Quando a professora Lisa Taylor falou sobre o Worlds of Journalism Study (WJS) em uma conferência de ética da mídia em Doha, no Catar, em janeiro, muitos na sala ouviram sobre o projeto inovador pela primeira vez.
Entre 2012 e 2016, pesquisadores entrevistaram 27.500 jornalistas de 67 países, incluindo a Rússia, China e Turquia, onde os profissionais da mídia estão sob ataque. O "esforço colaborativo sem precedentes", que se propôs a avaliar o estado do jornalismo em escala global, chegou dos pequenos Kosovo e Butão aos principais centros internacionais, incluindo a Itália, a Austrália, a Índia, o Canadá e os Estados Unidos.
O relatório oferece um panorama dos profissionais da mídia e fornece material para estudos comparativos em uma era de mudanças profundas no setor de notícias.
"O relatório fornece uma visão [para o mundo do jornalismo] que de outra forma não teríamos", disse Taylor, que é a líder da equipe WJS do Canadá e diretora da graduação de jornalismo da Universidade Ryerson, em Toronto. "Este é o único quadro quantitativo que temos de quem são os jornalistas canadenses, tanto em termos demográficos e de emprego, mas também o que eles veem como seu papel."
O relatório de cada país retrata com clareza o que os jornalistas consideram ser seus nortes éticos --por exemplo, se eles se sentem mais comprometidos com os códigos de ética versus julgamento pessoal, e quais táticas de reportagem são e não são aceitas, explicou Taylor.
Uma seção denominada “Key findings at a glance” destaca os resultados de um questionário mestre para gerentes e profissionais de notícias. O presidente do WJS, Thomas Hanitzsch, descreveu os achados como “um retrato de quanta liberdade os jornalistas pensam ter em todo o mundo e dos fatores que influenciam seu trabalho”.
"O jornalismo pode assumir formas muito diferentes, dependendo do contexto político, socioeconômico e cultural em que os jornalistas trabalham", disse Hanitzsch, que também dirige o departamento de mídia e comunicação da Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique, na Alemanha.
Enquanto os jornalistas ocidentais podem ver uma imprensa livre como uma entidade independente e objetiva que cobram a responsabilidade dos poderosos, “tal visão não é necessariamente compartilhada por jornalistas em outras partes do mundo”, observou Hanitzsch. “A compreensão do jornalismo geralmente é fundamentada localmente e vinculada a contextualidades específicas.”
No entanto, existem alguns pontos em comum entre os entrevistados da pesquisa. Por exemplo, há uma tendência a concordar com os seguintes conceitos:
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Apesar das mudanças dramáticas e transformações na profissão, elementos-chave da ideologia jornalística, incluindo padrões éticos, permanecem intactos.
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O ambiente tecnológico --notavelmente a mídia social e a participação do usuário-- marcou a fonte mais significativa de mudança.
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A principal missão da apuração das notícias é amplamente vista como informar o público, monitorando aqueles que estavam no poder e responsabilizando-os.
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Jornalistas mostraram pouca confiança em políticos e partidos políticos. [Jornalistas russos indicaram que confiavam mais nos militares do que em autoridades estaduais.]
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Muitos achavam que estavam sendo solicitados para fazer mais com menos, afetando a qualidade das notícias que produzem.
Os resultados sugerem comparações de quem são os jornalistas e como eles operam.
Na Rússia, por exemplo, a jornalista típica é mulher (as mulheres foram 64% das entrevistadas), com 30 e poucos anos e diploma universitário em comunicação de jornalismo. O estudo descobriu que jornalistas russos dão pouca importância a apoiar as políticas do governo e transmitir imagens positivas da liderança política. A diminuição da credibilidade pública da mídia foi uma grande preocupação.
Enquanto isso, o típico jornalista americano é um homem branco de 47 anos, formado em uma faculdade de jornalismo. Apenas 27% dos entrevistados eram mulheres, embora as mulheres representem a maioria dos jornalistas de hoje. Como seus colegas russos, o apoio à política do governo e aos líderes políticos não estava no topo da lista. Entrevistados viam mídias sociais, como Facebook e Twitter, como o maior agente de mudança no jornalismo.
Na China, há uma divisão uniforme; o típico jornalista pode ser de qualquer sexo, com 30 e poucos anos e diploma universitário em jornalismo. A maioria dos jornalistas entrevistados na China acha importante “influenciar a opinião pública e apoiar a política do governo”.
O WJS conduziu seu primeiro projeto abrangendo sete países em 2006. No início de 2011, eles enviaram uma segunda leva de pesquisas, quando o nome Worlds of Journalism Study [Estudo dos Mundos de Jornalismo] se tornou uma marca registrada.
À medida que a rede se expandiu, coordenadores regionais e um comitê executivo dirigiram o empreendimento internacional. As descobertas do segundo estudo estão programadas para serem publicadas em maio de 2019.
Quanto ao futuro, um terceiro conjunto de pesquisas, o WJS3, está sendo elaborado sob o tema “Jornalismo enfrentando riscos e incertezas”. Entre os tópicos a serem explorados estão a segurança dos jornalistas, a competição com as redes sociais e “alternativas”, os esforços maciços para manipular a opinião pública e a crescente tendência do trabalho freelancer barato de curto prazo.
Sherry Ricchiardi participou da conferência em Doha e assistiu à apresentação de Lisa Taylor.
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