Em que o Projeto de Lei das Fake News afeta os jornalistas brasileiros

27 juin 2022 dans Sustentabilidade da mídia
Congresso Nacional em Brasília

O “Projeto de Lei das Fake News” (PL 2630/20) tem gerado muitas discussões no ecossistema midiático do Brasil pelas providências que pretende adotar em relação ao combate à desinformação, tema de grande importância principalmente em ano eleitoral. O texto altera a legislação brasileira referente à liberdade, à responsabilidade e à transparência na internet com o objetivo de reprimir a disseminação de conteúdos falsos pelas plataformas de tecnologia.

“A situação de desinformação e polarização que está acontecendo hoje está nos levando a um apocalipse informativo, uma terra sem lei de gangsterismo digital e de radicalização dos extremos. Muita gente não está interessada em ter qualquer espécie de regulação e nós vemos os extremos se unirem com as ‘Big Techs’ (grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado como Google e Meta) para impedir uma reversão desse quadro de poluição social que vemos na internet”, afirma Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais).

Na versão final do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o projeto possui dois pontos polêmicos para o meio jornalístico: a imunidade parlamentar e a definição de um modelo de remuneração de conteúdos jornalísticos. Em abril, entidades da sociedade civil e organizações jornalísticas publicaram uma carta pedindo que esses dois itens fossem retirados do projeto de lei. O PL acabou tendo seu requerimento de urgência rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados naquele mês e agora é aguardada a análise do projeto.

Imunidade parlamentar

O parágrafo 8º do artigo 22 do PL estende a imunidade parlamentar material às redes sociais, impedindo que deputados e senadores sejam responsabilizados, civil e penalmente, por opiniões e palavras proferidas em ambiente digital. Para Guilherme Alpendre, vice-presidente da Ajor (Associação de jornalismo digital), uma das entidades signatárias da carta, isso gera um risco grave.

“A nossa posição nesse momento é pela supressão desse parágrafo. Ele é um problema porque se cria um salvo-conduto para um político com mandato publicar uma inverdade em uma plataforma e ela não poder moderar isso. Ele pode dizer, por exemplo, que a vacina contra a Covid-19 é danosa à saúde e a plataforma não pode tirar o conteúdo”, explica.

Rech acredita que esta questão foi usada pelas “Big Techs”, que seriam contrárias a qualquer mudança de cenário, para tentar derrubar o projeto, que de maneira geral é positivo. “Poderia ter sido retirado esse trecho”.

Remuneração por conteúdo jornalístico

Se a retirada da imunidade parlamentar parece unir o meio jornalístico, o tema da remuneração gera controvérsias. O artigo 38 do PL estabelece o pagamento, pelas plataformas, a produtores de conteúdo jornalístico e determina que a regulamentação da lei disponha sobre critérios, formas para aferição de valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e valorização do jornalismo profissional.

Entidades como a Ajor, no entanto, acreditam que o assunto deveria ser discutido em um projeto de lei separado. “Defendemos que essa questão seja debatida em um projeto apenas para isso. O PL das Fake News tem boas intenções, mas também armadilhas. Uma delas é como é que se vai determinar quanto uma empresa jornalística vai receber? Como será o cálculo? Por quantidade de reportagens?”, diz Alpendre.

Para ele, essas “armadilhas” podem beneficiar grandes grupos midiáticos que têm capacidade de produzir mais conteúdo, possuiriam mais articulação com o governo e conseguiriam uma negociação melhor com as plataformas. “Como uma plataforma vai conseguir remunerar todas as empresas jornalísticas do Brasil? O Atlas da Notícia lista quatro mil veículos no país. Isso já é uma primeira dificuldade. Como vai se dar essa remuneração? Diretamente entre a plataforma e a organização jornalística, como é na Australia? Lá várias empresas ficaram de fora, sendo remuneradas pelo Google, mas não pelo Facebook”, explica.

Em 2021, a Austrália aprovou lei que obriga as plataformas digitais a negociarem com veículos de mídia pela disponibilização de notícias online. No início de abril deste ano, o Canadá apresentou o seu respectivo projeto. Ambas as medidas, no entanto, são apontadas por especialistas como legislações que podem acabar aumentando o poder das plataformas e concentrando os recursos delas em grandes empresas da imprensa.

Para o presidente da ANJ, o melhor critério a ser adotado seria o do pagamento de acordo com a quantidade de jornalistas contratados com CLT, o que poderia, de fato, favorecer mais os grandes veículos. Rech, porém, não acredita nisso e diz que o critério serviria como incentivo às empresas menores para contratarem jornalistas celetistas, melhorando a qualidade das vagas no setor.

Ele propõe outras medidas que poderiam ser adotadas em conjunto como a remuneração por produção de conteúdo original, o que evitaria recompensar sites que apenas republicam conteúdos de terceiros, e a criação de uma reserva de investimento para inovação jornalística visando estimular o surgimento de novos veículos.

Alpendre lembra que existe uma proposta de, ao invés de pagar pelo conteúdo, criar um imposto sobre o faturamento das plataformas o qual financiaria um fundo de fomento ao jornalismo com um conselho que determinaria como essa verba seria distribuída. “A Ajor não deliberou especificamente sobre essa ideia, mas existem uma série de regras a serem discutidas que devem ser amadurecidas no jogo democrático e que atendem melhor a sociedade”.


Foto de Telmo Filho no Unsplash