Chacinas são comuns nos Estados Unidos. De acordo com uma estimativa, já houve 173 só no ano de 2017. No início da manhã de sábado, 25 pessoas foram baleadas em uma boate em Little Rock, Arkansas. Em meados de junho, o congressista Steve Scalise foi uma das cinco pessoas atingidas em um campo de beisebol em Alexandria, na Virgínia. O status importante de Scalise levou à intensa cobertura da mídia desse incidente particular, mais uma vez estimulando o debate sobre violência armada e o controle de armas nos EUA.
Igualmente importante, devemos considerar a reportagem de massacres. Certos jornalistas e estudiosos -- e até mesmo o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama -- sugerem que a natureza rotineira da cobertura desse tipo de violência contribui para a "fadiga da compaixão", uma maior insensibilidade para a crise.
A pesquisa também indica uma conexão entre a intensa cobertura da mídia, os perpetradores que "buscam fama" e subsequentes massacres -- chamada de efeito "imitador". Como resultado dessas descobertas perturbadoras, algumas organizações (como No Notoriety), autoridades policiais, funcionários governamentais e jornalistas estão fazendo a escolha consciente de não citar o nome dos perpetradores dos tiroteios em massa.
Mas certamente a decisão de "não citar o nome" do perpetrador é atípica na cobertura jornalística.
Um estudo recentemente publicado -- uma colaboração minha e de três outros estudiosos da mídia -- examinou esta questão e outras atitudes em relação à cobertura de notícias sobre tiroteios em massa, usando dados de uma pesquisa nacional com mais de 1.300 jornalistas nos Estados Unidos, As principais conclusões do estudo são as seguintes:
- Apesar de estudos mostrarem uma conexão entre a cobertura jornalística e o efeito imitador, os jornalistas são em grande parte ambivalentes sobre essa conexão.
- A maioria dos jornalistas apoiou a cobertura típica dos perpetradores, incluindo citar o nome e publicar fotos do perpetrador, bem como declarações, vídeos e/ou manifestos de perpetradores.
- Ao mesmo tempo, os jornalistas expressaram um apoio forte para as matérias que se concentraram nos sobreviventes e na resiliência da comunidade após os tiroteios em massa. Os jornalistas também apoiaram amplamente a cobertura de longo prazo e a cobertura de soluções potenciais.
O estudo também revelou como características individuais, práticas jornalísticas e fatores organizacionais influenciam as atitudes.
- Editores estavam mais satisfeitos com o estado atual da cobertura de massacres do que repórteres e fotógrafos. Editores também apoiaram mais a cobertura do perpetrador do que todos os outros tipos de jornalistas.
- Jornalistas mais velhos tiveram uma opinião mais favorável sobre o estado da cobertura de chacinas e apoiaram mais fortemente uma cobertura dos perpetradores.
- Entrevistados não-brancos foram mais propensos a criticar as práticas atuais da cobertura do tiro em massa.
- Jornalistas de jornais maiores geralmente pensaram que a mídia estava fazendo um "bom trabalho" cobrindo tiroteios em massa.
- Jornalistas que refletem valores contextualizados -- jornalistas que enfatizam cobertura de longo prazo, responsabilidade social e reportagem responsável -- apoiam fortemente as vítimas e os sobreviventes.
Em conjunto, os resultados do estudo mostram que os jornalistas geralmente apoiam uma ampla cobertura de tiroteios em massa com a implicação de que os cidadãos usem essa informação para fazer escolhas responsáveis. Consequentemente, a maioria dos jornalistas foi favorável à cobertura de perpetradores e não reconheceu um efeito de imitação. Na verdade, é uma percepção sombria pensar que o produto de um trabalho potencialmente contribui para novos massacres. Mas, dado os resultados da pesquisa que concordam com o efeito de imitação, os jornalistas devem estar conscientes de que as percepções de seu trabalho nem sempre correspondem ao impacto real do trabalho. Uma comparação útil neste caso pode ser a cobertura do suicídio.
Zeynep Tufekci, um estudioso de mídia e tecnologia, argumenta que citar o nome ou mostrar uma fotografia do perpetrador uma vez não é o problema. O verdadeiro problema é que as mídias de imprensa circulam continuamente o nome, rosto e manifesto dos perpetradores. Como tal, Tufekci propõe que os meios de comunicação desenvolvam "orientações sensatas" para cobrir os tiroteios em massa, da mesma forma que cobrem os suicídios.
Reconhecendo o efeito suicídio de um imitador, os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA recomendam evitar o seguinte na cobertura de suicídio: explicações simplistas; reportagens repetitivas, contínuas ou excessivas; cobertura sensacionalista; descrições de "como fazer"; glorificação; e um foco nas expressões comunitárias de sofrimento. Em vez disso, os CDC recomendam que a cobertura de notícias se concentre na ajuda e apoio disponíveis na comunidade, dicas e informações sobre como identificar pessoas que estão em risco e/ou informações sobre fatores de risco. A adoção dessas práticas na cobertura de massacres pode ajudar a reduzir o risco de um efeito imitador.
E certamente alguns jornalistas na pesquisa reconheceram o efeito imitador, refletindo uma tensão entre os jornalistas que favorecem uma abordagem mais progressiva e aqueles que possuem ideias jornalísticas mais tradicionais.
Igualmente importante, os resultados do estudo mostram apoio para a cobertura de longo prazo e cobertura de resiliência da comunidade e soluções. Esta descoberta é indicativa das práticas crescentes de jornalismo construtivo e jornalismo de soluções.
Os resultados da pesquisa sugerem que os jornalistas que refletem valores contextualizados -- como uma abordagem mais progressiva para a cobertura -- podem desempenhar um papel importante no avanço das mudanças nas práticas de reportagem sobre a cobertura de tiros em massa.
Nicole Smith Dahmen é professora de comunicação visual da Universidade de Oregon.
Imagem principal sob licença CC no Flickr via EUPOL Afghanistan