Estudo apresenta mapa do jornalismo de dados no Brasil

por Ana Letícia Loubak
Oct 24, 2019 em Jornalismo de dados
Mathias Felipe de Lima mapeou 52 iniciativas de produção de conteúdo baseado em dados por todo o Brasil

O jornalismo de dados tem se tornado uma prática cada vez mais frequente nas redações brasileiras. Só em setembro, o portal Metrópoles, o Jornal da Record e o novato Vortex Media lançaram grupos de jornalismo de dados em suas redações. Um estudo revelou, porém, que a presença dessa vertente jornalística ainda se restringe às grandes capitais.

No primeiro semestre de 2019, o pesquisador Mathias Felipe de Lima mapeou 52 iniciativas de todos os tamanhos pelo Brasil e criou o site colaborativo #DDJBR - Aqui tem Jornalismo de Dados!. A ideia é que jornalistas possam cadastrar outras organizações e contribuir com o mapeamento da prática. Em entrevista à IJNet, ele compartilhou suas impressões sobre a consolidação do jornalismo de dados no país.

Das 52 organizações mapeadas pelo estudo, 23 estão em São Paulo. A capital paulista é seguida pelo Rio de Janeiro, com 13 organizações. Juntas, essas metrópoles respondem por 69,2% das entidades que trabalham com jornalismo de dados no Brasil. Para Lima, a restrição da prática às grandes capitais afeta o papel da imprensa como “cão de guarda” da sociedade.

“O jornalismo de dados é capaz de trazer à tona informações que não estão visíveis à primeira vista e levá-las ao leitor. Se essa prática se restringe às capitais, muitos atos ilícitos ou fraudulentos que ocorrem nas pequenas e médias cidades deixam de repercutir na mídia”, explica.

Em vigor desde maio de 2012, a Lei de Acesso à Informação se tornou uma grande aliada na apuração de histórias que muitos preferiam que continuassem encobertas. Lima reforça que essa ferramenta deve ser explorada por todos os jornalistas, especialmente em caso de descumprimento das determinações da Lei da Transparência. A medida obriga União, estados, municípios e Distrito Federal a divulgar seus gastos na internet em tempo real. “Se não houver jornalistas analisando e checando dados públicos, como vamos cobrar o Estado?”, questiona.

Nativas digitais lideram produção de conteúdo

O estudo revelou também que 51,9% das entidades que produzem conteúdo baseado em dados são organizações de mídia independentes ou nativas digitais. A lista inclui desde grandes nomes como UOL, Nexo, G1 e Intercept até iniciativas menos populares como Colaboradados, Datalab, Filtro Fact-Checking e Volt Data Lab.

Logo atrás vêm as mídias tradicionais, que representam 36,5% do total. TV Globo, Globonews, Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo estão entre as empresas mapeadas. Lima acredita que a crise da indústria jornalística afeta a decisão por reportagens que demandam maior tempo, já que cada recurso investido precisa ser bem aproveitado. Segundo ele, porém, essa concepção é um erro.

Mapeamento mostra que jornalismo de dados se concentra nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro
Mapeamento mostra que jornalismo de dados se concentra nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro (print do mapa). 

 

“Jornais tradicionais que investiram em novas formas de conteúdo para engajar a audiência, como The Guardian e The New York Times, conseguiram criar novos modelos de negócios sustentáveis e hoje são exemplos de sucesso”, afirma.

Ainda segundo o pesquisador, a incorporação do jornalismo de dados ao dia a dia das grandes redações esbarra, sobretudo, em uma certa resistência por parte das organizações.

“As empresas de mídia tradicionais têm processos bem estruturados e, por isso, costumam adotar um approach diferente em relação à inovação. No caso do jornalismo de dados, acredito que se aplica a síndrome ‘yes, but’. ‘É interessante, mas agora não temos recursos. É interessante, mas agora estamos investindo em outra área'. Funciona como uma desculpa para permanecer na zona de conforto”, defende Lima.

Para ele, as investigações jornalísticas tradicionais estão longe de abraçar os dados como fonte de informação. Embora cheguem a analisá-los, os profissionais ainda precisam aprender a agregar o uso das novas tecnologias à expertise de outras áreas do conhecimento para tornar as investigações mais densas.

Alfabetização de dados: muito além das empresas de mídia

Para mapear os meios que produzem histórias baseadas em dados, Lima combinou a aplicação de um questionário online à coleta de dados do Twitter, a partir das hashtags #ddjbr e #jornalismodedados.

Durante o processo de análise das informações, o pesquisador decidiu considerar organizações não-midiáticas que produzem conteúdo jornalístico com dados, como a Sociedade Brasileira de Pediatria e o Conselho Federal de Medicina. Ao todo, essas entidades correspondem a apenas 7,7% das organizações identificadas pelo estudo.

De acordo com Lima, embora o fenômeno esteja relacionado à crise da indústria jornalística, que força os profissionais a migrar para empresas não-midiáticas, ele pode contribuir para a promoção da chamada data literacy, ou alfabetização de dados.

“Muitas vezes as pessoas não têm acesso aos dados ou falta a elas a formação educacional necessária para entendê-los. Se o jornalismo é bem feito, consegue levar e explicar a informação de maneira clara, com infográficos, tabelas e outras formas de representação visual”, endossa.

O jornalismo de dados está em um processo de transformação em todo o mundo. No ambiente acadêmico brasileiro, a realidade é que ainda há poucas disciplinas sobre a prática. Nesse sentido, Lima acredita que a atual geração de universitários e jovens jornalistas deve aproveitar as potencialidades de ferramentas online gratuitas, como o Journalism Courses do Centro Knight, para aprender sobre o universo dos dados.

“Quando um jornalista decide trabalhar com jornalismo econômico, ele precisa aprender economia. Da mesma forma, é isso que o jornalista de dados deve fazer: buscar outras ferramentas para expandir as fronteiras tradicionais de conhecimento”, conclui o pesquisador.


Ana Letícia Loubak é jornalista freelancer. Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ama produzir conteúdo digital. No momento, escreve para o TechTudo, portal de tecnologia da Globo.com. Siga-a no LinkedIn @analeticialoubak ou no Twitter @anaaoavesso.

Foto principal do pesquisador Mathias Felipe de Lima, da Universidade de Navarra, Espanha. Integrante do projeto JOLT, que tem como objetivo estudar formas de melhorar o jornalismo de dados e digital, ele mapeou 52 iniciativas de produção de conteúdo baseado em dados por todo o Brasil. Crédito da imagem: Isadora Camargo.