Como a ferramenta "No Epicentro" ganhou 7 prêmios internacionais em 2021

Dec 26, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
Site de No Epicentro

Era março de 2020 e ninguém tinha ideia do que iria acontecer. As mortes começavam a aparecer, mas ninguém imaginava que chegariam a milhares. Um grupo de jornalistas, da redação da Lupa, liderados por Natalia Leal, começou a fazer um brainstorming sobre a necessidade de sensibilizar a população. E assim, quando os internautas começaram a buscar a ferramenta “No Epicentro”,  criada pela equipe da Agência Lupa e com o patrocínio do Google, puderam entender melhor a pandemia.

O programa oferece uma simulação de como seria a sua vizinhança se todos os mortos por Covid19 estivessem ao seu redor. Nessa onda de provocar empatia, “No Epicentro” ganhou 7 prêmios mundiais: um recorde no jornalismo brasileiro. Natalia Leal, idealizadora da ferramenta e também ganhadora do Prêmio Knight Internacional de Jornalismo de 2021, do ICFJ, explica nesta entrevista ao IJNet Português os desdobramentos e as lições de “No Epicentro”:

1. De quem foi a ideia?

Em abril de 2020, a gente começou um debate na redação da Lupa para pensar numa forma de que as pessoas se dessem conta de que não eram apenas números. Tínhamos a ideia de fazer algo visual, interativo e que as pessoas pudessem fazer as próprias buscas e criar as próprias narrativas, mas a gente não sabia ainda o termo de comparação, o que usar.

Conversei com Alexios Mantzarlis,  Policy Advisor do Google, que me encaminhou para o Alberto Cairo, um dos maiores especialistas em projetos de visualização de dados no mundo. A ideia foi inspirada num gráfico que mostrou o raio de destruição de como ficaria a sua vizinhança se a bomba de Hiroshima tivesse caído perto do seu endereço. Começamos a lapidar esta ideia. O jornalista de dados Rodrigo Menegat, o desenvolvedor Tiago Maranhão e o designer Vinicius Sueiro se uniram ao projeto. E a partir daí foram inúmeras reuniões.

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2. Qual o diferencial de “No Epicentro”?

Eu acho que a interatividade tem um papel fundamental no sucesso da ferramenta. Ela desenha um raio, que é o raio de destruição, se eu estivesse no centro desta pandemia. Foi muito forte até pra mim. A primeira vez que eu testei o programa, eu lembro que o raio dava exatamente no caminho da minha casa até o escritório da Lupa e eu pensei: imagina eu andar e eu não ver ninguém, ter todo mundo morrido, um trajeto fantasma. Quando a gente lançou a ferramenta 95% dos municípios brasileiros teriam sido varridos do mapa, pelos números da doença na época. Depois com a evolução da doença isso foi englobando cidades muito maiores.

3. O projeto colocou as pessoas mais conscientes e mais distantes da desinformação?

Não é uma ferramenta sobre informação falsa ou verdadeira mas de sensibilização, que usa informações verdadeiras, verificadas, números confiáveis para dar a ideia de que a gente não está brincando quando falamos sobre isso. Então a resposta que a gente teve das pessoas foi a de que “eu não tinha a menor ideia desse número, o que representa essa cifra”. Porque tem uma consciência a partir daí. Eu mesma fiz parte de um grupo de pessoas que até o início deste ano não tinha perdido ninguém para esta doença. E como eu tem muita gente. Estas pessoas, em alguma medida, tendiam a essa ideia de que a pandemia não era tudo isso, por não conhecer ninguém que morreu.

4. E qual foi a repercussão do projeto?

Na primeira semana da ferramenta no ar foram mais de 200 mil visualizações. Como a gente desenvolveu a ferramenta em parceria com o Google, eles queriam fazer o projeto em outros lugares. E assim o Washington Post nos procurou e copiou a ideia. Também ganhamos muitos prêmios. Eu acho que foi o projeto jornalístico mais premiado no Brasil. Foram 7  internacionais, entre eles, o Digital Media Awards Latam 2020 (WAN-IFRA), o Best of Digital News Design 2020 (Society for News Design-SND), o Sigma Awards 2021, o Malofiej International Infographics Awards 2020. Sem contar outras 4 indicações como finalista.

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5. Quais foram as lições deste projeto para os próximos?

A gente sabe que o Brasil faz muito jornalismo de dados, mas a Lupa nunca tinha feito. Então a gente deu um passo que era muito novo naquele momento. E uma das lições que a gente aprendeu com isso é que não tem caminho de volta. Não faz sentido o “No Epicentro” ser apenas um pico na história da Lupa. A gente conseguiu contar uma história que conecta desinformação, que ajudou as pessoas a terem outra perspectiva através de uma ferramenta inovadora, não tem porque a gente abandonar isso. A principal lição é o que a gente quer contar e como a gente transforma o que a gente quer contar a partir do referencial do que a gente faz. A partir de 2022 vamos ter uma área de tecnologia na Lupa pra pensar outras narrativas visuais que estejam a serviço do que é a nossa missão: o combate a desinformação.

6. Qual o futuro do jornalismo que vocês estão fazendo?

A gente acredita no trabalho colaborativo. É a gente construir como um time. E como fazer isso acontecer nos novos modelos de colaboração do jornalismo. Tenho me apoiado no ICFJ e no MDIF sobre gerenciamento de negócios jornalísticos, porque a gente não inventa a roda. É preciso usar os conhecimentos de outras pessoas que têm os mesmos objetivos que a gente. Para os novos projetos que incluem tecnologia vamos montar equipes específicas. O próximo projeto com certeza será sobre eleições de 2022. Temos uma quantidade grande de informações sobre diversos políticos e diversas frentes. Pretendemos fazer ferramentas e produtos de eleição que permitam às pessoas encontrar informações que ajudem nas decisões para as eleições.

7. O que você sugere para o jornalista que está começando?

Entender o que a audiência quer e como o jornalista pode atender esse pedido é o mais importante. Isso pra quem vem de redes sociais me parece um pouco mais tranquilo do que para quem vem de um ambiente analógico que nem eu. Venho de um lugar em que o jornalismo é quem dizia o que é importante. E hoje em dia eu acho que a gente de fato precisa fazer o caminho contrário. Entender como a gente entrega essa informação e conecta essa informação com a audiência. A tecnologia é a ferramenta, inovação é um processo, o jornalismo é um princípio e acho que tudo isso junto tem um único objetivo que é levar informação de qualidade para as pessoas e estimular o pensamento crítico delas.


Foto: extraída da página de "No Epicentro"