As redações em Moçambique ainda não usam ferramentas de “fact-checking” de conteúdos veiculados em plataformas digitais como parte da rotina. E o país vive hoje um momento sensível, em que os jornalistas estão mais vulneráveis a cair, por algum descuido, em notícias falsas.
No dia 9 de outubro, os moçambicanos vão às urnas para escolher um novo Presidente da República. Serão também escolhidos os deputados da Assembleia da República, governadores e membros das Assembleias Provinciais. Há necessidade do domínio das ferramentas do “fact-checking” no processo eleitoral, mas a maioria dos jornalistas moçambicanos não estão preparados para esta checagem.
Para esta reportagem, entrevistei 20 jornalistas de diferentes órgãos de informação em Moçambique sobre o exercício de verificação de fatos em processos eleitorais. Todos confirmaram que têm noção da importância do “fact-checking”, mas poucos demonstraram o domínio de ferramentas para fazer o cruzamento de informações.
Verificação de fotos
A campanha eleitoral para presidente se iniciou em 24 de agosto. Dos quatro candidatos, apenas três apareceram em público: Daniel Chapo (partido Frelimo, no poder desde a independência em 1975), Lutero Simangoe (partido MDM) e Venâncio Mondlane (partido PODEMOS).
Até o sexto dia da campanha, Ossufo Momade, da Renamo (maior partido da oposição), ainda não tinha aparecido em público. E alguns desdobramentos mostram como os rumos das notícias eleitorais precisam que os jornalistas estejam mais preparados para checá-las.
O sumiço do candidato Momade repercutiu nas redes sociais. Para conter as intrigas, a página oficial do candidato publicou uma fotografia dele na página oficial no Facebook. Mas o jornalista moçambicano Reginaldo Tchambule desconfiou da foto e descobriu que ela era de um evento de 2019.
Por causa da denúncia de Tchambule, a foto foi removida, mas nenhuma explicação foi dada à população. Em vez disso, outras fotos foram publicadas e Marcial Macome, porta-voz da Renamo, informou numa entrevista de tv que o candidato “estava a tratar de assuntos do partido no exterior e que retornaria em breve para participar da campanha”.
Um outro exemplo de tentativa de propagar falsa informação foi a publicação de fotos e vídeos sobre um ataque terrorista em Moçambique, em 2021, por uma agência de notícias estrangeira. As imagens tentavam provar que uma vila na província de Cabo Delgado tinha sido alvo de ataques, quando, na verdade, as imagens eram de um outro ataque em 2020, numa outra vila. O desmentido foi feito pela investigatora do Armed Conflict Location and Event Data Project, Jasmine Opperman, citado pelo Jornal Público de Portugal.
Ferramentas de acesso gratuito
De acordo com os jornalistas que conversei, as ferramentas Duplichecker, Ground News e Google são os motores de verificação de fatos que eles conhecem. Considerando a falta de recursos dos jornalistas moçambicanos, a escolha diz respeito ao preço: no caso de Duplicheker e Google, o acesso é gratuito. O Ground News, apesar de ser pago, possui um baixo custa de 0.83 dólares mensais, que em moeda local corresponde a 53 meticais.
A maioria dos jornalistas entrevistados afirmou usar o Google no que diz respeito à apuração das imagens. Como fez o jornalista Reginaldo Tchambule, que investigou a foto do candidato Ossufo Momade no início da campanha eleitoral.
Verificação junto a fontes e “in loco”
Tchambule é editor do Jornal Evidências, e me explicou que o semanário ainda usa o modelo tradicional de busca pela veracidade de fatos, ou seja, contacta diretamente as fontes. “Tradicionalmente, o jornalista tem que ir atrás do assunto para apurar a sua veracidade, é isso que nós fazemos, ir ao terreno, contactar os visados, para colher os factos”, apontou o jornalista.
A redação onde Tchambule trabalha não tem uma equipe de fact-checking. “Somos ainda novos, os recursos não chegam para tanto, a nossa redação é pequena e com poucos repórteres, mas gostaríamos que assim fosse, enquanto não pudermos, vamos trabalhar como podemos”.
Romeu Carlos é diretor de informação da TV Sucesso, canal que vem tendo aceitação considerável dos telespectadores em Moçambique. Eles também procuram ir direto na fonte para verificar os fatos. “O nosso dia a dia é dinâmico, veja que nós somos mais do terreno. Vamos às comunidades, os nossos repórteres dão a cara, isso para buscar a verdade para os nossos telespectadores”, afirmou.
Cláudio Jone, administrador de conteúdos da Televisão de Moçambique (TVM) também disse que a forma deles checarem fatos é mesmo indo à campo. “A nossa cobertura televisiva é a maior que existe no país e isso permite-nos que possamos ter as informações na fonte. Se tem alguma informação que nos chega por outras vias, nós falamos com as nossas equipes que se encontram no terreno, para verificar a credibilidade dessa mesma informação”.
Treinamento para fact-checking
Jone explicou que uma equipe do jornal está sendo treinada em matéria de fact-checking, numa colaboração com Agence France-Presse (AFP), com equipe na África do Sul. “Nós como Televisão de Moçambique, somos uma fonte importante de veiculação de fatos. Vários órgãos moçambicanos buscam em nós material de informação para disseminar nos seus canais de comunicação, o que eleva ainda mais a nossa responsabilidade de apurar, com rigor, a veracidade da informação”, afirmou.
Não é a primeira que a equipe de Jone está tendo contato com este tipo de formação. “A Televisão de Moçambique tem tido formações nesse aspecto. A primeira foi com a Voz da América (VOA) tanto para a nossa tv quanto para vários órgãos de comunicação social. Nesse treinamento aprende-se como identificar a veracidade das fontes e das imagens”.
Jone explicou que estes treinamentos também alertam sobre a manipulação de notícias com recursos, por exemplo, da inteligência artificial. Além do treinamento, a parceria com a AFP permitiu a instalação de um software de fact-checking dentro da empresa. “Esse software possibilita identificar imagens que tenham sido publicadas, por exemplo, sem o consentimento do autor dessa imagem. Ou seja, além de detectar se uma imagem é ou não verídica, o software ajuda a apurar se o uso de uma determinada foto obedeceu aos critérios de direitos autorais”, enfatizou Jone.
Um outro treinamento ao alcance dos jornalistas moçambicanos é uma parceria com a Africa Union Broadcast (AUB), instituição que reúne organismos de radiodifusão africanos e os seus parceiros para que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida e retratar a imagem real do continente. “AAUB anda muito preocupada com o mau uso da imagem. Teremos em breve, em Gaborone, capital de Botswana, uma conferência sobre os benefícios e malefícios da IA no jornalismo e os nossos profissionais estarão lá”, disse Jone.
Em Moçambique, o Misa-Moçambique (Instituto de Comunicação Social da África Austral, delegação de Moçambique), organização não-governamental que se dedica à defesa e promoção das liberdades de imprensa e de expressão em países da região Austral de África, faz um certo serviço de fact-checking. Mas não há evidências de que haja agências privadas que trabalhem no país neste sentido.
Os jornalistas entrevistados afirmam ser oportuno para as redações nacionais contarem com “hubs” que se dedicassem a verificar fatos, pois isto ajudaria muitas mídias do país que ainda enfrentam a falta de recursos. “Certamente que esses serviços estabeleceriam uma dinâmica interessante em nossos órgãos de informação, considerando a correria a que os repórteres estão sujeitos”, considerou Romeu Carlos.
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