jornal é comprometida e descuidada; nosso jornalismo de televisão é terrível. Temos uma tradição atrofiada de reportagem de revistas. Como resultado, existem outras formas de interesses criadas para comandar o fluxo de notícias e inserir sua desinformação no fluxo."

A velocidade com que as histórias falsas podem se espalhar por redes sociais como o WhatsApp também beneficia propagandistas e impede aqueles que tentam combater a desinformação com fatos, disse a jornalista zimbabuense Fungai Machirori.

"Quando a notícia é considerada falsa, é muito difícil garantir que todas as pessoas na cadeia de desinformação obtenham a versão correta da [história]", disse ela. "E isso é em parte porque a receberiam de uma variedade tão ampla de fontes."

O termo "notícia falsa" está sendo usado por políticos preguiçosos e insatisfatórios para culpar outros por suas próprias insuficiências.

Husain Marhoon, jornalista com base em Bahrein, que administra um site de verificação de fato que monitora a região do Golfo, observou que, independentemente do país, um desafio fundamental das "notícias falsas" é a tendência das pessoas de acreditar em informações que confirmam suas crenças anteriores, não importando o que a evidência realmente mostra.

"O poder da notícia falsa é que [contém] uma parte da verdade que facilita acreditar", escreveu ele em uma post recente. "[É] projetado de tal forma que se relaciona com a prontidão inicial daqueles que a recebem... Isto é o que faz as pessoas às vezes se recusarem a acreditar que uma história é falsa."

Você também pode argumentar que confrontar o problema da "notícia falsa" não significa culpar o viés da confirmação. Em vez disso, jornalistas devem desafiar "os políticos que usam o termo para depreciar a mídia", disse Peter Fray, professor de jornalismo da Universidade de Tecnologia de Sydney.

"O termo 'notícia falsa' está sendo usado por políticos preguiçosos e insatisfatórios para culpar outros por suas próprias insuficiências", disse Fray, que fundou o primeiro site de verificação de fatos na Austrália. "Precisa ser chamado do que é -- controle de dano político -- e não promovido pelas próprias pessoas que quer depreciar, isto é, os jornalistas."

Os jornalistas com quem falei concordaram que a desinformação é uma arma poderosa, não importa quem a exerça e não importa como se manifeste em diferentes ambientes de mídia. Como alguns tipos de câncer, o fenômeno da "notícia falsa" pode ser incurável, mas, sem dúvida, ainda existem muitas maneiras pelas quais os jornalistas podem produzir uma defesa.

"O que começou como um punhado de ideólogos ou alguns internautas fazendo uma grana com as mídias sociais tornou-se um vírus global", disse Fray. "Cabe aos jornalistas e editores vacinarem a população contra ele."

H.R. Venkatesh tem mais de 15 anos de experiência como jornalista em todos os papéis de reportagem, edição a ancoragem. Ele é ex-bolsista no Centro Tow-Knight para Jornalismo Empreendedor e fundador da NetaData, um site de notícias político indiano. Saiba mais sobre seu trabalho como bolsista Knight do ICFJ aqui.

Imagem principal sob licença CC no Flickr via Dana Lee