A realidade de lançar uma startup de jornalismo

porTaylor MulcaheyJan 28, 2020 em Sustentabilidade da mídia
Muro homenageia MLK em Memphis

Quando o 50º aniversário do assassinato do Rev. Martin Luther King Jr. se aproximava em 2018, a jornalista Wendi C. Thomas queria fazer algo para marcar o momento. Anteriormente repórter do Commercial Appeal, jornal diário de Memphis, Thomas decidiu iniciar sua própria startup, MLK50: Justice Through Journalism.

"[Eu queria] examinar o que a cidade fez com seu sacrifício", disse Thomas. "Para nos forçar a falar sobre mais o mais do que o tão citado discurso 'eu tenho um sonho'". Ela queria se concentrar mais no que ele tinha a dizer sobre supremacia branca, desigualdade econômica e trabalho.

O que deveria ser um projeto de reportagem de um ano até o aniversário está hoje em mais da metade do seu terceiro ano — e continua a crescer. A startup anunciou este mês que será uma das três redações do Tennessee que receberá apoio legal pro bono como parte da Iniciativa Legal Local do Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa.

No lado editorial, a publicação alcançou um impacto significativo. Depois que a MLK50 publicou uma investigação sobre o Methodist Le Bonheur Healthcare, um hospital sem fins lucrativos em Memphis que processou mais de 8.300 pessoas por contas hospitalares não pagas, o hospital começou a desistir desses casos. Eles perdoaram pelo menos US$11,9 milhões em dívidas de mais de 5.300 pessoas.

O MLK50 ainda não possui funcionários em tempo integral, além de Thomas. A equipe de liderança trabalha em meio período e inclui uma editora-gerente, Deborah Douglas, a diretora de recursos visuais, Andrea Morales e a editora sênior, Peggy McKenzie: todas mulheres não brancas. A equipe contratará seu primeiro repórter em período integral neste verão como parte do Report for America

O sucesso, por mais doce que seja, raramente vem sem seus desafios. Thomas é uma repórter treinada e formada em jornalismo. O empreendedorismo nunca foi algo que ela pensou que iria fazer. "Quando eu estava na faculdade, achávamos que íamos trabalhar para alguém", disse ela. "A ideia não era criar algo próprio."

Thomas recebeu uma bolsa Nieman na Universidade de Harvard e usou esse período de 2015 a 2016 para incubar seu projeto. Ela estudou empreendedorismo, que incluiu aulas no MIT Media Lab.

Depois de retornar a Memphis, ela planejou os detalhes: criar um site, contratar freelancers e encontrar um agente fiscal.

“Então começamos. Sem dinheiro. Sem nenhum dinheiro”, disse Thomas.

Em uma entrevista com a IJNet, Thomas falou abertamente sobre transformar sua visão em realidade, abrindo-se para os desafios e medos que a mantinham acordada à noite e compartilhando sua visão de um futuro mais equitativo e sustentável para os empreendedores.

IJNet: O MLK50 reporta sobre pessoas que vivem em comunidades de baixa renda que provavelmente não estão apoiando financeiramente o seu produto: um desafio que outros empreendedores provavelmente enfrentam. De onde vem o dinheiro?

Thomas: No momento, a grande maioria de nossa captação de recursos vem de fora de Memphis. Temos alguns financiadores nacionais que foram muito generosos e consistentes em seu apoio. Temos alguns doadores locais, mas nunca tantos quanto gostaríamos. Não tem sido fácil. De forma alguma. Muitos financiadores nacionais querem que você tenha mais financiadores locais, mas as fundações locais aqui nos disseram não, repetidamente, ou que seu foco é a educação.

Quando começamos, tínhamos US$3.000, e isso foi um presente. Meu tio me deu US$1.000 e duas amigas me deram US$1.000. Por sermos tão pequenos, não fizemos um bom trabalho desenvolvendo ou cultivando doadores, ou esse tipo de coisa que é central nesse tipo de trabalho.

Meu conselho para alguém que tenta seguir esse caminho é tentar angariar o máximo de dinheiro possível antes do lançamento, porque uma vez que você começa a fazer o trabalho, fica super difícil ter a chance de voltar e fazer essas coisas. Quero dizer, você ainda tem que fazer isso. Mas se eu pudesse fazer tudo de novo, teria muito mais eventos nas casas das pessoas, onde eu [falaria] sobre o que íamos fazer e pediria que apoiassem essa visão.

O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre o custo do lançamento deste projeto?

Enquanto eu não estava trabalhando, mas estava lançando o MLK50, estava vivendo na base de cartões de crédito. Eu tinha um bom crédito graças à educação de pais de classe média, estabilidade financeira, sem dívida estudantil: muitos privilégios em cima de outros privilégios. Eu tinha muito crédito disponível, então apenas vivi com ajuda do crédito. Mas há muitas pessoas que não podem fazer isso. Desde então, consegui pagar a dívida do cartão de crédito, mas muitas pessoas têm ideias incrivelmente melhores do que qualquer coisa que eu possa imaginar e não têm acesso a esse crédito. Eu também sabia que se tudo desse errado, eu poderia morar com meus pais, ou um tio ou minha irmã. Eu tinha tantas redes de segurança que me fizeram sentir como se pudesse correr esses riscos.

Existem tantas barreiras ao empreendedorismo associadas à desigualdade em nosso sistema. E acho importante, principalmente para mulheres e pessoas não brancas, ouvir as pessoas sendo honestas. Eu tinha US$38.000 em dívidas no cartão de crédito que me mantinham acordada à noite. Se acordava e me lembrava, não conseguia voltar a dormir.

É muito estressante fazer isso, e os financiadores precisam criar uma maneira de cultivar essas boas ideias sem que a pessoa fique doente de preocupação com a dívida acumulada para começar isso.

O que podemos imaginar que poderia mudar para apoiar esses tipos de projetos no futuro?

Eu sei que os financiadores querem fazer apostas seguras e investimentos seguros. Indo para eles dizendo: "Oi, eu vou começar isso. Sou só eu em Memphis. Eu não tenho dinheiro, mas você deve me dar algum dinheiro" é uma coisa difícil de fazer. Entendo por que isso pode ter sido difícil de vender.

Mas teria tornado isso muito mais fácil se alguém tivesse me enviado um cheque. Se alguém dissesse: "Aqui estão US$250.000. Vamos checar todos os meses para ver se você precisa de ajuda ou orientação". Você lerá muito em publicações de negócios sobre como a maioria das empresas falha dentro de um número tal de anos, ou sobre os empreendedores, que fracassam algumas vezes antes de terem sucesso. Mas mulheres e pessoas não brancas, não temos essa margem de erro. De jeito nenhum.

Então, em apenas dois anos e meio na MLK50, tivemos um bom resultado com a matéria sobre o hospital que estava sendo muito agressivo e processando pessoas de baixa renda: eles perdoaram as dívidas de 6.500 pacientes. Penso no que poderíamos ter feito antes se tivéssemos mais dinheiro e no que poderíamos fazer daqui para frente se tivéssemos mais dinheiro.

Como você determinou que queria ser uma redação sem fins lucrativos em vez de com fins lucrativos?

[Fizemos] um levantamento e vimos [outros] outros veículos de notícias por aí. Quem é seu concorrente? Quanto eles cobram por seus produtos? Todo esse tipo de coisa. Não havia agências de notícias com fins lucrativos, de assunto único e de cidade única, que eu pudesse identificar. Uma maneira de ver isso seria "Se ninguém estiver fazendo isso, eu serei o primeiro". A outra maneira é: "Se ninguém estiver fazendo isso, provavelmente há uma razão para isso."

A outra parte foi entender o mercado aqui em Memphis e o público. Com frequência, você está escrevendo ou criando conteúdo para pessoas que espera comprar o produto. Mas se nosso foco estivesse nas pessoas com as quais o Dr. King estaria alinhado se ele ainda estivesse vivo (que seriam trabalhadores com baixos salários), eles não serão capazes de contribuir financeiramente o suficiente para tornar o produto viável. Ser uma organização sem fins lucrativos nos permite depender de subsídios, e há dinheiro que você pode obter quando é uma organização sem fins lucrativos e não pode obter quando tem fins lucrativos.

O que podemos esperar do MLK50 daqui para frente?

Recebemos uma doação de US$150.000 para ser usada durante dois anos em desenvolvimento e captação de recursos do American Journalism Project (AJP). (É importante que seja APENAS para angariação de fundos, por isso não podemos usar nada disso para o lado editorial.) O que sei é que me destaco no jornalismo e que nossa equipe precisa crescer para incluir alguém cujo trabalho em período integral seja focar no lado comercial. Ainda não estamos em condições de contratar em tempo integral, mas a concessão da AJP nos permitirá contratar profissionais de desenvolvimento para gerar receita.

Ainda preciso de conselhos, mas o que mais precisamos é aumentar a equipe para que eu não precise fazer tudo. Essa é a chave, a meu ver, para a sustentabilidade. Transformar-me em editora, publisher, diretora de desenvolvimento, gerente de produto e coordenadora de associação não é a solução. Na verdade, é uma receita para o esgotamento. O empreendedorismo de mídia não pode ser limitado a pessoas que podem trabalhar 70 horas por semana.

Levei 27 anos para ficar decente no jornalismo. Acho que a AJP me proporcionará um conhecimento operacional mais forte do lado comercial, mas, no final das contas, precisamos de um editor ou diretor executivo. Eu já comecei a pensar sobre quem deveria ser meu substituto. Em cinco anos, ficaria feliz em ser a repórter sênior da MLK50.


Esta entrevista foi editada e traduzida.

Imagem sob licença CC no Unsplash via Joshua J. Cotten