Apesar de estar no meio do furacão cobrindo a Copa do Mundo de 2018, a jornalista Camila Mattoso deu uma pausa para conversar com a IJNet depois de um dia conturbado em que o jogador Neymar saiu com dores após 15 minutos de treino.
Essa não é a primeira Copa de Camila, que está acompanhando a seleção do Brasil para o jornal Folha de S. Paulo e escreveu o livro Tite sobre a trajetória do técnico brasileiro. A repórter cobriu a Copa do Mundo 2014 no Brasil e também outros grandes eventos esportivos, incluindo os Jogos Olímpicos de 2014 em Londres e de 2016 no Rio de Janeiro.
Desde 2016, ela faz cobertura política com base em Brasília, mas retornou ao jornalismo esportivo para cobrir o mundial da FIFA. Única mulher na sua equipe, Camila conta um pouco sobre os bastidores da cobertura de Copas do Mundo e reclama da falta de diversidade na Rússia.
IJNet: Como você se prepara para cobrir a Copa do Mundo?
Camila Mattoso: Acho que tem dois caminhos obrigatórios para serem seguidos na preparação de uma cobertura de Copa do Mundo. Isso vai depender, claro, de qual será o papel do repórter durante o evento. No meu caso, por exemplo, quando eu soube que ficaria na Rússia cobrindo a seleção brasileira, a primeira coisa que fiz foi iniciar uma pesquisa exaustiva sobre os convocados, a comissão técnica, os adversários, os lugares dos jogos e os locais de treinamento. Sempre acho que estar bem informado é um primeiro passo para saber onde está a notícia. A segunda coisa foi tentar mapear quem seriam as pessoas envolvidas com a seleção— no meu caso— e comecei a procurá-las antes da viagem. Acho isso importante porque depois são elas que vou precisar procurar durante a cobertura. Um exemplo: se o Neymar se machuca e você nunca conversou com o médico da seleção, será difícil que ele te atenda e mais difícil ainda que ele te passe alguma informação sobre isso.
Como foi sua experiência na cobertura da Copa do Mundo em 2014?
Na Copa do Mundo de 2014 eu fiquei 50 dias em Belo Horizonte, cobrindo jogos no Mineirão e treinos das seleções que estavam lá (Argentina, Chile e Uruguai). Também era responsável pela parte política da CBF, o que a gente chama de cobertura de “cartolas” [dirigentes]. Tirei muitas lições observando o trabalho de tantos outros jornalistas que já tinham feito “n” Copas. Uma das coisas que aprendi é que em uma cobertura desse tipo vão ter períodos de calmaria e que o importante é estar preparado para o momento de crise. Foi assim o 7 x 1.
Quais são os maiores desafios neste tipo de cobertura e como você lida com eles?
O maior desafio de uma cobertura assim é de você conseguir contar histórias diferentes dos outros. As notícias ficam quase todas em cima dos resultados dos jogos, dos acontecimentos dos treinos. Por isso, a preparação é tão importante. Vai fazer diferença estar bem informado e com contatos engatilhados. Outro desafio enorme, no caso da cobertura da seleção brasileira, é de sempre manter o olhar crítico, ainda que isso desagrade a CBF ou jogadores ou mesmo com apelo de torcedores para que notícias consideradas “ruins” sejam deixadas de lado para não atrapalhar o desempenho do time. É dar a notícia o tamanho que ela tem, seja considerada boa ou ruim.
Usa algumas ferramentas digitais ou aplicativos para reportagem?
Uso o Evernote para anotações, como banco de dados. Recomendo demais.
Você já sofreu assédio por ser uma mulher jornalista cobrindo esporte. Percebeu alguma melhora com os movimentos #MeToo, #ChegaDeAssédio e #DeixaElaTrabalhar?
Acho que certamente há uma melhora na cobertura esportiva. Seja porque há mais consciência do machismo que existe, seja pela “fiscalização” maior. Um cartola, por exemplo, pode continuar não achando problema em cantar mulheres jornalistas, mas agora diz que não faz mais porque está sendo “patrulhado”. Se o resultado é que não faz mais, já é um ambiente melhor para trabalhar. O ideal será o dia que ele perceber o motivo de isso não ser legal. Mas ainda é assustador chegar na Rússia e ver um número que eu posso chamar de “ridículo” de mulheres na cobertura.
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Imagem da Equipe Folha (da esquerda à direita) Camila Mattoso, Sérgio Rangel e Diego Garcia, por Eduardo Knapp