Mais de 31.000 pessoas foram mortas devido à violência armada nos Estados Unidos somente em 2022. Durante o mesmo período, quase 17.000 morreram por suicídio por meio de armas, e ocorreram mais de 480 tiroteios em massa —quando há a morte de três ou mais pessoas em um mesmo tiroteio — neste ano.
Muitas pessoas ouvem falar de determinados tiroteios em massa, mas a verdade é que nem todo incidente — especialmente a violência armada diária — é coberto pelas redações. Consequentemente, a percepção pública pode subestimar a escala de sua severidade.
A violência armada não é apenas uma preocupação dos Estados Unidos; ela afeta outros países também, principalmente na América Central e do Sul.
Durante um webinar do Fórum de Reportagem de Crise Global do ICFJ intitulado "Violência Armada e Como Cobrir o Assunto", Abené Clayton, uma das principais repórteres da série Guns and Lies, do The Guardian US, focada em violência armada na Califórnia, apresentou ferramentas e orientações sobre como jornalistas podem melhorar sua cobertura.
Tornando-se um repórter da cobertura de violência armada
No início de sua carreira, Clayton cobria encontros municipais e iniciativas como esforços para oferecer alimentação e estimular o desenvolvimento comunitário. "Eu nunca planejei cobrir violência armada", ela relembra. "O assunto sempre retornava no estilo 'talvez ajudaria se reduzisse a violência armada também.'"
Clayton começou a cobrir violência armada em 2019, focando em sua cidade natal de Richmond, Califórnia, onde ela cobriu as comunidades mais impactadas por tiroteios e homicídios.
"Eu cresci sabendo que a violência armada existia. Em uma certa idade você começa a ouvir falar sobre pessoas jovens baleadas e mortas. Eu estava acostumada a ouvir tiroteios e sempre soube que ela afetava mais as pessoas que se pareciam comigo", disse Clayton, que é negra.
Clayton observou que a maior parte da violência armada está em uma escala menor que os tiroteios em massa. "Suicídios [correspondem à] maior parte da violência armada nos Estados Unidos; é superior a 50%. Depois disso temos o que chamamos de violência armada em comunidades", que tem mortes relacionadas a armas desproporcionais em bairros específicos, particularmente em populações carentes negras e hispânicas. "Estes são os casos aos quais me refiro quando falo de violência armada."
"De modo mais amplo, estou falando sobre violência em comunidades especificamente", ela diz. "Minha colega, Lois Beckett, repórter sênior do The Guardian, viu um fenômeno semelhante acontecer onde havia este foco muito intenso em tiroteios de massa que ofuscava a violência armada diária que as pessoas vivenciam."
Beckett decidiu se candidatar a um subsídio da California Wellness Foundation para financiar a série Guns and Lies, que está em curso há nove meses.
Como manter uma cobertura relevante de mortes por armas de fogo
A violência armada é um problema urgente, porém pode ser difícil produzir reportagens que repercutem entre os leitores.
Uma abordagem sugerida por Clayton é, a cada poucos meses, analisar e produzir um resumo dos incidentes de violência armada que podem ter ficado de fora do noticiário, e inclusive falar com as pessoas envolvidas ou afetadas. "Eu descobri que essa é uma maneira bem-sucedida de manter as coisas frescas e avançar", disse.
Os repórteres também devem focar sua cobertura nas pessoas que frequentemente são ignoradas nas notícias. "Eu acho que histórias de pessoas pobres, pretas e pardas, não foram contadas o bastante. É uma área que percebi que é sempre nova. As pessoas sempre se surpreendem quando eu consigo um relato em primeira pessoa de alguém que perdeu o filho ou a filha", disse.
Há frequentemente a oportunidade de ir mais fundo na cobertura de grandes eventos para além das manchetes principais. Se houve um tiroteio em massa, por exemplo, considere o que a comunidade vivenciou em termos de violência armada além do evento em si. "Como um repórter, você pode visitar comunidades vizinhas ou observar dados do estado ou do condado, vendo onde a violência armada está mais concentrada. Essas são as pessoas que estão tentando fazer algo a respeito", disse Clayton.
Há poucas semanas, Clayton trabalhou em um outro ângulo de reportagem, focando no crescimento de tiroteios em rodovias. "Não é sempre que de fato ouvimos relatos diretos das pessoas que são afetadas, e ouvimos das forças de segurança por que aquilo está acontecendo", disse.
Politização das reportagens sobre violência armada
Os jornalistas devem priorizar colocar a vítima no centro de suas matérias, aconselhou Clayton. "Eu vi uma matéria sobre um jovem que foi baleado e morto em Los Angeles [cujo] pai é um ativista observador de policiais", disse. "Tinha pouca coisa sobre a vítima nas notícias [e] o que a família dele tinha a dizer, mas muita cobertura focada em esforços para remover o apoio financeiro da polícia."
Devido ao caráter polarizador da questão, os veículos podem ter diferentes conjuntos de valores e perspectivas em relação à cobertura da violência armada. Se este for o caso, repórteres devem sempre priorizar a independência jornalística, aconselha Clayton. Acima de tudo, foque nos fatos e detalhes da sua pauta.
"Se você está cobrindo violência armada e teme ser parte do circo [da cobertura com politização do tema], contanto que os seus dados estejam certos [e] você tenha verificado as informações e conversado com criminologistas e forças de segurança, então você tem as bases para uma matéria bem infalível", disse.
Foto por Chip Vincent via Unsplash.