Domingo de Dados: Lições do dia extra de oficinas no Congresso da Abraji

por Kalinka Iaquinto
Jul 8, 2019 em Jornalismo de dados
Amanda Rossi

“Pergunte aos dados”, eis uma expressão cada vez mais usual no meio jornalístico. No 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado de 27 a 30 de junho em São Paulo, a Abraji manteve seu protagonismo no tema ao realizar a primeira edição do Domingo de Dados.

O quarto dia do evento foi todo dedicado a palestras e oficinas focadas nessa modalidade de jornalismo. “Com esse evento quisemos ampliar nossa atuação nessa área e reforçar nossos laços com a comunidade que se interessa pelo tema”, explica Daniel Bramatti, presidente da Abraji e editor dos Estadão Dados e Estadão Verifica.

Durante oito horas, os participantes se dividiram entre 24 painéis, e o que se pode observar é que não há fórmula mágica para atuar nesse campo. O importante é que cada jornalista encontre o método individual mais adequado à sua rotina e para isso há muitas dicas valiosas. Ponto pacífico é que, tal como o nome de um dos painéis já anunciava, “Jornalismo de Dados é, antes de mais nada, jornalismo”. José Roberto de Toledo, colunista e editor da revista Piauí, foi quem ministrou essa palestra. Segundo ele, é fundamental ter claro o que se quer saber e o que é, de fato, de interesse público ao “entrevistar” os dados.

Entre os conselhos oferecidos por Toledo aos profissionais que pretendem ingressar nessa área está o de resgatar o conteúdo aprendido em matemática - estatística, análises comparadas etc. O motivo: são conhecimentos capazes de auxiliar o repórter a fazer as perguntas certas aos dados. “Acho que todo jornalista escolhe a profissão por achar que não teria matemática no currículo. Aí chega às redações e descobre que toda e qualquer matéria envolve matemática”, brinca Toledo.

A recomendação é endossada por Cecília do Lago e Rodrigo Menegat, jornalistas do Estadão, durante a oficina “Não temam o código! Introdução a programação para jornalistas”. “A verdade é que temos uma relação ruim com a matemática. Parece algo de outro mundo”, diz do Lago ao explicar porque muitos jornalistas não compreendem os programadores, os quais, segundo ela, “têm outra forma de pensar”.

Supere o medo

Menegat sugere que o profissional que pretende se arriscar nessa área perca o medo do que ele apelidou de ‘estagiário marciano’, a programação. “Não tenham medo quando o computador gritar com vocês porque não é um grito, é um pedido de socorro”, alerta e emenda: “A linguagem (da programação) é outra e ela precisa ser dominada.”

Em um cenário em que a busca por maior transparência é fomentada pela sociedade e adotada por empresas, instituições e governos, os profissionais precisam estar preparados para encarar as diversas possibilidades de cruzamentos e conexões resultantes dos dados gerados. “A programação não tem poder de transformar uma matéria ruim em boa. Mas pode transformar uma matéria boa em excelente”, destaca do Lago.

É preciso, então, desenvolver reportagens guiadas por dados de forma clara e atraente para que haja engajamento social. “Quando se trabalha com jornalismo de dados, a gente tem que ser um profissional que busca tanto informar quanto atrair”, destaca Amanda Rossi, repórter da BBC Brasil durante o painel “Como construir uma narrativa atraente com dados”.

Rossi lista cinco passos básicos para o trabalho dos profissionais dessa área:

  1. 1. O acesso a um grande volume de dados 

  2. 2. O preparo dos dados para análise 

  3. 3. A análise

  4. 4. A infografia para analisar/visualizar os dados 

  5. 5. A transformação dos dados em uma boa história 

A repórter alerta para que os profissionais deem bastante atenção ao quinto ponto. “[Para construir uma boa história] Primeiro temos de fazer jornalismo além dos dados. A gente não para neles [nos dados], eles são o ponto de partida”, ressalta. Isso significa que os processos que envolvem uma reportagem tradicional não devem ser deixados de lado. É fundamental apurar, investigar, checar e entrevistar outras fontes.

O objetivo é desenvolver um lead forte, contar histórias atraentes a partir dos dados e construir uma boa narrativa visual. “Isso é algo que mudou. Antigamente eles [dados] eram os protagonistas. Hoje a gente tem jornalismo de dados sem os dados serem protagonistas”, diz ao lembrar que histórias e formatos podem, de forma simples, ocupar esse papel sem prejuízo ao que foi obtido a partir dos dados.

Especialize-se

“A agulha que a gente procurava com a ajuda de um bloquinho e uma caneta, hoje a gente tem de achar em um palheiro que é cada dia maior. Mas a agulha não mudou de tamanho”, destaca Toledo, da Piauí.

Em um ambiente em que o repórter precisa ter a habilidade de procurar a informação em um universo gigantesco de dados, outra dica valiosa é se especializar. Cecília do Lago conta que quando começou a trabalhar com dados, buscou apoio em comunidades voltadas a mulheres como a Rladies (existentes em diversas cidades) e a Pyladies.

Bramatti, da Abraji, concorda. Para ele, em um ambiente no qual muitas pautas podem ser enriquecidas pelo que é informado pelos dados, é cada vez mais importante para os profissionais terem conhecimentos básicos de como trabalhar nessa área.

"O jornalismo de dados tende a ser menos uma atividade de nicho e mais um atributo básico da profissão”, prevê.

O que rolou no Domingo de Dados e em outras oficinas do Congresso você pode conferir aqui (em português).


Imagem da apresentação de Amanda Rossi, "Como construir uma narrativa atraente com dados”, em São Paulo, onde foi realizado o Congresso da Abraji, cortesia de Kalinka Iaquinto