A cobertura local após a tragédia no Rio Grande do Sul

Jul 7, 2024 em Reportagem de crise
Chimarrão

As chuvas e as enchentes no Rio Grande do Sul alcançaram dimensões inesperadas até para os jornalistas locais. A perspectiva de quem vive nas cidades atingidas traz outro apelo que pode impactar nas pautas e no ponto de vista da abordagem. O nosso Fórum convidou Emilene Lopes, repórter e documentarista, criadora do Projeto Retratos de Guaíba, e Maria Eugenia Bofill, jornalista especializada em direitos humanos, que trabalha no Canal Meio, para falar de suas experiências na cobertura do estado.

Uma cobertura que ninguém esperava

Em meio à catástrofe, Lopes não imaginava a demanda que estava por vir. Ela destaca que a ideia inicial da cobertura local era concentrar informações úteis para ajudar os desabrigados e verificar as informações cruzadas que chegavam a todo momento. “Quem é de fora não tem noção do que virou as redes sociais. O meu Instagram era só pedido de ajuda e informações sobre doações e listas de abrigos”, pontua. Sua primeira pauta abordou um projeto de lavanderia solidária na zona sul para quem ficou desabrigado. “São tantas matérias a pensar e ideias que precisamos priorizar”.

Bofill, que é de Uruguaiana e mora em Porto Alegre há 12 anos, conta que no dia 03 de maio sugeriu uma cobertura sobre o que estava acontecendo no Rio Grande do Sul. Por não trabalhar com hard news, a editoria acreditou que a pauta se esgotaria nos próximos dias. “Eu queria falar sobre o governador que extinguiu vários códigos ambientais, sobre o impacto da especulação imobiliária nessas enchentes. Fazer uma anatomia do caos. Já não tinha água no supermercado e as filas eram imensas. Senti que a situação iria piorar”. E foi o que ocorreu.

 A demora da cobertura nacional

Para Lopes, a cobertura nacional demorou a chegar e se dissipou muito. “Eles cobriram o agudo da crise, mas quanto mais distante se está da situação, menos as pessoas conseguem se envolver. Eu não sei se a cobertura ficou cansativa para quem não é daqui. Para nós, é assunto 24 horas. Agora, estamos lidando com o rastro da tragédia”.

Bofill afirma que, no início, nem os gaúchos tinham a dimensão da crise e que demorou para a mídia nacional perceber o tamanho do impacto. “Tomou essa dimensão porque a água entrou em lugares incomuns, como no mercado púbico, na rodoviária e em bairros mais centrais e de classe média, que normalmente não são afetados”. Para a jornalista, se fossem os bairros normalmente atingidos, como o Sarandi, não teria essa dimensão nacional. E acrescenta. “No Vale do Taquari a situação é pior. São cidades que não existem mais. Essa dimensão foi trazendo a mídia”.

Pautas que podem ser exploradas

Pautas que envolvam a reconstrução das moradias e cidades precisam ser mais exploradas, segundo as jornalistas. E principalmente entrar nas questões socioambientais que precisam ser respeitadas para evitar novas tragédias. Há cidades que passaram em 2023 por enchentes e sofreram novamente em 2024. Pautas sobre saúde, como a falta de medicamentos regulares para determinadas doenças, são destaques de Bofill como forma de atender a demanda dos gaúchos.

O envolvimento pessoal com a notícia

Dentro do Projeto Retratos do Guaíba, Lopes iniciou uma série de vídeos para contar a história de pessoas e lugares atingidos pelas chuvas. O Retratos da Enchente exigiu um esforço emocional a mais quando a repórter decidiu cobrir a casa do seu tio. “Ir de caiaque pela rua em que cresci e ver a casa dele embaixo d’água e depois fazer um vídeo sobre essa história é muito pesado. Nós vamos normalizando algumas coisas e, às vezes, paramos para horrorizar a situação”. A moradia ficou 25 dias com água cobrindo a metade das paredes. O tio de Lopes ainda não conseguiu voltar para casa.

A jornalista desabafa que acompanhou o sofrimento dos familiares de Porto Alegre, sem conseguir chegar na região afetada. Outras coberturas também foram difíceis. “Fiz uma matéria sobre as mulheres desabrigadas e me vi muitas vezes querendo chorar. Eu tinha uma vontade de conversar com quem não era daqui para desabafar”.

Para Bofill que cobriu a pandemia quando trabalhava no G1 a experiência nessa crise foi diferente. “O Covid era hard news e eu trabalhava em home office. Não tinha o contato com as pessoas. Na primeira semana da chuva, muita gente estava nas ruas fazendo voluntariado. Conseguir conversar com as pessoas foi uma forma mais sensível de abordar o assunto”.  

A jornalista destaca que uma cobertura que atinge o lado pessoal fica mais tensa. “São lugares com que tenho uma relação afetiva e estavam submersos. É difícil que isso não impacte o nosso texto. Isso também é jornalismo. Temos que ser humanos e nos colocar no lugar das pessoas. Elas perderam memórias além da questão financeira, que não se pagam”.

Matérias das jornalistas, sobre as enchentes, você acompanha nos links abaixo:

 https://www.canalmeio.com.br/notas/porto-alegre-em-sepia/?h=TWFyaWEgRXVnZW5pYSBCb2ZpbGx8Mjk5NDg0

 https://azmina.com.br/colunas/porto-alegre-esta-colapsando/

https://www.canalmeio.com.br/notas/naufragos-do-sarandi/?h=TWFyaWEgRXVnZW5pYSBCb2ZpbGx8MzAyMDc4

https://www.canalmeio.com.br/notas/a-vida-no-abrigo/?h=TWFyaWEgRXVnZW5pYSBCb2ZpbGx8Mjk1ODk2


Foto: Canva