Pesquisadoras avaliam influência da pandemia nas eleições municipais

por Marina Monzillo
Oct 15, 2020 en Reportagem sobre COVID-19
Urna eleitoral

A mudança de data das eleições municipais — atrasando e encurtando o período de campanha —, a restrição a comícios e à distribuição de materiais impressos como medidas de segurança da pandemia, a possível alta abstenção na votação e o olhar dos eleitores às respostas dos atuais prefeitos à crise da COVID-19 são alguns dos fatores que tornam o pleito deste ano atípico e ainda mais passível de surpresas. 

Para conversar sobre este cenário e seus presumíveis impactos nas urnas, o Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde apresentou o webinar "Como a COVID-19 pode afetar as eleições?".

As convidadas para o debate foram Luciana Santana, doutora em Ciência Política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e professora na UFAL (Universidade Federal de Alagoas), e Monalisa Torres, doutora em sociologia pela UFC (Universidade Federal do Ceará) e professora de teoria política da UECE (Universidade Estadual do Ceará).

Elas apontaram a diferença das campanhas nas capitais e grandes cidades em comparação com os pequenos municípios, onde o corpo a corpo acontece mesmo em época de isolamento social e as mídias digitais não têm tanta influência. Para essas especialistas, porém, o grande desafio das eleições será o eleitor aparecer para votar. 

 

 

Veja a seguir os principais pontos da conversa.

Polarização da pandemia

  • As professoras iniciaram a discussão lembrando que a polarização política começou de forma mais intensa em 2013 e permanece existindo no Brasil, entretanto, não é o foco principal das eleições municipais. “As demandas políticas locais são muito específicas, e as composições partidárias dos municípios parecem até ter incoerências, porque não reproduzem as características da competição nacional”, analisou Santana. 

  • Torres acrescentou que há uma polarização da pandemia, relacionada às políticas de enfrentamento à COVID-19, mas que ainda não apareceu nas campanhas eleitorais locais. “Se aparecer, vai ser mais para a frente”. Ela vê a política sendo resgatada por seu aspecto positivo no gerenciamento da crise, e ambas as especialistas projetaram uma maior participação dos partidos de centro-direita no Legislativo no ano que vem. 

  • As duas disseram que o tema da saúde estará muito evidente em todas as campanhas. “Em primeiro, por causa da pandemia, e em segundo, porque junto com educação, a saúde é citada de forma recorrente pelos eleitores como um dos principais problemas que o prefeito deve tratar”, disse Santana. 

Festa no interior

  • As mudanças e restrições impostas à campanha pela pandemia, em teoria, beneficiam prefeitos que estão tentando se reconduzir aos cargos. “Como eles têm a máquina, a estrutura, podem ter vantagem, mas é possível haver surpresas também. A maneira como a população avalia a resposta que deram à pandemia vai contar”, disse Santana.

  • Torres contou que, no Ceará, testemunhou como prefeitos desgastados tiveram oportunidade de bolar ações que os ressuscitaram eleitoralmente nesse período. “E como a pandemia impede eventos de rua, isso complica para candidatos novos, que estão construindo a imagem pública.” 

  • Dificulta, mas não impede. A expectativa era uma eleição digital este ano, mas a campanha também está bastante na rua. “As pessoas precisam se fazer conhecidas e estão adotando todos os artifícios possíveis”, acredita Torres. Segundo ela, eventos e aglomerações têm acontecido em diversas cidades, inclusive capitais. “O que temos notado no Norte e Nordeste é que parece que a pandemia não existe. Candidatos que entraram na polarização da pandemia, criticaram o presidente, estão agora nas ruas, tocando a mão de eleitores, distribuindo santinhos.” 

  • Elas explicaram que em cidades pequenas a campanha eleitoral tem um caráter festivo. “As pessoas vivem a política de forma intensa no Nordeste: eleição é como São João. Mas esse é o perfil das cidades do interior, independente da região; o corpo a corpo está acontecendo e pode ser um agravante para os prefeitos eleitos. Se tivermos uma segunda onda, vai acabar no colo deles, talvez sem os mesmos recursos deste ano”, comentou Santana. Ela explicou que quanto menor o município, mais festiva é a eleição, em especial, a municipal. “As pessoas participam ativamente, por conta da proximidade com os políticos —  existe muita dependência dos programas sociais e dos poucos cargos públicos da prefeitura.” 

O papel das redes sociais

  • As redes sociais se tornaram muito fortes na campanha presidencial de 2018 e, para Santana, elas vieram para ficar. “Vai ser usada independentemente da pandemia, inclusive, fora do período eleitoral”. Era esperada uma maior utilização este ano, mas, para ela, as pessoas estão saturadas de internet pelo tempo em isolamento social, e isso acaba reduzindo o papel das mídias digitais na corrida eleitoral. “As pessoas querem ver os candidatos, o eleitor brasileiro gosta de atenção. E os candidatos preferem o risco do que a ideia de que fez pouco caso e não deu a mão para um eleitor”. Torres vê uma maior influência das redes sociais nas capitais e grandes cidades. “A realidade da maioria dos municípios é que a internet não chegou, as pessoas não têm celular.” 

  • Se em 2018, o programa eleitoral no rádio e na TV não teve tanto força, nas eleições municipais isso deve ser diferente. “No interior, ainda são fortes as rádios comunitárias e esses meios de comunicação vão ganhar o protagonismo que não tiveram há dois anos”, concluiu Torres.  


Marina Monzillo é jornalista freelancer com 20 anos de experiência em diversas áreas, como cultura, turismo, saúde, educação e negócios.

Imagem sob licença CC no Flickr por Jeso Carneiro