Diretrizes para transformar a cobertura de crimes

Mar 28, 2024 em Temas especializados
Yellow police lines that reads crime scene do not cross

A cobertura de crimes está passando por uma transformação em muitas redações. A máxima "espreme que sai sangue" está sendo reformulada para o jornalismo de segurança pública.

Minneapolis Star Tribune é um ótimo exemplo. "Contexto e história precisam andar juntos nas reportagens sobre crimes na nossa comunidade. Trata-se de informar o público para que ele possa fazer boas escolhas em relação à sua segurança", diz Kyndell Harkness, chefe de cultura e comunidade no Star.

Um curso online, "Transformando a Cobertura Local de Crimes em Jornalismo de Segurança Pública", oferecido pelo Poynter Institute, motivou a mudança na editoria de crimes. "Nós já estávamos seguindo por esse caminho, mas o curso nos deu estrutura de uma forma que precisávamos na época", diz Harkness, que fez o curso quando ele foi oferecido pela primeira vez, em 2022.

Até hoje, 65 veículos participaram do curso; outros 21 se inscreveram em março. A formação é aberta somente a veículos dos EUA.

Hábitos comuns, como o uso de fotos de fichas criminais e releases da polícia como únicas fontes de informação, estão sendo revistas. O Star Tribune não publica mais fotos de fichas criminais a não ser que, após discutir com um superior, a pauta seja considerada de "valor noticioso excepcional" – por exemplo, uma ameaça corrente ao público, um crime motivado pelo ódio, uma pauta nacional importante que envolva membros notáveis da comunidade.

"É importante observar que esse é o nosso ponto de partida. Nós sabemos que essas mudanças vão sofrer alterações ao longo do tempo. Nós falamos sobre como elas vão ser documentos vivos que vão crescer com a gente", diz Harkness, que trabalha no Star há 23 anos. Há também um esforço para reportagens mais explicativas e dados demográficos sobre o crime na cobertura.

Harkness destaca uma matéria do Star de setembro de 2023 que usou dados para mostrar que crimes violentos – assassinato, lesão corporal, estupro e assalto à mão armada – estavam nos níveis mais baixos desde 2020 em algumas áreas de Minneapolis. A matéria explorou as razões, tais como a polícia ter retirado mais armas das ruas e o combate à violência de gangues.

"Nós mostramos como era e como está hoje. Usamos dados para orientar a matéria", diz Harkness.

Dentre a lista de objetivos do curso do Poynter estão:

  • Cobrir as causas subjacentes que contribuem com a criminalidade, tais como questões econômicas, educação, acesso à assistência à saúde, políticas de habitação com custo acessível, tratamentos para o vício e para saúde mental;
  • Descrever tendências usando dados demográficos e CEPs para que as pessoas possam entender os riscos em certas áreas;  
  • Identificar como a cobertura jornalística molda a opinião pública o que, em contrapartida, molda as políticas públicas.

Cheryl Thompson-Morton, uma das profissionais à frente do curso, define a cobertura tradicional de crimes como "matérias isoladas sobre crimes que só incluem perspectivas de aplicação da lei, contextualizam pouco as tendências de crimes e falham em fazer um acompanhamento para entender as raízes e soluções. Isso é o que estamos tentando mudar".  

Ela elaborou as seguintes perguntas a serem exploradas pelos jornalistas:

  • Comece com a missão: por que sua redação está cobrindo crimes? Qual promessa você quer fazer para a sua audiência?
  • Em que ponto está a sua cobertura no momento? Como seria a sua cobertura se você fosse bem-sucedido? 
  • O que você precisa fazer para sair do estado atual da sua cobertura de crime para chegar ao ponto onde você deseja estar no futuro? Discuta as táticas.
  • Quais partes interessadas você precisa envolver para que essa mudança seja bem-sucedida? Como você pode convencê-los a adotar o processo?
  • Como obter dados e usá-los para expandir as discussões sobre tendências em segurança pública nas nossas comunidades em vez de incidentes individuais?
  • Como nossa relação com a aplicação da lei precisa mudar? Como podemos acrescentar uma cobertura orientada por traumas na nossa abordagem? 
  • Como informamos essas mudanças à nossa audiência?

Recursos para jornalistas

Embora não existam respostas prontas, essas perguntas servem como guias para instigar a mudança. A seguir estão outros recursos que podem ajudar:

  • The Marshall Project: foco na cobertura de justiça criminal. Ao falar com a mídia em uma conferência em 2023, a diretora do projeto, Carroll Bogert, observou que "os veículos estão adotando uma variedade de políticas para tentar melhorar a cobertura. Algumas são tentativas de equilibrar o lado 'segundo a polícia' da narrativa". 

Entre outras mudanças, ela citou:

  • Abrir mão da cobertura de crimes menos sérios ou insignificantes;
  • Não publicar fotos de ficha criminal ou, quando o fizer, instituir um processo pelo qual a pessoa pode remover sua imagem;
  • Cobrir somente casos que valem a pena serem acompanhados.

O site do projeto publica textos que vão além do comum com temas, fontes e dados.

  • Radio, Television, Digital, News Associação (RTDNA): diretrizes para ajudar a repensar as editorias de crime. A RTDNA recomenda atualizar ou remover versões digitais de matérias quando for solicitado se o caso tiver sido arquivado, se as queixas tiverem sido retiradas ou se o tempo do caso ou condições atenuantes tiverem criado um ambiente diferente para a vítima e/ou o acusado; 
  • The Crime Report: esforço colaborativo do Center on Media, Crime and Justice, um centro de pesquisa "orientado pela prática" sobre cobertura de crime e justiça; e do Criminal Justice Journalists (CJJ), organização de jornalistas especializados em crime.

De acordo com o site oficial, o CJJ "opera uma lista de emails diária para jornalistas que cobrem justiça criminal, desenvolve guias especiais e casos de estudo para repórteres sobre temas de cobertura de justiça criminal e produz a única compilação de notícias de justiça criminal do país, selecionadas a partir de centenas de veículos jornalísticos pelo país".   


Foto por kat wilcox via Pexels.