The Discourse: um modelo de colaboração com a comunidade

porJacky HabibJan 9, 2019 em Jornalismo colaborativo
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Quando se trata de colaborações, a publicação canadense The Discourse se destaca por sua abordagem única de colaboração com os membros da comunidade. Lançada em Vancouver em 2014, The Discourse se concentra na storytelling investigativa e jornalismo de soluções.

Erin Millar, fundadora e CEO da Discourse, trabalhou como repórter de educação por uma década antes de iniciar a empresa. "Eu estava em uma redação tradicional e somos treinados para manter todo mundo à distância", explicou  ela. Depois que suas matérias eram publicadas, ela era inundada rotineiramente por reações do público. "Recebia todos esses e-mails de professores e pais dizendo 'Você entendeu errado' ou 'Você ouviu falar dessa escola trabalhando em uma solução?'", disse. "Se eu tivesse uma maneira de ter esse conhecimento e experiência e usar essas conexões antes de publicar, faria um trabalho melhor."

Inspirada pelo surgimento do GroundSource — uma ferramenta de engajamento para jornalistas — Millar construiu um modelo que se baseia na colaboração com os membros da comunidade para determinar quais histórias são cobertas e para ajudar a moldar as próprias histórias.

The Discourse foi inicialmente organizada em torno de editorias como bem-estar infantil, reconciliação indígena e violência sexual contra mulheres. No entanto, a equipe percebeu que seu público não estava necessariamente interessado em tópicos específicos tanto quanto em ler histórias detalhadas sobre comunidades específicas. Em 2015, a publicação mudou seu foco para reportar sobre comunidades carentes.

A partir de 2018, eles estão atualmente cobrindo três comunidades: Cowichan Valley, na Colúmbia Britânica, a comunidade indígena urbana na região da Grande Vancouver e a comunidade diversificada de Scarborough, em Toronto. A equipe de 20 pessoas da The Discourse está desenvolvendo um modelo de envolvimento da comunidade e reportagens colaborativas por meio dessas comunidades que espera reproduzir em todo o Canadá.

Selecionando o tópico

Quando os repórteres da The Discourse começam a cobrir uma comunidade, seguem um processo específico para garantir uma consulta adequada à comunidade. Eles precisam entrevistar pelo menos 20 membros da comunidade usando uma lista de perguntas, incluindo de onde obtêm informações e quais tópicos de interesse ou preocupação não estão sendo abordados na mídia convencional.

As entrevistas são gravadas e as respostas são transcritas e colocadas em uma planilha. O repórter da comunidade trabalha com um jornalista e produtor de dados para analisar os dados e avaliá-los com base em palavras-chave e temas recorrentes, que formam uma lista restrita.

Em seguida, The Discourse compartilha essa lista e solicita votos para que os membros da comunidade possam avaliar os temas nos quais desejam que o repórter se concentre. Durante esse processo, Franchesca Fionda, jornalista de dados da publicação, diz que compartilha seu processo com a comunidade.

Após a votação, o repórter (um por comunidade) se prepara para centralizar sua cobertura em torno dos temas escolhidos pela comunidade.

Millar disse que esse processo é "provavelmente muito rígido, mas estamos tentando entender o que funciona e o que não funciona e estamos limitando as variáveis". The Discourse não usa nenhum software especial para gerenciar todos esses dados, o que pode ser cansativo. Eles planejam construir tecnologia para otimizar e escalar esse processo.

Os temas que emergiram das entrevistas com a comunidade foram todos diferentes. Na comunidade indígena urbana em Vancouver, por exemplo, os temas incluem barreiras para celebrar a cultura, o acesso e a acessibilidade econômica da habitação. Em Scarborough, a comunidade estava interessada em desafiar estereótipos e problemas com o transporte público.

Engajamento contínuo

Essas conversas iniciais são apenas o começo de como os repórteres envolvem suas comunidades. Jacqueline Ronson, que reporta em Cowichan Valley, estimou que ela passa pelo menos metade de seu dia de trabalho se envolvendo diretamente com os membros da comunidade. Seja online ou pessoalmente, ela faz um esforço para ouvir suas perspectivas e criar conteúdo que examine os problemas da comunidade.

Em preparação ao referendo de Cowichan Valley este ano, Ronson passou semanas online detalhando o que era o referendo, fazendo fact-checking e respondendo diretamente a pessoas que tinham comentários ou perguntas.

Cada um dos três repórteres da comunidade da The Discourse administra um grupo no Facebook para envolver os membros da comunidade no diálogo. Eles também participam ativamente de grupos locais existentes no Facebook.

Os repórteres são obrigados a participar de um evento da comunidade a cada semana, que, segundo eles, ajuda na construção de relacionamentos e confiança. Os repórteres também realizam seus próprios eventos. Brielle Morgan, jornalista que cobriu extensivamente sobre o bem-estar infantil em Vancouver, organizou sessões para ajudar os pais a navegar na burocracia do sistema de bem-estar infantil.

Impacto das consultas públicas no jornalismo

As consultas com membros da comunidade têm sido úteis para definir a agenda dos repórteres. Depois de compartilhar os temas que ela pretendia reportar com a comunidade e participar de vários eventos, Ronson foi abordada por vários membros da comunidade que a conduziram a uma história diferente.

Ela disse que o modelo da The Discourse é drasticamente diferente de sua experiência anterior como repórter da comunidade. “A principal coisa que é diferente é o trabalho de engajamento, com certeza, e insistir que todas as nossas histórias venham de uma demanda da comunidade”, disse Ronson. "Eu trabalhei para jornais da comunidade e é apenas um modelo diferente [onde] você decide o que vale a pena notar com base na sua intuição."

E seu esforço para envolver os membros da comunidade não passou despercebido. Em um mercado recente de agricultores em Cowichan Valley, alguém reconheceu Ronson e a elogiou pelo trabalho que estava fazendo no grupo de sua comunidade no Facebook educando as pessoas sobre as próximas eleições e referendos.

Os repórteres da The Discourse não reportam sobre histórias que já estão sendo cobertas por outros jornalistas da comunidade. Eles se concentram em reportagens em profundidade que forneçam algo de valor à comunidade a cada duas semanas. Normalmente, isso toma a forma de uma reportagem e um boletim informativo semanal.

Embora colaborar com os membros da comunidade seja fundamental na The Discourse, Millar explicou que, mais do que qualquer fórmula que eles possuam, é o compromisso com o envolvimento do público que importa. "Não é como se tivéssemos uma lista de verificação de como colaboramos. É uma cultura e uma abertura."

Expandindo a novas comunidades

Antes de expandir nacionalmente, a The Discourse precisava arrecadar 1 milhão de dólares canadenses (CAD) em capital e realizou uma campanha de financiamento coletivo. Por um mínimo de CAD250 a um máximo de CAD50.000, os membros do público podem investir e ser proprietários da Discourse Media. Mais de 300 pessoas responderam à chamada, levantando CAD350.000.

"Tem sido muito caro do ponto de vista jurídico e contábil, mas sentimos que fazia sentido ter uma organização comunitária que também pertence à nossa comunidade", disse Millar. O restante do financiamento da  The Discourse veio de uma combinação de investidores privados e fundos de impacto.

Finalmente, The Discourse está construindo uma base de associados que opera com doações mensais. Ao contrário de um serviço de assinatura, os membros não pagam para acessar o conteúdo, mas para apoiar seu trabalho em geral. Millar disse que não o comercializam de forma agressiva, ainda em beta, mas já têm 850 membros.

Mais leituras sobre The Discourse (em inglês)


Jacky Habib é jornalista freelance, com foco em desenvolvimento global, justiça social e impacto. Você pode ler mais sobre o trabalho dela no site.

Imagem sob licença CC no Unsplash via Nicole Honeywill