Apenas 22% das jornalistas em redações ocupam cargos de chefia  

Aug 28, 2023 em Diversidade e Inclusão
Reunião chefe mulher

Uma pesquisa recente feita pelo Reuters Institute revela que o machismo no jornalismo une países tão diferentes como Brasil e Alemanha.Segundo dados do levantamento, realizado em 12 países, embora as mulheres constituam em média 40% da força de trabalho nas redações dos mercados analisados, apenas 22% delas exercem cargos de editora-chefe.

Em todos os 12 mercados, a maioria dos principais editores são homens, inclusive em países onde as mulheres superam os homens entre os jornalistas. Há, entretanto, uma variação significativa na porcentagem de mulheres em altos cargos editoriais em diferentes mercados, variando de 5% no México a 44% nos Estados Unidos.

Mesmo países com boa pontuação no Índice de Desigualdade de Gênero das Nações Unidas (UN GII) ainda têm relativamente poucas mulheres entre os principais editores, indicando uma fraca correlação positiva ao se examinar a igualdade de gênero nas sociedades como um todo e a porcentagem de mulheres em altos cargos editoriais.

“O machismo e a misoginia aparecem tanto em questões culturais, do cotidiano, como de forma estrutural, nas estruturas verticalizadas de cargos de comando. Isso também acontece no jornalismo, com contornos ainda mais cruéis", diz Katia Brembatti, presidente da Abraji. "Os ataques a mulheres costumam ser mais estigmatizantes, buscando descredibilizar a profissional, abordando aspectos como a aparência ou fazendo insinuações sexuais, em clara diferença com o que ocorre quando os alvos são homens”.

Thais Lazzeri, fundadora da FALA - histórias para não esquecer, organização dedicada a produzir conteúdos relacionados aos direitos humanos, meio ambiente e democracia, é um exemplo de jornalista que tem enfrentado ataques. As agressões já vinham acontecendo durante anos, mas em 2021 elas se intensificaram devido ao lançamento do projeto "Amazonas: mentira tem preço", desenvolvido em parceria com o InfoAmazonia.

“A primeira onda de ataques procurava desqualificar nosso trabalho jornalístico. A segunda escalada de violência já teve palavrões, principalmente direcionados às mulheres da equipe", conta Lazzeri. "Em 2021 começaram os ataques mais pesados com ameaças veladas, processos e fotomontagens. Falaram em um deles que eu deveria contratar um segurança pessoal”.

Cenário brasileiro

No Brasil, a situação da representatividade feminina na mídia não é satisfatória. A porcentagem de mulheres em posições editoriais de destaque no país foi de 22% em 2020, diminuindo para 12% em 2021 e 7% em 2022. Em 2023, o país subiu para 13%, índice bem abaixo dos 22% da média global, entretanto. Em termos de usuários de notícias online no Brasil, apenas 27% afirmaram obter notícias de grandes veículos com mulheres como principais editoras.

Criado em 2014, o Nós, mulheres da periferia surgiu justamente para dar voz aquelas que não estão representadas na chamada “grande mídia”. “Passados quase dez anos da fundação, nos alegramos com os avanços tratando-se de diversidade na mídia, mas entendemos o quão urgente é continuar fomentando a presença de mulheres nos mais diversos cargos da cadeia jornalística”, afirma Jéssica Moreira, jornalista, escritora e cofundadora do site jornalístico.

“De forma velada, questões como preparo emocional, conhecimento, atributos de liderança e até mesmo a rejeição por subordinados masculinos são pontos que, de forma preconceituosa, interferem na decisão de escolha de chefias”, diz a presidente da Abraji.

Para Moreira, um problema é que os cursos de formação de jornalismo não preparam os profissionais para terem seus próprios veículos e nem para se tornarem lideranças. “Aprendemos isso na prática. Hoje, nossa redação é composta por 15 mulheres e funcionamos de forma horizontal, o que quer dizer que todas as seis gestoras da organização são líderes e têm voz de comando. Embora haja setores e divisões de tarefas, não somos chefes umas das outras”, explica.

Duas pesquisas são importantes para serem levadas em conta, diz a cofundadora do "Nós": o  “Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, da SOF e Gênero e Número, que revela que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia, e o estudo “Mães jornalistas e o contexto da pandemia”, da Fenaj, que mostra que 85,9% das mães jornalistas se sentiram sobrecarregadas na pandemia. Moreira afirma que as mulheres ainda estão vivendo os resquícios desses últimos três anos pandêmicos. “Houve uma sobrecarga mental e um despreparo por parte de muitos empregadores para entender as necessidades das mulheres em meio a uma crise de tamanha magnitude”, diz.

Soluções para o machismo estrutural

Não há soluções fáceis e nem fórmulas mágicas quando se trata de enfrentar o preconceito arraigado na sociedade. Tanto homens quanto mulheres, jornalistas ou não, possuem um papel a cumprir e são várias as medidas que devem ser adotadas visando mudar este cenário.

“É preciso ouvir, estudar, aprender, estar aberto(a) e ocupar um lugar ativo e propositivo na luta contra o machismo e racismo. Para isso é preciso não só força de vontade, mas também vontade de decisão nas empresas e vontade política de quem pensa nossas leis", diz Moreira. "Penso que políticas públicas que incentivem a educação midiática e a sustentabilidade de veículos independentes são um passo importantíssimo para qualquer país, estado ou cidade”.

A presidente da Abraji acredita que é importante que mulheres ocupem cargos de lideranças em veículos jornalísticos por serem normalmente mais atentas às dores femininas, mas isso não é suficiente: “Esse quadro vai mudar a partir do constrangimento, com redações sendo questionadas pelo histórico 100% masculino, pela cobrança efetiva das mulheres por mais espaço, por oficinas de sensibilização, políticas afirmativas e, espero, pela mudança cultural”.

Por fim, como maneira de contribuir para o crescimento dos veículos da mídia preta, periférica e independente com mulheres nas lideranças, Moreira indica alguns veículos jornalísticos a serem seguidos:

Alma Preta

Azmina

Gênero e Número

Catarinas

Revista Afirmativa

Agência Mural

Desenrola e não me enrola

Amazônia Real

Marco Zero


Foto: Amy Hirschi no Unsplash