O repúdio das jornalistas brasileiras à misoginia do presidente da República

30 août 2022 dans Liberdade de imprensa
Jornalista mulher entrevista

“Vera, não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse, fazer acusações mentirosas ao meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro.”

Esta foi a resposta do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, durante o primeiro debate presidencial do Brasil, a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do @rodaviva_tvcultura, colunista do @jornaloglobo e comentarista da @cbnoficial. Magalhães questionou a vacinação no Brasil e afirmou que Bolsonaro espalhou desinformação sobre vacinas durante a pandemia de Covid-19.

O ataque de Bolsonaro acabou dando o tom do debate. E este comportamento misógino não só foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, mas o principal condicionante para o desempenho do candidato. “Monitores de grupos públicos de WhatsApp mostram que o ataque a Vera foi negativo para Bolsonaro. O pico das mensagens negativas a ele aconteceram nesse momento”, diz Cristina Tardáguila, diretora de Programas do ICFJ.

“O episódio é lamentável, embora não se possa dizer que seja surpreendente. O ataque a mulheres é uma constante na política brasileira e esse tipo de episódio exemplifica o ódio direcionado às mulheres que são combativas, que se posicionam e que não tem receio de questionar quem está no poder”, diz Natalia Leal, responsável pela agência de fact-checking Lupavencedora do ICFJ Knight International Journalism Award, no ano passado.

A jornalista Patricia Campos Mello, por exemplo, foi alvo de ataque de cunho sexual por parte do presidente Jair Bolsonaro ao publicar reportagens sobre um esquema pago por empresários para espalhar mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2018. Em março de 2021, Bolsonaro foi condenado a indenizar a jornalista em R$20.000 por danos morais.

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e mais 10 organizações de defesa da liberdade de imprensa redigiram uma carta aos candidatos e partidos políticos para que se comprometam com a garantia da liberdade de imprensa e segurança dos jornalistas. Dos quatro candidatos de mais destaque nas pesquisas eleitorais, apenas o candidato Jair Bolsonaro não confirmou o recebimento da carta. 

“Ele sempre fica desconfortável ao ser questionado por uma mulher e reage com agressividade. Ele já deu inúmeras provas públicas de sua misoginia”, diz Camila Appel, jornalista engajada nos direitos das mulheres e uma das responsáveis pela reportagem investigativa que resultou na prisão do curandeiro João de Deus.

“Por que Bolsonaro faz isso? Só um psicólogo poderia responder. Para nós, soa como pura estupidez. A impressão que nos dá é a de que se ele pudesse mandar prender e torturar todas as jornalistas mulheres, ele não hesitaria. É um homem que parou no tempo”, conclui Appel.

Não tolerar perguntas difíceis, principalmente de mulheres jornalistas, é um padrão de Bolsonaro semelhante ao do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que ele tanto admira. Em 2018, há 2 episódios, ambos de ofensas à jornalistas mulheres e negras, que exemplificam o comportamento de Trump. Ele criticou a jornalista Abby Phillip, da CNN, por sua “pergunta estúpida” e chamou April Ryan, também da CNN, de “perdedora” que não sabe “o que diabos ela está fazendo”.

Em outro episódio, também em 2018, numa coletiva de imprensa, no jardim da Casa Branca, quando uma repórter da ABC News, Cecilia Vega, fez uma pausa para começar uma pergunta sobre um indicado à Suprema Corte, Trump disse: “Ela está chocada por eu ter deixado ela me perguntar. Ela está em estado de choque”. Quando ela respondeu: “Eu não estou, Sr. Presidente,” ele retrucou: “Eu sei que você não está pensando, você nunca pensa.”

O resultado das urnas norte-americanas na tentativa de reeleição de Trump em 2021, nós já sabemos. No Brasil, o eleitorado feminino representa 52,65% dos votos. Bolsonaro nem se desculpa e nem se arrepende da raiva que manifesta contra as mulheres. Durante o debate, chamou de "joguinho de mimimi" ao ser questionado sobre o assunto. “As brasileiras precisam estar atentas a esse tipo de comportamento e questionar se ele é aceitável em alguém que as represente nos poderes Legislativo e Executivo”, diz Leal.


Foto: Canva