Dicas para entrevistar refugiados com respeito e compaixão

Oct 30, 2018 em Temas especializados
Fila de pessoas no campo

O mundo está enfrentando a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Um recorde de 60 milhões de pessoas estão em fuga de regiões atormentadas pela violência na Ásia, África e Oriente Médio, segundo as Nações Unidas, e não há fim à vista.

Os jornalistas estão preparados para cobrir as vítimas e sobreviventes da violência mais terrível do século 21 até agora? Os desafios são grandes.

Como um repórter deve pedir para as pessoas sofrendo com o horror, choque e medo contarem seu calvário? Existe uma melhor maneira de abordar sobreviventes de violência traumática? Qual é o bom senso para se intrometer na dor privada?

Eu contemplava essas perguntas em junho de 1999 enquanto estava sentada em uma tenda com kosovares que se arriscaram por montanhas traiçoeiras para escapar soldados sérvios saqueadores. Eles encontraram segurança na fronteira com Blace, Macedônia, onde milhares foram registrados, alimentados e abrigados.

Fiquei angustiada sobre como conduzir entrevistas sem traumatizá-los novamente. Eu deveria pressionar por detalhes sobre a brutalidade que testemunharam? Se eles choravam, eu deveria parar? Que conforto eu poderia oferecer? Eu me guiei pelo lema: "Acima de tudo, não faça mal."

Durante dois dias, ouvi relatos de aldeias incendiadas, estupro de mulheres locais e execuções generalizadas. Às vezes, eu chorava com eles e aliviava minha consciência, oferecendo nozes, chá e figos secos.

Em Blace, eu assisti incrédula, quando um repórter se aproximou de um grupo de jovens mulheres refugiadas e perguntou: "Alguém na sua aldeia foi estuprada?" Elas caíram em lágrimas e fugiram. Práticas ruins podem causar um grande dano.

O que segue são as melhores práticas para entrevistar as vítimas e sobreviventes da violência segundo o Centro Dart para Jornalismo e Trauma, a Federação Europeia de Jornalistas (FEJ) e outros especialistas.

Em fevereiro, o Centro Dart postou dicas sobre a cobertura da crise de refugiados, incluindo técnicas de entrevista da psicóloga britânica Katy Robjant, que trabalha com sobreviventes de violações de direitos humanos, e quatro jornalistas experientes no assunto.

Robjant sublinhou a importância de reconhecer sinais de trauma.

"Se começam a chorar, se a respiração se acelera, ou se você detectar que estão olhando para a porta ou ao redor da sala, pode ser um sinal de que não se sentem seguros -- ou que o que você está falando está fazendo-lhes lembrar do trauma de uma forma negativa", disse Robjant. "Você tem que dar um passo para trás e perguntar se estão bem para continuar a entrevista, ou se você pode fazer qualquer coisa para fazê-los se sentirem mais seguros."

Ela exorta jornalistas a "fazer todos os esforços" para dar o controle aos entrevistados, tornando claro que não têm que responder a perguntas e podem terminar a entrevista a qualquer momento.

No artigo do Centro Dart, Raniah Salloum, editora político do Spiegel Online na Alemanha, aconselha jornalistas a "verem pessoas, não refugiados". Trabalhar com empatia e respeito, não com piedade e condescendência."

Nessa mesma linha, em um blog de dezembro de 2015, a FEJ destacou a importância de compartilhar sentimentos humanos durante as entrevistas. A recompensa: "A qualidade da informação depende da sua capacidade para desenvolver confiança."

Um guia, "Covering Trauma" (Cobrindo Trauma), produzido pela Radio for Peacebuilding Africa, oferece conselhos gerais para a compreensão dos efeitos do trauma e fornece dicas de entrevista. Aqui está uma amostra:

  • "Trauma acontece com as pessoas sem a permissão delas. O jornalismo responsável deve se certificar, em todas as fases de elaboração de reportagem e redação da matéria, que os sobreviventes estão dando sua permissão livremente. Ninguém deve se sentir intimidado em uma entrevista."
  • "Não comece com perguntas difíceis. Pergunte aos sobreviventes de trauma sobre si mesmos e obtenha alguma impressão de suas vidas antes de perguntar sobre o seu momento mais vulnerável. Se você está entrevistando o sobrevivente de um massacre de uma aldeia, pode começar dizendo, 'Conte-me sobre a sua aldeia antes da violência'. Isto ajudará a deixá-los à vontade."

Um pensamento final: realizei workshops sobre entrevistas de vítimas de violência e escrevi sobre o tema para o manual "Disaster and Crisis coverage" (Cobertura de Desastre e Crise) do ICFJ. Uma das minhas melhores dicas é nunca perguntar: "Como você se sente?" E nunca diga: "Eu sei o que você deve estar sentindo."

Simplesmente apresente-se e diga, "Eu sinto muito pela sua perda" ou "Eu sinto muito pelo que você está passando". Reviver o trauma tem um preço. Diga para as vítimas o quanto você aprecia sua disponibilidade de compartilhar sua história.

Bondade e simples atos de generosidade -- oferecer uma garrafa de água ou ajudar a carregar um pacote pesado -- vai longe para a construção de confiança nesta população vulnerável.


Imagem principal sob licença CC no Flickr via United Nations Photo