Fim de Jogo: o desafio de manter uma mídia independente por duas décadas

3 juin 2024 dans Jornalismo digital
Comitê de imprensa esportiva

O que acontecia na internet há 20 anos? Ou onde você estava há 20 anos dentro do mundo digital? Em fevereiro de 2004, Mark Zuckenberg colocava o Facebook no ar. Alguns veículos, como a UOL, mencionavam o surgimento de uma internet mais rápida. Foi o ano da criação do Orkut e os blogs se popularizavam, mas com uma linha editorial que era uma versão dos antigos diários dos adolescentes analógicos.

Nesse rápido balanço dá para entender que 2004 mudou a vida de muita gente e a minha também. Em fevereiro daquele ano, achei que um blog, com formato jornalístico e hiperlocal, poderia ajudar os torcedores que iam aos jogos no Maracanã, mas a decisão não seria simples.

A notícia da varanda

Diferente de diversos projetos, mas parecido com o desafio de muitos, o FimdeJogo - uma mídia independente, sem patrocínio e prestadora de serviço para os torcedores - não teve nenhum planejamento estratégico para ser lançado. O único ponto central era tentar alertar o público e autoridades sobre os problemas de confrontos de torcidas no entorno do Maracanã. As brigas aconteciam cerca de 20 minutos depois do fim do jogo.

Da varanda do meu apartamento – que fica a 700m do estádio – acompanhava essa rotina complicada em dias de jogos. Com uma visão privilegiada (oitavo andar), tentava avisar ao policiamento, mas sem sucesso. 

E assim resolvi usar o jornalismo. Cerca de meia-hora antes do final de um Fla Flu (clássico do futebol brasileiro), sentei na frente do computador abri uma ferramenta gratuita, oferecida pelo Comunique-se (rede de jornalistas), e criei o blog. O nome? Se as confusões eram no final do jogo, não demorei muito para optar pelo nome FimdeJogo. Desisti das autoridades, mas não do objetivo.

Da varanda comecei a contar o que via, com posts que eram bem parecidos com o que seria hoje o X ou uma transmissão de rádio. Escrevia três a quatro linhas e publicava. “Estão correndo para a Rua 28 de Setembro”. “Evitem a Rua Eurico Rabelo, confronto de torcidas e já ligamos para o policiamento”. E assim segui por dois anos.

Varanda
Dissat quando começou a cobrir os fins de jogos ao redor do Maracanã. Foto: Celso Pupo

 

Usando um mecanismo de análise de visitação bem básico – não existia o Google Analytics como é atualmente – observei que os torcedores precisavam de muita mais informação e passei a falar sobre estacionamento, trânsito e acessos ao Maracanã.

Sai da varanda e fui para rua. A cobertura deixava de ser no fim do jogo e passava a ser bem antes da bola rolar. Durante a partida, interrompia a transmissão, já que não havia possibilidade de comprar ingressos para entrar em todos os jogos.

Contato direto com a audiência

Foram cinco anos fazendo reportagens na rua, sem credenciamento para entrar nos estádios. Fiz meu próprio crachá e pendurava no pescoço, com muito orgulho. Os torcedores começaram a me reconhecer na rua.

Surgia o Twitter e a minha conta nele: era o que precisava para informar da rua, sem ter que voltar para casa e escrever no computador. A notícia era em tempo real. As coberturas passaram a ser mais rápidas e quem me pedia ajuda, pelo Twitter, respondia imediatamente. Era o meu diferencial em relação aos perfis oficiais dos clubes e demais veículos, que não conseguiam atender aos torcedores.

O credenciamento como imprensa oficial esportiva foi só em 2009, sendo o primeiro blog a conseguir esse reconhecimento, feito pela associação que regulamenta as coberturas esportivas no Rio de Janeiro. 

O início e o fim do jogo ganhavam mais uma etapa de cobertura. Passei a entrar nos estádios, e não só no Maracanã, para contar o que a televisão não mostrava, como as festas nas arquibancadas, brigas e dificuldades dos torcedores.

Por outro lado, comecei a contar os bastidores do trabalho da imprensa esportiva. Quem eram as pessoas que estavam atrás das câmeras. Quais os problemas de credenciamentos, locais de trabalho adequados ou não, falta de apoio, entre outros.

A insistência por visibilidade

A audiência foi crescendo. Só que também surgiram os olhares desconfiados de alguns colegas, já que meu equipamento era o celular, disputando espaço com as câmeras profissionais. Mas conseguia ser muito mais rápida do que eles, compartilhando a informação nas redes sociais.

No mundo das mídias independentes, ser invisível é algo que machuca e se torna uma batalha diária. Usei todas as estratégias possíveis para ter reconhecimento, desde a foto igual no perfil do Twitter e do crachá, até camiseta com o nome do Blog ou só @fimdejogo. Apesar de muitas e muitas vezes ficar em segundo plano, atrás dos grandes veículos, continuei insistindo. Os torcedores, a quem sempre ajudei, foram um grande apoio.

Do pioneirismo ao compartilhamento de experiência

Em 20 anos, acumulei credenciamento para inúmeros torneios incluindo os principais campeonatos nacionais e internacionais de futebol, torneios de basquete, vôlei, passando pela Copa do Mundo 2014, Rio 2016 e Copa América, além de todas as edições do Rio Open (maior torneio de tênis da América do Sul). Participei dois anos da bancada da FoxSports e estive nas sedes do Twitter e Facebook em San Francisco (EUA).

Um dos meus orgulhos recentes foi a cobertura dos Jogos Panamericanos, com aprovação do credenciamento pelo Comitê Olímpico Brasileiro. O Pan 2023 foi no Chile e estava lá, como imprensa oficial. Um blog. Junto comigo, o fotógrafo Celso Pupo, meu marido, e que retomou a paixão pelo fotojornalismo por causa do Fim de Jogo. 

Atualmente conto com colaboradores, apaixonados pelo Blog, e o projeto se incorporou à minha empresa, como uma ferramenta de marketing. Também dou aula na Universidade Veiga de Almeida (UVA), ensinando sobre o jornalismo esportivo digital e espalhando o jeito Fim de Jogo de fazer a cobertura esportiva. Ainda me emociono quando dou palestras sobre esta trajetória e me orgulho de cada momento disso tudo. Espero ter aberto caminho para muitos que vieram na sequência. 

Comitê

Hoje Dissat tem cadeira cativa na maioria dos comitês de imprensa esportiva. (Foto: Celso Pupo)