Educação Midiática: urgência para jovens e mercado para jornalistas

Feb 27, 2023 em Combate à desinformação
Sala de aula

Muita gente não sabe, mas no Brasil, a educação midiática faz parte do currículo escolar. Prevista na Base Nacional Curricular Comum no Brasil (BNCC), o documento determina os conhecimentos e as habilidades essenciais que todo estudante de escolas públicas e privadas tem o direito de aprender. O assunto está, ainda, na pauta do atual governo brasileiro, que criou recentemente um setor voltado aos Direitos na Rede e à Educação Midiática, por meio do Decreto 11.362.

A discussão sobre a Educação Midiática, ou mídia-educação, surgiu nos Estados Unidos e no Canadá, em 1960, frente à preocupação com as manipulações políticas ocorridas por meio de emissoras de rádio e cinema. Em 1990, a Unesco destacou a importância da educação midiática: “Seu objetivo essencial é desenvolver sistematicamente o espírito crítico e a criatividade, principalmente das crianças e jovens, por meio da análise e da produção de obras midiáticas. Visa a gerar utilizadores mais ativos e mais críticos que poderiam contribuir à criação de uma maior variedade de produtos midiáticos.”

Opinião em vez de notícia

A jornalista e educomunicadora Januária Cristina Alves analisa que os jovens sabem pouco a respeito do funcionamento da imprensa, considerando que se informam majoritariamente pelas redes sociais. “O acesso se dá via Instagram, Twitter, Tik Tok, ao invés de ser direto nos sites, nos portais", diz Alves. "Isto é preocupante porque já é a edição da edição da edição. E muitos, inclusive, dizem que é mais fácil acessar as notícias pelo seu influencer predileto. Ou seja, então não é mais notícia, é opinião".

Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)  endossam a fala da jornalista. A pesquisa, realizada em 2021, revela que quase 7 a cada 10 estudantes brasileiros de 15 anos não conseguem diferenciar fatos de opinião. Numa era em que a desinformação corre solta, justamente nas redes sociais, disponibilizar educação nesse sentido é primordial. 

Urgência de professores capacitados

Para cumprir a disciplina de Educação Midiática em sala de aula, nem sempre o professor está preparado. A jornalista Sabrina Generali pesquisa o consumo midiático em ambientes escolares e faz a formação dos professores através de um projeto da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). A pesquisa começou antes da pandemia da Covid 19 e, desde então, já se percebia a defasagem da formação midiática entre os educadores.  “Um professor que costuma consumir sites que geram desinformação e leva isso para sala de aula, ele, enquanto referência, reflete no consumo dos estudantes”. Generali explica que, depois da pandemia e com a necessidade da comunidade escolar se tornar cada vez digital, as escolas perceberam a urgência de preparar os docentes.

Um dos projetos que capacita professores da rede pública e estadual como meio de educar jovens é o Educamídia, do Instituto Palavra Aberta. A iniciativa, baseada na BNCC, tem parceria com Secretarias Estaduais de Educação e oferece cursos e materiais gratuitos para todos os interessados em Educação Midiática. A equipe dispõe de jornalistas e um dos produtos gerados é o Guia da Educação Midiática, que  propõe que a mídia-educação seja inserida em todas as disciplinas, ampliando e reforçando a aprendizagem do que já está no currículo.

Trabalho com alunos do projeto Educamidia
Trabalho com alunos do projeto Educamidia

 

O professor de Ensino Fundamental Peter Rodrigo Trento foi um dos primeiros a participar do Educamídia. “Mudou minha visão quanto a urgência do assunto. A parte midiática é extremamente importante na formação, tanto da criança, quanto do adulto. Nos tempos em que vivemos, onde verdades científicas e feitos são colocados como meias verdades é de enorme importância esse tipo de educação e ter uma visão crítica, entendendo o que recebemos e o que produzimos como mídia”.

O projeto também trabalha a valorização do jornalismo, conforme explica a presidente do Palavra Aberta, Patrícia Blanco. “Na medida que você interpreta e sabe diferenciar o conteúdo, você também valoriza o conteúdo jornalístico feito com método, com ética, com responsabilidade. É um processo que eu chamo de círculo virtuoso, que atende qual é o papel do jornalista, qual é a importância da imprensa numa democracia e como você valoriza essa imprensa.” Patrícia acredita no papel do jornalista como educador midiático. “Por exemplo, o jornalista, quando vai fazer uma cobertura investigativa, pode contar o passo a passo para explicar para o leitor, ouvinte ou telespectador como ele chegou naquela informação.”

E é justamente isso que o Jornal Joca propõe. A publicação é voltada para o público infanto-juvenil e serve de material de apoio para professores em sala de aula. A editora-chefe Maria Carolina Cristianini conta que faz encontros com os leitores explicando como é feito o jornal e como o jornalismo funciona. “Isso é fundamental para começarem a diferenciar o que é opinião de fato, para ter noção de identificar em um texto, em um áudio ou em algo que receba via whatsapp o que ali pode ter um indício do que é notícia falsa, do que é desinformação circulando”.

A iniciativa também ajuda a desenvolver o senso crítico da criança, segundo Cristianini. “A partir do momento que a gente dá oportunidade para o jovem consumir notícias e entender os fatos, ela vai criando um repertório em relação ao mundo para ter a própria opinião sobre diversas coisas.”

Emprego para jornalistas

Para trabalhar com Educação Midiática, os jornalistas encontram oportunidades em ONGs, institutos, além de parcerias com escolas. É importante passar por um processo de capacitação. A jornalista Mariane Maio, por exemplo, trabalhou num projeto da Rede Pública de ensino de todo o Brasil onde dava treinamento e estimulava os professores a entenderem a importância do uso das mídias em sala de aula como instrumento pedagógico.

Maio vê a mistura de educação com comunicação como um campo menos explorado por jornalistas. “Ainda poucos profissionais enxergam como possibilidade. Hoje temos grandes projetos no Brasil que trabalham com o tema para você levar para a sala de aula de uma forma que seja aliada a teoria e a prática", diz ela. "É importante você ter a formação e ter mecanismos e instrumentos para colocar em prática. Isso transforma a educação. Muitos jornalistas escolhem a profissão com esse desejo de transformação e acredito, que por meio da educação, é uma forma disso ser feito.”


Fotos: Instituto Palavra Aberta