Num cenário de desconfiança e de crescente desinteresse pela notícia, recuperar o engajamento do público é desafiador. “O jornalismo de soluções ameniza a carga inicial negativa da reportagem, que afasta as pessoas, e ao apresentar alternativas para o problema local, promove um sentimento de esperança”, afirma Priscila Pacheco.
Pacheco é co-fundadora da Mural e terceira convidada do Empowering the Truth Global Summit 2024, um treinamento virtual organizado pelo ICFJ com foco na disseminação de conteúdo confiável. Ela ressaltou a importância da abordagem que restabelece os laços com a audiência.Você acompanha a gravação da sessão com o jornalista Daniel Dieb e o resumo na sequência.
O que a audiência procura
Um relatório do Instituto Reuters envolvendo vários países, publicado em 2023, apontou que 46% dos que evitam notícias estão mais interessados no jornalismo de soluções do que nas grandes histórias do dia. “Óbvio que não é para não dar importância para o factual, mas o foco é em diversificar a produção para atrair as pessoas”, explica Pacheco.
Outra pesquisa do Instituto, do mesmo ano, deu pistas sobre o que a audiência brasileira espera. “A abordagem com soluções foi considerada muito importante para 60% dos entrevistados, inclusive entre os 55% menos interessados em notícias. Já entre os interessados em notícias, o percentual salta para 67%”. O estudo durou 3 anos e concluiu serem necessários quatro tópicos para construir a confiança com o público:
1-Estratégias editoriais: necessidade de dar mais atenção às pessoas “comuns” e na cobertura com foco em resultados, ao invés de apenas abordar o problema ou trazer matérias sensacionalistas;
2-Transparência: comunicar ao público quais são as políticas da redação e o que é possível fazer, enquanto jornalista, para reduzir os conflitos de interesses;
3- Gestão: ter diversidade na equipe, com redações menos brancas e masculinas, e a garantia da independência jornalística;
4-Engajamento: implantar iniciativas para que o público se sinta ouvido e participante da construção da notícia. Além de dar retorno ao que o público questiona.
O que é jornalismo de soluções?
Muita gente já ouviu falar mas não entende exatamente o que é o jornalismo de soluções. “É a cobertura rigorosa e baseada nas evidências das respostas aos problemas. Ela segue uma linha mais explicativa, questionadora e incentiva o diálogo com o público”, explica Pacheco.
Um dos exemplos mencionados foi a reportagem especial sobre cisternas, produzida pela jornalista Beatriz Jucá. A matéria incluiu um gráfico da construção de cisternas entre 2003 e 2019, com auge nos anos de 2013 e 2014, e sua abrupta queda de investimento a partir do governo Temer e Bolsonaro. A série mostrou a importância da política pública para as regiões do semiárido brasileiro, através da mudança de alimentação e da possibilidade do cultivo de verduras, gerando renda com a produção agrícola e servindo de referência para outros países.
Pacheco destaca que nesse tipo de cobertura é necessário averiguar se a solução pode ser implementada em outros lugares e como pode se adequar em cada região. “Mostrar uma política pública não é fazer propaganda do governo. Depende se você compra a ideia de um release ou de conhecer o programa e analisar seus benefícios e problemáticas (aqui, no caso, seu sucateamento)”.
Característica do jornalismo de solução:
- A solução é a protagonista da narrativa. “É o fio condutor da reportagem. Ela não aparece no último parágrafo, mas costurada em toda a narrativa”, afirma.
- Não é uma reportagem superficial. Entra nos detalhes da implementação;
- Apresenta a evidência de resultados, não somente as intenções;
- Inclui pessoas, mas se concentra no processo de resolução. “A ideia não é contar a história de super-heróis”.
- Não esconde o problema.
Dúvidas frequentes
- Quando buscar uma história? Quando um problema é amplamente compartilhado, seja no bairro ou na cidade, e apresenta diferentes alternativas.
- O jornalismo de soluções serve para a notícia de última hora? Não! Ela pode ser o gancho para a reportagem que precisa de algum tempo e pesquisa.
- Há histórias que são econômicas, fáceis e rápidas? Sim! Histórias locais.
- Como encontrar a solução perfeita? Não existe. “O importante é trazer os resultados e o quanto é relevante para aquela situação. Sempre existem os pontos fortes e fracos que devem aparecer na reportagem,” afirma.
- Quanta evidência é necessária? “O suficiente para mostrar a credibilidade da reportagem. Iniciativas em etapas preliminares não têm muitas evidências, mas já têm algo a ser mostrado”.
Como avaliar a sua reportagem
Ao pensar na pauta e fazer a revisão da reportagem, é importante pensar nesses tópicos:
1- As causas do problema são explicadas? As pessoas podem desconhecer o tema que você considera óbvio.
2- A reportagem apresenta as respostas associadas ao problema?
3- O que foi apurado explica em detalhes como funciona a solução?
4- O processo de resolução é o foco da narrativa?
5- O texto apresenta as evidências dos resultados conectados com a aplicação da solução? “Caso não tenha dados, você conversou com pessoas que mostram que o problema está sendo solucionado?”, pontua.
6- A matéria mostra os limites da solução? (Mostrar a limitação agrega valor à reportagem por trazer sinceridade)
7- A matéria apresenta uma nova informação ou perspectiva?
8- Difere-se de uma publireportagem?
9- Há fontes especialistas que não estão diretamente ligadas ao caso? (Importante conversar com pessoas impactadas e especialistas que não estão diretamente envolvidos para não parecer um release)
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