Como o jornalismo de dados está decolando na Venezuela

por Phillip Smith
Oct 30, 2018 em Segurança Digital e Física

No final de nove dias emocionantes mas cansativos em três cidades venezuelanas, eu assisti a 30 jornalistas apresentarem o início de pelo menos oito diferentes projetos de jornalismo de dados que procuram responder a perguntas importantes sobre os desafios do país.

Com base no que eu vi nessas apresentações, os próximos meses e anos vão ser um tempo empolgante para o jornalismo de dados na Venezuela.

Treinamento intensivo de dados para jornalistas

O IPYS Venezuela --uma organização que promove e defende a liberdade de expressão, o jornalismo investigativo e acesso à informação-- com financiamento do Fundo Canadense para Iniciativas Locais, recentemente organizou dois workshops de dois dias para jornalistas e designers que trabalham em organizações de notícias. As oficinas focaram em habilidades geralmente agrupadas sob o título de "jornalismo de dados".

Para desenvolver as oficinas, trabalhei em estreita colaboração com dois colegas: o genial cartógrafo Hugh Stimson de Vancouver e a premiada jornalista investigativa Emilia Díaz-Struck. Nós nos esforçamos para desenvolver um currículo que equilibrasse fazer com aprender, compondo um boot camp de dois dias em que todos os participantes apresentassem um trabalho no final do segundo dia.

Nós três nos revezamos apresentando o fluxo de trabalho típico para uma matéria investigativa que incorpora encontrar, explorar e limpar dados, bem como várias abordagens para mapeamento e visualização de dados simples. Nas semanas que antecederam as oficinas, nós divulgamos um pedido amplo por recursos específicos para a Venezuela e, mais amplamente, a América Latina de língua espanhola, e esperamos que o resultante Google Doc --editado colaborativamente e com contribuições de mais de 20 pessoas diferentes (NICARianos obrigado)-- continue a evoluir como um baú de tesouros inicial para os jornalistas que trabalham na América Latina. (Os slides da oficina também estão online aqui.)

Saindo de Caracas

Seguindo os passos de uma semelhante oficina/bootcamp em Caracas --que trouxe estrelas como Alastair Dant (New York Times), Miguel Paz ( Poderopedia, Knight International Journalism Fellowship do ICFJ) e Mariana Santos (Chicas Poderosas, La Nación de Costa Rica, Knight International Journalism Fellowship)-- Hugh, Emilia, e eu nos esforçamos para trazer um pouco dessa magia e, mais ainda, dessas ideias, para jornalistas que trabalham em Maracaibo (cidade conhecida por seu famoso Patacón) e Valencia (conhecida pela carne).

Maracaibo e Valencia são grandes cidades, cada uma com populações metropolitanas com mais de dois milhões e lutando com os mesmos desafios que são enfrentados na capital, Caracas. Na maior parte, o aumento das taxas de homicídio, que resultam em ruas desertas que são assustadoramente tranquilas à noite, bem como a escassez de produtos básicos como leite, açúcar, farinha de milho, papel, baterias e pneus de carro. É comum ver grandes filas se formarem na frente de supermercados no início da manhã quando as pessoas se preparam para esperar por várias horas para aumentarem suas chances de comprar o básico.

Desafios igualmente urgentes são enfrentados por muitas grandes empresas na Venezuela, pois estas lidam com um sistema de câmbio e moeda altamente controlados e disfuncionais que impedem muitas de obter os dólares norte-americanos ou euros necessários para fazer negócios no exterior. Alguns exemplos recentes incluem a suspensão repentina de voos para Venezuela por algumas companhias aéreas estrangeiras, bem como a suspensão de venda de bilhetes aéreos na Venezuela por várias companhias. Da mesma forma, nas últimas semanas, vários jornais e revistas do país enfrentaram um obstáculo único: a repentina falta de papel para imprimir.

Transparência nebulosa com um lado positivo

A oportunidade para estas oficinas foi de compartilhar e demonstrar práticas de jornalismo de dados com profissionais que trabalham em um país que tem uma história de grandes reportagens investigativas e parece precisar delas mais do que nunca agora.

Ao contrário da premiada equipe de jornalismo investigativo de dados do jornal La Nación na vizinha Costa Rica, onde, segundo Mariana Santos, há um acesso muito bom às leis de informação e transparência, os jornalistas que trabalham na Venezuela enfrentam desafios quase hercúleos na obtenção de registros eletrônicos do governo. A ONG Transparência Internacional, que observa a corrupção mundial, classificou a Venezuela no 160 º lugar entre 170 países em termos de corrupção e "outros indicadores de governança e desenvolvimento".

Na hora de escrever este post, recebi a notícia de que violentos confrontos aconteceram nas ruas de Caracas --deixando vários mortos-- assim como ameaças contra os jornalistas e a mídia (tudo registrado pela IPYS Venezuela) .

No entanto, mais e mais informações do governo estão aparecendo online, embora --como em muitos outros países-- são encontradas com mais frequência em tabelas de HTML, PDFs ou documentos de Excel mal formatados. De certa forma, as "noções básicas de jornalismo de dados " propriamente ditas --ou seja, a extração e limpeza de dados-- são quase mais diretamente aplicáveis em países como a Venezuela, onde o governo não se moveu em direção ao acesso aberto e feeds de dados vivos.

Dias brilhantes no futuro da Venezuela

No final da semana, eu senti que conseguimos um impacto significativo. Dividimos uma variedade ampla de fluxos de trabalho e ferramentas --como pesquisar sobre um indivíduo ou empresa no sistema judicial da Venezuela ou outros sites do governo, como geocodificar endereços (mesmo quando são inconsistente formatados) e verificar os resultados, como extrair textos ou tabelas de PDFs, como extrair dados de redes sociais e rapidamente analisar os resultados, como explorar e limpar os dados resultantes, e como apresentar pontos de dados em mapas para impressão ou para a Web, ou através de visualizações simples fornecendo contexto-- e ajudamos cada equipe de participantes ao longo do processo, da concepção à execução.

Os resultados foram impressionantes: uma história visual da violência na Venezuela, a relação entre Venezuela e Colômbia no tráfico de cocaína, análise de várias epidemias e surtos, rastreamento ao vivo de quanto tempo navios esperam nos portos para descarregar produtos muito necessários como o açúcar, uma investigação sobre a falta de papel para jornais, uma análise no Twitter dos candidatos de uma eleição recente, e uma pesquisa profunda na rede por trás de vários venezuelanos que foram acusados ​​nos Estados Unidos de crimes financeiros (um assunto que não foi coberto bem na própria Venezuela). Não tenho dúvida nenhuma de que vamos ver muitos desses projetos publicados online ou em papel por muitas das organizações de notícias que participaram.

Emilia e eu também colaboramos durante toda a semana para liberar a muito referenciada CADIVI (Comissão de Administração de Divisas) de sua prisão, um PDF de mais de 150 páginas com mais de 10.000 linhas de dados, que abrange empresas que recebem dólares norte-americanos do governo (agradecemos muito a Manuel Aristarán por sua ajuda com a ferramenta Tabula). Depois de muita verificação e limpeza dos dados, o documento está agora online como uma tabela pesquisável e classificável muito básica com o código de fonte online para que possa ser melhorada.

Para completar essa experiência, cheguei na Cidade do México a tempo de assistir a um encontro do Hacks/Hackers, onde Santos e Giannina Segnini (da equipe de investigação do jornal La Nación de Costa Rica e fundadoras da Chicas Poderosas) estavam apresentando uma tour de force sobre que o jornalismo de dados é hoje e o que pode ser amanhã. Foi o final perfeito para uma experiência profunda e já me deixou com muito para pensar.

Nas próximas semanas, espero ser capaz de compartilhar algumas das apresentações dos participantes, escrever lições aprendidas e refletir sobre realidades para jornalistas que trabalham na Venezuela e na América Latina de forma mais ampla. Entre em contato comigo me pelo Twitter se você tiver ideias.

Este artigo apareceu originalmente no site de Phillip Smith e é reproduzido e traduzido para a IJNet com permissão. Smith é um veterano consultor de publicação digital, especialista de ativismo online e organizador estratégico.

Imagem usada sob licença CC no Flickr via JuditK