O jornalista e a divulgação médica na internet   

May 22, 2023 en Jornalismo básico
Remédios

Atuar na área do jornalismo científico, em particular na cobertura em saúde, não é algo novo. Mas o acesso fácil pelas redes sociais e o período da pandemia fizeram este tipo de divulgação ganhar grandes proporções.

Não só as sociedades médicas passaram a contratar profissionais de comunicação, mas os próprios médicos. Os jornalistas então precisam auxiliar, pautar e criar conteúdo nas redes sociais, para fortalecer a imagem e atrair novos clientes. Atuar nesse segmento requer cuidado porque a propaganda em forma de notícia lida com a saúde das pessoas.

Para Graciele Almeida de Oliveira , presidente da RedeComCiência (Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência), as sugestões de pauta, apuração, produção e a divulgação precisam ser corretas no conteúdo. Ela explica que é fundamental entender a ética relacionada às diferentes áreas, buscando os princípios e as normas que são definidos pelos diversos conselhos, como o de medicina.

Oliveira exemplifica que num dos artigos do Código de Ética Médica é vedado ao médico ‘fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente’. "Temos de levar isso em conta na produção do conteúdo”, diz ela.

Novas Resoluções sobre Divulgação Médica

O Manual de Publicidade Médica, documento oficial do Conselho Federal de Medicina, existe desde 2011, e define o que é permitido ou recomendado em relação a divulgação dos médicos. O texto já recebeu acréscimos de outras Resoluções em 2015 e é leitura obrigatória para médicos e jornalistas.

Uma das resoluções é a 2.126, de 2015 , que incluiu informações específicas para redes sociais e internet, incluindo sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares. No conteúdo, continua vedado ao médico anunciar especialidade/área de atuação não reconhecida, ou para a qual não esteja qualificado, e registrada junto aos Conselhos de Medicina.

Com a enorme transformação que vem passando a comunicação, o CFM viu a necessidade de rediscutir as normas de divulgação médica, mas a velocidade das mudanças não é a mesma das novas ferramentas de comunicação. Os debates iniciaram em 2019 e ainda não terminaram.  

Segundo a Dra. Annelise Meneguesso, da Câmara Técnica de Endocrinologia do Conselho Federal de Medicina, o texto atual precisa de uma revisão em função de todas as mudanças observadas na comunicação. “O Conselho Federal de Medicina está focado na atualização, visando entender o novo cenário e inserir os médicos da nova geração”.

Enquanto o CFM tenta reforçar as regras para os médicos, observa-se uma carência na formação dos jornalistas nesta área. Oliveira explica que a RedeComCiência - que é uma associação sem fins lucrativos, criada há cinco anos - vem trabalhando para melhorar a qualidade do jornalismo e da comunicação de ciência.

Nossa Rede tem diversas frentes de apoio, que incluem criar espaços para trocas entre jornalistas, divulgadores de ciência e cientistas interessados em comunicar ciência. Também fazemos parcerias para a tradução e criação de materiais, manuais, guias e vídeos que podem apoiar a atuação desses profissionais", explica Oliveira.  Ela cita como exemplos: os "Papos em Rede", seminários sobre diversos temas associados à ciência, e o Jornalismo Científico em 5 minutos, mentoria voltada para jornalistas interessados em cobrir ciência.

“Todo mundo faz”

Outro desafio é reforçar junto aos médicos o fato de que postagens que violam os regulamentos são passíveis de punição pelos Conselhos Regionais de Medicina. Muito conteúdo continua online, apesar das punições, em função de interpretações das Resoluções. Segundo Guido da Costa, advogado especialista em direito digital, membro da Associação Nacional de Profissionais de Proteção de Dados, existe uma fiscalização efetiva dos conselhos, mas sigilosa.

“Na atual Resolução é vedado, por exemplo, o uso de adjetivos como o melhor, o mais capacitado etc. Não é uma Lei, mas é uma Resolução que tem que ser seguida", diz Costa. "Cada caso é analisado individualmente pelas normas, somada a outras Leis que já existem, como a de proteção de dados e exposição de informações pessoais”. O advogado esclarece ainda que a exposição do termo "sem cura" sobre alguma doença não deve ocorrer, pois pode interferir na vida do paciente.

Escolha de pautas e imagens

Para orientar médicos sobre escolha de pautas é preciso ter em mente o que é proibido. A Dra. Célia Regina da Silva, conselheira da CREMERJ (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro), reforça que é vedado o uso de peças de publicidade médica – independentemente da mídia utilizada para sua veiculação – onde sejam usados designações, símbolos, figuras, desenhos, imagens e slogans que sugiram garantia de resultado por determinado médico ou unidade de saúde.

A médica lista outros pontos que precisam de atenção:

- É proibido o uso no texto ou em imagens que o médico tem o melhor equipamento, melhor tratamento ou melhor formação e que, por isso, obtêm melhores resultados;

- Anunciar técnicas ou tratamentos como exclusivos;

- Anunciar técnicas ou tratamentos não aceitos pela comunidade científica;

- Garantir, prometer ou insinuar bons resultados de tratamentos - os famosos “Antes e depois”;

- Não noticiar prêmios no estilo “Médico do Ano”, “Destaque” ou “Melhor Médico”.

Conhecimento na área

Oliveira reforça que o discurso científico tem suas peculiaridades, com métodos, formas de se fazer, linguagem e seus jargões. “Entender esses processos é importante para o jornalista que trabalha na área da ciência". Ela explica que, em 2020, a RedeComCiência fez um levantamento sobre as disciplinas voltadas para o jornalismo científico nos cursos de jornalismo. A porcentagem de universidades públicas em que havia uma disciplina, optativas ou obrigatórias, em que o jornalismo científico era um dos assuntos abordados na ementa, foi de 40,6%. Apenas 4,7%, ou seja, três dos 64 cursos, contavam com o Jornalismo Científico como disciplina obrigatória.

As leis e regras existentes são enfatizadas pelos órgãos reguladores porque o consumidor final é o paciente, que pode ter sua vida colocada em risco. Se especializar é uma tarefa importante para que o jornalista, em se tratando de saúde, cubra o tema da maneira ética e responsável. 


Foto: Canva