“Pergunte aos dados”, eis uma expressão cada vez mais usual no meio jornalístico. No 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado de 27 a 30 de junho em São Paulo, a Abraji manteve seu protagonismo no tema ao realizar a primeira edição do Domingo de Dados.
O quarto dia do evento foi todo dedicado a palestras e oficinas focadas nessa modalidade de jornalismo. “Com esse evento quisemos ampliar nossa atuação nessa área e reforçar nossos laços com a comunidade que se interessa pelo tema”, explica Daniel Bramatti, presidente da Abraji e editor dos Estadão Dados e Estadão Verifica.
Durante oito horas, os participantes se dividiram entre 24 painéis, e o que se pode observar é que não há fórmula mágica para atuar nesse campo. O importante é que cada jornalista encontre o método individual mais adequado à sua rotina e para isso há muitas dicas valiosas. Ponto pacífico é que, tal como o nome de um dos painéis já anunciava, “Jornalismo de Dados é, antes de mais nada, jornalismo”. José Roberto de Toledo, colunista e editor da revista Piauí, foi quem ministrou essa palestra. Segundo ele, é fundamental ter claro o que se quer saber e o que é, de fato, de interesse público ao “entrevistar” os dados.
Entre os conselhos oferecidos por Toledo aos profissionais que pretendem ingressar nessa área está o de resgatar o conteúdo aprendido em matemática - estatística, análises comparadas etc. O motivo: são conhecimentos capazes de auxiliar o repórter a fazer as perguntas certas aos dados. “Acho que todo jornalista escolhe a profissão por achar que não teria matemática no currículo. Aí chega às redações e descobre que toda e qualquer matéria envolve matemática”, brinca Toledo.
A recomendação é endossada por Cecília do Lago e Rodrigo Menegat, jornalistas do Estadão, durante a oficina “Não temam o código! Introdução a programação para jornalistas”. “A verdade é que temos uma relação ruim com a matemática. Parece algo de outro mundo”, diz do Lago ao explicar porque muitos jornalistas não compreendem os programadores, os quais, segundo ela, “têm outra forma de pensar”.
Supere o medo
Menegat sugere que o profissional que pretende se arriscar nessa área perca o medo do que ele apelidou de ‘estagiário marciano’, a programação. “Não tenham medo quando o computador gritar com vocês porque não é um grito, é um pedido de socorro”, alerta e emenda: “A linguagem (da programação) é outra e ela precisa ser dominada.”
Em um cenário em que a busca por maior transparência é fomentada pela sociedade e adotada por empresas, instituições e governos, os profissionais precisam estar preparados para encarar as diversas possibilidades de cruzamentos e conexões resultantes dos dados gerados. “A programação não tem poder de transformar uma matéria ruim em boa. Mas pode transformar uma matéria boa em excelente”, destaca do Lago.
É preciso, então, desenvolver reportagens guiadas por dados de forma clara e atraente para que haja engajamento social. “Quando se trabalha com jornalismo de dados, a gente tem que ser um profissional que busca tanto informar quanto atrair”, destaca Amanda Rossi, repórter da BBC Brasil durante o painel “Como construir uma narrativa atraente com dados”.
Rossi lista cinco passos básicos para o trabalho dos profissionais dessa área:
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1. O acesso a um grande volume de dados
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2. O preparo dos dados para análise
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3. A análise
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4. A infografia para analisar/visualizar os dados
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5. A transformação dos dados em uma boa história
A repórter alerta para que os profissionais deem bastante atenção ao quinto ponto. “[Para construir uma boa história] Primeiro temos de fazer jornalismo além dos dados. A gente não para neles [nos dados], eles são o ponto de partida”, ressalta. Isso significa que os processos que envolvem uma reportagem tradicional não devem ser deixados de lado. É fundamental apurar, investigar, checar e entrevistar outras fontes.
O objetivo é desenvolver um lead forte, contar histórias atraentes a partir dos dados e construir uma boa narrativa visual. “Isso é algo que mudou. Antigamente eles [dados] eram os protagonistas. Hoje a gente tem jornalismo de dados sem os dados serem protagonistas”, diz ao lembrar que histórias e formatos podem, de forma simples, ocupar esse papel sem prejuízo ao que foi obtido a partir dos dados.
Especialize-se
“A agulha que a gente procurava com a ajuda de um bloquinho e uma caneta, hoje a gente tem de achar em um palheiro que é cada dia maior. Mas a agulha não mudou de tamanho”, destaca Toledo, da Piauí.
Em um ambiente em que o repórter precisa ter a habilidade de procurar a informação em um universo gigantesco de dados, outra dica valiosa é se especializar. Cecília do Lago conta que quando começou a trabalhar com dados, buscou apoio em comunidades voltadas a mulheres como a Rladies (existentes em diversas cidades) e a Pyladies.
Bramatti, da Abraji, concorda. Para ele, em um ambiente no qual muitas pautas podem ser enriquecidas pelo que é informado pelos dados, é cada vez mais importante para os profissionais terem conhecimentos básicos de como trabalhar nessa área.
"O jornalismo de dados tende a ser menos uma atividade de nicho e mais um atributo básico da profissão”, prevê.
O que rolou no Domingo de Dados e em outras oficinas do Congresso você pode conferir aqui (em português).
Imagem da apresentação de Amanda Rossi, "Como construir uma narrativa atraente com dados”, em São Paulo, onde foi realizado o Congresso da Abraji, cortesia de Kalinka Iaquinto