Desinformação migratória é questão urgente na cobertura jornalística

Sep 3, 2024 em Combate à desinformação
Carimbo passaporte

O tema da migração passa por diversas complexidades em termos políticos, sociais, econômicos e ambientais. É também um assunto impregnado por desinformação. Neste sentido, como a cobertura jornalística pode contribuir para a melhora de vida dessa população?

Para a jornalista Vanessa Vieira, uma das fundadoras do Correio do Lavrado, veículo digital de Roraima, a questão migratória é assunto constante. O estado brasileiro faz divisa com a Venezuela e nos últimos anos o processo de entrada de venezuelanos só aumentou. “Nós sempre tentamos abordar a migração de um ponto de vista humanitário mesmo, de contar histórias de pessoas”, diz.

Removendo preconceitos 

A jornalista destaca que há um cuidado maior ao abordar o assunto por causa do contexto político mais conservador do estado. “Já vimos muitos veículos de comunicação noticiando um roubo como se fosse uma pessoa de origem venezuelana, sem a devida  identificação ou apuração. Qual é a necessidade de colocar na manchete da matéria que é aquela pessoa que praticou um furto era venezuelana? Quando é um brasileiro, a gente coloca isso na manchete?”, questiona.

Rodrigo Delfim, editor do Migramundo, site especializado na cobertura de migração desde 2012, faz uma análise das mudanças da visão do jornalismo sobre o tema. “Dizer que não teve uma evolução na qualidade da cobertura da migração no jornalismo brasileiro seria bastante leviano", pondera ele. "Mas acho a cobertura ainda problemática, com muita reprodução de discursos oficiais - e muitas vezes xenófobos, hostis à migração - tanto do Brasil quanto do exterior, sem um devido contraponto". Delfim considera ainda que por conta da migração haitiana e venezuelana dos últimos anos, jornalistas e veículos se viram obrigados a lidar com mais responsabilidade sobre a temática.

Migrante não pode ser bode expiatório

Um dos desafios principais é uma narrativa sobre o migrante e a migração que distorce a identidade o coloca como uma espécie de bode expiatório. “Isso é muito explorado por grupos de ultradireita em países do Norte global e que ressoam junto a grupos mais conservadores por aqui também", destaca Delfim.  

"Além disso, ainda há uma imagem de que migrantes de países europeus são mais úteis do que os que vêm de países do Sul global, que são a maioria entre os que se deslocam. E essas narrativas, em diferentes níveis, aparecem na mídia e ganham espaço junto à opinião pública”. Para lutar contra essa narrativa deturpada, Delfim acredita que o grande antídoto é a informação de qualidade.

Que tal pautar a contribuição cultural?

Outra forma é destacar a contribuição cultural geral pelos migrantes. “Seja pela gastronomia, pela dança, música ou outras manifestações culturais, você consegue destacar um valor, uma contribuição bastante palpável para a sociedade em geral”, diz Delfim. No MigraMundo, ele explica que sempre que possível traz o migrante como uma fonte. “Apto a falar de si próprio e como um sujeito de direitos e deveres, tal como qualquer outro cidadão residente no Brasil, independente da nacionalidade".

Vieira concorda e diz que uma boa apuração é a arma contra a desinformação. “O que a gente apurou, colheu de dados, entrevistas já serve como contraponto ao que costuma ser disseminado como mentira contra migrantes”, diz. As fontes que o Correio mais utiliza nesse sentido são os canais oficiais do governo brasileiro e também muitas organizações do terceiro setor que fazem trabalhos na área. “Então, nós temos um grande vínculo com as agências da ONU, com a Organização Internacional para Migrações, por exemplo.”, explica.

Exemplo em Portugal 

O DN Brasil é um veículo criado recentemente e voltado para brasileiros em Portugal. Eles adotam uma abordagem diferenciada, focando no jornalismo de serviços e soluções. "Nosso objetivo é ser essencial na vida dos leitores, oferecendo informações práticas e detalhadas em português do Brasil, mas sempre explicando os termos equivalentes em Portugal", afirma Amanda Lima, editora-chefe da publicação.

A equipe enfrenta desafios, como a lentidão nas respostas oficiais do governo português, o que dificulta a produção de matérias em tempo hábil. "O tempo da desinformação nas redes sociais é muito mais rápido do que o das respostas que podemos oferecer", diz Amanda. Outro desafio é conquistar a confiança dos migrantes, muitos dos quais temem represálias e, por isso, hesitam compartilhar suas histórias. Além disso, há a difusão de notícias fantasiosas por conta de influenciadores que vendem uma imagem idealizada de Portugal. "Nosso foco é nos fatos, mesmo que isso não seja o que muitos querem ouvir", reforça.

Diante da desinformação crescente e da xenofobia com brasileiros no país europeu, o veículo oferece não apenas notícias, mas também orientações práticas para o público. Entre as iniciativas, está o quadro "Pergunte ao Advogado", onde os leitores podem enviar suas dúvidas para serem respondidas por profissionais do direito. “Acreditamos que é também uma maneira de combater a desinformação, especialmente com as burocracias e mudanças nas regras em Portugal.”


Foto: Canva