Nestas redações latino-americanas, o trabalho remoto veio para ficar

Feb 11, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
Uma sala com escrivaninhas e computadores, mas sem pessoas

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O som de pessoas digitando rapidamente em teclados. Uma discussão acalorada sobre como ajustar o foco de uma matéria. Jornalistas correndo para se reunir em torno da televisão principal da redação para ver quais matérias estão aparecendo no noticiário.

Mesmo agora, os jornalistas estão começando a sentir nostalgia do modo como as redações costumavam ser. No entanto, a pandemia de coronavírus pôs fim à configuração de trabalho a que milhares de repórteres estavam acostumados.

Várias organizações de mídia latino-americanas já estão passando por transformações importantes e permanentes no local de trabalho. Embora essas redações sejam em países diferentes, cada uma com seu próprio contexto cultural, social e político, algumas tendências comuns estão surgindo.

Em primeiro lugar, os impactos econômicos e as restrições causadas pela pandemia aceleraram ou, em alguns casos, fizeram com que as redações adotassem um modelo híbrido — uma combinação de trabalho virtual e presencial. Isso significa que as redações agora fazem a maior parte de seu trabalho remotamente, com oportunidades ocasionais de reuniões presenciais.

Este é o caso do El Observador, um dos jornais mais lidos do Uruguai. Em dezembro de 2020, a organização decidiu deixar definitivamente sua redação física, que fora sua casa por mais de duas décadas. Agora, a equipe do El Observador trabalha em escritórios muito menores em um espaço de co-working.

[Leia mais: O que aprendemos com redações distribuídas?]

 

Antes da pandemia, todos os repórteres do El Observador iam à redação todos os dias. Agora, eles vão apenas algumas vezes por semana, o que é uma mudança permanente para a publicação. O modelo de trabalho híbrido era algo que a equipe do El Observador vinha considerando há anos, mas a crise de saúde os levou a colocá-lo em prática antes do previsto.

Como o editor-chefe adjunto do El Observador, Ignacio Chans, explicou à IJNet, os primeiros meses de quarentena no Uruguai serviram como um teste para seu novo modelo. Naquela época, eles estavam fazendo home office totalmente. No entanto, com o passar das semanas, a equipe percebeu com preocupação que o trabalho exclusivamente remoto causava falta de diálogo e discussão entre os membros da equipe sobre notícias e outros assuntos do cotidiano. Ao mesmo tempo, eles também reconheceram o valor do home office. No final das contas, esse período de teste resultou na criação do modelo híbrido que eles começaram a usar em dezembro e continuarão a usar daqui para frente.

“A pandemia nos mostrou que era possível trabalhar remotamente”, disse Chans. “Ao mesmo tempo, testar um modelo de home office nos mostrou o valor de alguns trabalhos presenciais, que são realmente necessários para fortalecer as relações de trabalho, ajudar a gerar ideias e pensar as coisas em equipe. Planejando a longo prazo, a ideia é ser o mais flexível possível com nosso modelo de trabalho, lembrando que o trabalho presencial é útil e necessário, mas não todos os dias.”

Ele também compartilhou a estratégia financeira por trás dessa mudança: a ideia é parar de investir tanto em infraestrutura e, em vez disso, investir mais em tecnologia e recursos humanos, que são dois elementos essenciais para qualquer negócio ou empresa do século 21.

El Espectador, um jornal muito conhecido na Colômbia, também está passando por uma transformação semelhante. Assim como o El Observador no Uruguai, a redação do El Espectador não é mais um lugar onde repórteres se encontram diariamente. Agora, a maioria dos funcionários faz seu trabalho em casa e continuará operando dessa forma daqui para frente.

Assim como no El Observador, a ideia de mudar para um modelo híbrido de redação era algo sobre o qual a equipe do El Espectador vinha falando há anos. A pandemia não causou a mudança para o home office, mas sim acelerou-a.

“Há seis anos, trabalhamos na transformação digital do jornal”, disse Elber Guitérrez, editor-chefe do El Espectador. “Um aspecto dessa mudança foi começar a trabalhar remotamente com mais frequência. A pandemia foi o catalisador que nos levou a fazer esse tipo de mudança em nosso trabalho diário de redação.”

[Leia mais: Os efeitos da pandemia no jornalismo]

 

No La Voz de Guanacaste, jornal bilíngue (espanhol e inglês) da Costa Rica com foco em jornalismo investigativo, a pandemia contribuiu muito para as mudanças que a organização está passando.

Na província de Guanacaste, onde está localizado este jornal, a economia é fortemente ligada ao turismo. A indústria do turismo em Guanacaste foi devastada em 2020, como em muitas outras partes do mundo. Como resultado, poucos dias depois de abril de 2020, o jornal havia perdido 80% de seus anunciantes.

“Para ajudar a mitigar os impactos econômicos da COVID-19, decidimos parar de produzir a versão impressa do jornal e fechar nosso escritório físico”, disse à IJNet Gabriela Brenes, diretora executiva do La Voz de Guanacaste. “Nesse ponto, começamos a trabalhar totalmente de home office. Nossa equipe de notícias está espalhada por cinco cidades diferentes, então vamos continuar trabalhando dessa forma, pelo menos nos próximos meses.”

“Estamos priorizando o bem-estar e a estabilidade no trabalho de nossa equipe”, acrescentou Brenes. “Apesar de trabalharmos remotamente, nosso estilo de comunicação é adaptável, o que nos permitiu fortalecer nossa resiliência e laços de equipe.”

O que acontecerá com o La Voz de Guanacaste no futuro próximo? Brenes acha que, assim que a economia se acalmar, a equipe continuará trabalhando remotamente, mas também se reunirá uma vez por semana presencialmente.

Outros meios de comunicação, como El Surtidor, no Paraguai, também estão pensando em manter um modelo híbrido de redação depois que o pior da pandemia tiver passado. No entanto, a equipe ainda não decidiu exatamente como vai ser.

Outras redações seguirão e adotarão um modelo híbrido a partir de agora? Só o tempo irá dizer.


Imagem sob licença CC no Unsplash via Annie Spratt