Repórteres que focam em saúde materna e infantil têm o desafio de explicar questões complexas que envolvem ciências, política pública e contexto cultural. Quando a cobertura de saúde falha, abre espaço para a desinformação e o medo.
No Brasil, como a mídia focou demais no zika, a sociedade esqueceu das outras doenças, afirmou a Dra. Regina Coeli, especialista em doenças infecciosas pediátricas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, durante um seminário online realizado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) em dezembro.
O seminário também teve a participação de Dr. Olímpio Moraes, obstetra e ginecologista, e as vencedoras do Concurso Global de Reportagem de Saúde da Johnson & Johnson/ICFJ de 2014, 2015 e 2016: Mariana Della Barba, Maria Clara Vieira e Mariana Barros.
Além da epidemia do vírus zika e microcefalia no Brasil, os especialistas falaram sobre aborto, surto de sífilis e direitos da mulher. Aqui estão os pontos principais da conversa, segundo a IJNet.
Falta informação sobre zika
Como parte do prêmio pela série “Diário de uma Epidemia” sobre casos de microcefalia em Pernambuco, Mariana Barros participou de uma viagem de estudos aos Estados Unidos. Lá, ela fez contatos em instituições como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e repassou contatos do Brasil.
“Eu achava que ia encontrar mais respostas [nos EUA], mas me surpreendi que a gente aqui é que está dando estas respostas para eles”, disse a jornalista.
As dúvidas permeiam cada aspecto da epidemia de zika e microcefalia. Por exemplo, a probabilidade de ter um bebê com microcefalia em caso de zika durante a gestação ainda é desconhecida. Segundo Dr. Olímpio, essa probabilidade pode estar em 40 por cento, mas dados concretos para cada fase da gravidez vão levar tempo para serem definidos.
Aborto em casos de mulheres com zika
Enquanto o Brasil espera pela decisão do Supremo Tribunal Federal referente aos casos de grávidas infectadas pelo vírus zika, o aborto continua sendo crime.
A criminalização do aborto vai de encontro com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que defendem o abortamento seguro para diminuir o número de abortos e mortes maternas.
Jornalistas têm que cobrir o aborto não com viés religioso, mas com viés científico, baseado nos fatos, recomendou Dr. Olímpio, que disse ser contra a criminalização do aborto.
“Ao fazer isso [criminalizar o aborto], você tem o efeito colateral de aumentar o número de abortos. No Brasil, uma mulher que não quer uma gravidez vai resolver o problema sozinha... ou seja, ela vai continuar vulnerável a outra gravidez indesejada. Se ela sabe que vai ser acolhida pelos médicos... faz um aborto e sai com um método contraceptivo”, Dr. Olímpio disse, apontando para um estudo que revela o alto número de gravidez indesejada no país.
O médico também chamou atenção ao fato de que a lei penaliza a mulher e não o homem pelo aborto. “Veja como a sociedade é patriarcal: eu nunca conheci um caso em que, quando a mulher decidiu [fazer] um aborto, o homem não abortou primeiro.”
Saúde mental da mãe é ignorada
As mulheres que têm filhos com microcefalia são duplamente penalizadas. Muitas delas, abandonadas pelos companheiros, não têm ajuda alguma depois que o bebê nasce.
“Precisamos cuidar da saúde mental dessas mulheres. A gente foca no recém-nascido mas esquece da mãe. Como a mãe vai dar boa assistência ao filho se ela está destroçada e não tem apoio de ninguém?”, disse Dr. Olímpio, enfatizando que a a mulher na cultura brasileira é vista como uma mera incubadora.
Para piorar a situação, o governo não tem recursos para ajudar todas as famílias com microcefalia. “Nasceram cerca de 300 crianças em Pernambuco e isso saturou o estado”, Dra. Regina disse.
Segundo a médica, falta também conscientização sobre outras doenças que pousam riscos para a gestante e o bebê, como a toxoplasmose, rubéola e chicungunha.
Retorno da sífilis
Quando Mariana Barros entrevistou Dr. Olímpio para sua série sobre microcefalia, ele a alertou sobre o aumento de casos de sífilis. Quase um ano depois, o Ministério de Saúde confirmou a epidemia da doença no Brasil.
O ressurgimento da sífilis é uma incógnita para os profissionais de saúde. Dr. Olímpio sugeriu que a dificuldade de oferecer benzetacil em postos de saúde, a estigma da doença e o descaso em relação ao uso de preservativos, agora que a AIDS não é mais uma sentença de morte, podem ter contribuído para a nova epidemia.
A sífilis em gestantes pode resultar em problemas graves de saúde para o bebê. O exame de sífilis faz parte do pré-natal. O problema, afirmou o médico, é que muitos postos de saúde não oferecem pré-natal de qualidade.
Dr. Olímpio disse que essas bandeiras, e outras como o parto humanizado, precisam ser levantadas para que as políticas públicas mudem. “Quando respeitarmos as mulheres, todo mundo vai ganhar... vamos ter uma sociedade bem melhor, mais humana e mais feliz.”
Imagem sob licença CC no Flickr via Tatiana Vdb