Entrevista com Ana Magalhães da Calle2: Trazendo novas perspectivas latino-americanas para o Brasil

por Julie Schwietert Collazo
Oct 30, 2018 em Jornalismo digital

A Calle2 lançou uma campanha de crowdfunding em setembro de 2016. Para saber mais clique aqui.

Quando a jornalista Ana Magalhães deixou sua posição de repórter na Folha no início do ano passado, ela fez o que muitos de seus colegas americanos têm feito recentemente: desertar da imprensa tradicional para lançar uma publicação online independente e autofinanciada.

Para Ana, a escolha foi relativamente simples. Junto com seus cofundadores, os jornalistas Guilherme Soares Dias e Julio Simões e o programador de Bruno CavenaghiAna tinha um sonho de "criar uma publicação original, independente e única". Não era um mero projeto de vaidade; Ana diz que o jornalismo tradicional brasileiro tende a ignorar as histórias humanas mais interessantes da América Latina. Além disso, com jornais cortando páginas e pessoal, há menos espaço para contar essas histórias.

Assim, no dia 25 de novembro, Ana e sua equipe lançaram a revista Calle2. Escrita em português e publicada semanalmente, Ana diz que Calle2 preenche um vazio e tem a intenção de alcançar um objetivo muito maior: a integração jornalística e cultural do Brasil com seus vizinhos de língua espanhola na região. A IJNet falou com Magalhães via e-mail sobre a nova publicação.

IJNet: Pode nos dar um panorama da revista Calle2?

Ana Magalhães: Há sete seções da revista: sociedade, lugres, cultura (cinema, literatura e gastronomia), esporte, fotografia, análise (econômica e política) e pessoas. Nós publicamos entre três e cinco artigos toda quarta-feira. Não temos vídeo ainda, mas faz parte do nosso plano de longo prazo.

Há diversos temas que cobrimos. Nós publicamos um artigo analisando a vitória presidencial do comediante Jimmy Morales na Guatemala, fazendo uma comparação com dois políticos no Brasil que também ficaram famosos na TV. Um deles, Tiririca, também é um comediante e foi o deputado de maior votação no Brasil. Esse artigo tentou responder à pergunta: O que explica esse fenômeno? É a falta de credibilidade dentro da classe política? É um voto antipolítica? Mostra o poder da televisão?

Como a ideia da Calle2 foi desenvolvida? Que espaço pretende preencher no jornalismo brasileiro? 

Nós estávamos lendo e examinando outras publicações latino-americanas que admiramos muito, como Etiqueta Negra e Gatopardo [e] percebemos que há muitas histórias bacanas na América Latina, mas elas raramente ganham espaço na imprensa tradicional no Brasil.

As agências de imprensa e notícias mal publicam acontecimentos atuais e notícias grandes da América Latina; o que cobrem vem principalmente da Venezuela, Cuba e Argentina. [O Brasil] precisava de uma publicação que olhasse para a região com uma nova perspectiva, uma que privilegiasse as questões do dia-a-dia, a gente, manifestações culturais e singularidades que tornam a América Latina uma das regiões mais fascinantes do mundo.

Qual é o objetivo central da Calle2?

A Calle2 é uma revista digital cujo principal objetivo é oferecer uma nova visão da América Latina. Nós atravessamos as fronteiras para mostrar pessoas surpreendentes, lugares, cores e sabores que tornam a América Latina tão interessante.

Nesta revista, você vai encontrar destinos turísticos e pratos incomuns, ruas e cidades que não são bem conhecidos e, principalmente, pessoas e ideias comprometidas com a construção de uma melhor América Latina.

Através de nossos artigos, ensaios, entrevistas, perfis, reportagens, ensaios fotográficos e análises, pretendemos compartilhar histórias positivas da região, bem como as injustiças de uma área que ainda tem muita desigualdade.

Como você descreveria o estado do jornalismo no Brasil agora?

Como é o caso em todos os lugares do mundo, os meios tradicionais de jornalismo estão sendo contestados pela internet. Como resultado, vemos jornais diminuindo o número de páginas, demitindo jornalistas e reduzindo sua cobertura. Além disso, estamos vendo revistas tradicionais, como a Playboy, fechando completamente. Por outro lado, é uma boa notícia que há um boom de projetos de jornalismo independentes aqui, como o nosso.

Você disse que vê o Brasil como um país que realmente não faz parte da América Latina, mesmo que seja parte da formação geográfica da região. Você poderia falar sobre isso um pouco mais, especialmente no que se refere à Calle2?

Quando eu estava morando em Madrid, estudando ciência política, fiz muitos amigos latinos. E, curiosamente, quando saíamos, eles falavam sobre música, filmes e escritores que eu nem conhecia. Foi durante esse tempo que percebi que o resto dos países latino-americanos estão bastante bem integrados uns com os outros, especialmente no que diz respeito à sua cultura compartilhada.

O Brasil é um país tão grande e tem uma rica vida cultural tal que parece que estamos contentes em dedicar-nos a difundir essa riqueza internamente: lemos escritores brasileiros, escutamos a música brasileira. É interessante; não há música argentina ou chilena em nossas estações de rádio -- apenas grupos britânicos, americanos e brasileiros. Neste sentido -- a cultura-- parece que o Brasil ainda tem muito a descobrir no que diz respeito aos nossos países vizinhos.

Esta entrevista foi resumida e editada.

Imagem principal da captura de tela da página principal da Calle2